Review: Kanye West – Jesus is King

No último dia 25/10, após atrasar mais de um ano, fazer toda a equipe do Rap Sh!t de palhaço e dar pelo menos três datas oficiais (e mais algumas especuladas) para o lançamento de seu novo álbum, o rapper, cantor, produtor, gênio, (quase) bilionário, playboy e filantropo Mr. Kanye West dropou Jesus Is King, seu nono LP solo e décimo segundo no geral. Após um ano conturbado em 2018, que se encerrou com um sumiço do rapper depois do não lançamento do previamente anunciado Yandhi (história que contamos com mais detalhes aqui), após um ano inteiro envolvido com seu coletivo Sunday Service, Ye mergulhou de vez na música e vida cristã, lançando seu disco com uma temática completamente de acordo – 94.6% das linhas foram ligadas à religião, sendo apenas 23 delas seculares – com infusões de elementos gospel em diversas faixas.

 

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Como já comentamos anteriormente, Kanye tem um longo histórico de relação com cristianismo em suas músicas, seja quebrando paradigmas em sua estreia, com Jesus Walks (“they say you can rap about anything except for Jesus”) ou com a última frase de seu último álbum, Kids See Ghosts (“Lord shine your light on me, save me please”). O problema é que nesse disco a mensagem de Kanye é, em grande parte, auto-centrada. Na faixa Hands On, já próximo do fim do álbum, o rapper dedica uma música inteira para criticar e tentar se provar aos cristãos que duvidam de sua relação com Deus (o que, diga-se, do ponto de vista de um cristão Ye tem razão). Além disso, ele tem ideias terríveis durante o álbum, como justificar o preço alto de seus produtos com “eu não posso deixar minha família passar fome” (me ajuda a te ajudar né? Você é o rapper mais bem pago do mundo e membro do clã Kardarshian), ou se colocar em pé de igualdade a Noé frente ao olhar público ou, ainda, a Jesus sendo traído por Judas. É difícil entender como , mesmo num álbum cristão (onde ele supostamente teria colocado o ego de lado), ele segue se aumentando de forma bizarra chegando a ser uma blasfêmia. Eu nunca tive problemas com a auto-estima do Kanye e em vários momentos ele tem sua razão, mas aqui soa extremamente cringe.

Quando a conversa sai de Kanye e passa para a ideia de louvar a Deus e espalhar o cristianismo, a mensagem sai da forma mais superficial possível. Se o álbum fosse de um artista já do meio gospel, seria compreensível as músicas terem a temática de louvar a Cristo, mas quando o MC se propõe a trazer o público geral ao seu lado, pouco faz. Os temas são pouco aprofundados, os valores cristãos não são passados para o ouvinte. Uma temática mais ampla poderia ser abordada durante o disco, como por exemplo a manutenção da não publicada “We Got Love (feat. Teyana Taylor)” que supostamente estava no projeto inicial de Yandhi e também teria sido cortado do último álbum da cantora; outros temas como humildade, aceitação de diferenças etc poderiam ser abordados, mas, a mensagem do álbum soa como mais uma mensagem superficial que dificilmente é capaz de convencer o ouvinte a buscar a vida dentro da religião.

Ainda há bons momentos líricos no álbum, embora em sua maioria sejam linhas superficiais e pouco construídas. Em “Follow God”, a canção mais celebrada pelo público até aqui, ele oferece uma reflexão sobre uma discussão com seu pai sobre sua relação na transição para a vida cristã, onde seu progenitor acusa os erros do rapper; em “God Is”, uma faixa destaque aqui, Kanye tem bons versos louvando a Deus; em “Water” o artista usa o 2º verso para trazer praticamente uma oração, que poderia ser usada por qualquer cristão antes de dormir. Mas em contraste a esses bons momentos, temos a faixa “Close On Sunday”, que, apesar de ser musicalmente muito bonita, está no top 5 de piores letras que Kanye já escreveu (e olha que ele já sugeriu que o seu oponente,no caso SNL, o desse um beijo grego), além de ser uma espécie de homenagem a uma rede de restaurantes envolvida em polêmicas homofóbicas e sexistas, numa faixa que tem creditos de escrita atribuídos a, entre outros, A$ap Bari, culpado por assédio sexual. O disco como um todo é extremamente inconstante (pra não dizer ruim) na parte da escrita.

Sobre a produção, não se deixe enganar: não é um álbum gospel. É um álbum de rap com inspirações gospel em algumas faixas, porém no geral o rap é o primário. O principal sinal é o uso de corais e vozes em suas faixas. Selah, a melhor música do projeto segundo este que escreve, conta com uma produção de tom épico e é um início empolgante para o álbum, com um coro no meio da música repetindo a palavra ‘hallellujah’ 41 vezes, sendo arrepiante na primeira ou na décima audição do álbum. Algumas faixas como “Follow God” e “God Is” contam com samples de música gospel muito bem colocados, sobretudo na segunda(embora “Water” tenha um sample de uma faixa chamada “Blow Job”. Kanye things), além de outras faixas como “Everything We Need” que contam com elementos ou harmonias que lembram a música gospel, mas, nessas faixas, batidas de rap predominam. Como um todo a produção é o ponto alto do álbum, tendo ainda em “Follow God” e “On God” como duas faixas que poderia tocar em qualquer balada, se não fosse, é claro, a temática; o destaque fica também para a faixa “Use This Gospel”, que embora a batida da versão original (Chakras, que estava inicialmente Yandhi) talvez se encaixasse melhor com os versos de Pusha-T e No Malice, anteriormente os membros do duo Clipse, que aparecem juntos pela primeira vez desde 2013, segue sendo uma grande amostra do talento de Ye como produtor, encaixando a voz humana como um instrumento, além de um incrível solo de saxofone de Kenny G no final da faixa.

Algumas músicas ao longo do álbum poderiam e deveriam ter sido mais trabalhadas. A intro, “Every Hour”, conta com um início excelente por parte do coral do Sunday Service até que a música não vai a lugar algum e é cortada do nada, como se fosse somente um recorte de uma das apresentações do coletivo; cairia muito bem um beat switch e um verso na segunda parte da canção para abrir o álbum em outro nível, além de “Follow God” e “On God” que são irritantemente curtas e se beneficiariam de um verso extra no final. O mesmo vale para “Jesus Is Lord”, que soa mais como um interlúdio a ser colocado no meio do álbum do que uma outro de fato. Até esse texto ser escrito – o que é importante ser dito, já que segundo comentários o álbum está tendo ajustes, como os últimos do artista – há problemas claros de mixagem em “Water” e “Follow God”; o mesmo se dá em “Use This Gospel”, onde ainda há o verso de Pusha-T totalmente off beat, o que é incrível para um álbum que demorou mais de um ano para sair e ainda teve seu lançamento atrasado pois estavam ajustando a mixagem.

Infelizmente este álbum, embora não ruim, figura no fundo do ranking dos álbuns de Kanye. O artista, embora nunca tenha sido o mais hábil liricista, sempre foi inspirador. Seja incentivando o ouvinte a conquistar seus sonhos, colocando luz em problemas raciais, nos lembrando que é normal ter problemas de saúde mental ou até falando sobre a religião, Ye sempre foi alguém que inspirava o ouvinte, inspiração esta que faltou a ele e seus colaboradores nas diversas letras do curto álbum Jesus Is King, onde visivelmente faltam ideias para seguir com as faixas e o projeto como um todo. Mais uma vez com uma obra sonoramente diferente do que se vê na cena mainstream, o lado produtor de Mr. West se sobressai e é o que nos dá praticamente tudo que se tem a aproveitar neste disco, sendo daí onde se podem sempre esperar ideias inovadoras. Seguimos todos pedindo a Jesus que essas ideias voltem a aparecer em um pacote completo, como tanto estamos acostumados a ver e ouvir vindo do maior artista do século.

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