QUANTO MAIS EU COMO, MAIS FOME EU SINTO! – DJONGA

Novo disco, velhas tradições e mesmos problemas de um djonga que já parece saciado a um bom tempo.

A expressão “dia 13 de março tem disco do Djonga!”, que gerava grande expectativa por volta de 2018 — especialmente com os lançamentos de seus três álbuns mais aclamados — já não causa o mesmo impacto há algum tempo. A tradição, quebrada pelo rapper mineiro em 2023 com o lançamento de Inocente, reaparece em seu trabalho mais recente como uma tentativa de resgatar algo que se perdeu ao longo dos anos, algo que precisava ser ressignificado em sua trajetória.

Sem grandes divulgações, Djonga anunciou o novo álbum pouco antes do lançamento. Apostou no fator “surpresa” para cativar seu público com um trabalho que, à primeira vista, pode parecer um disco conceitual, com um tema central. O que seria suficiente para quem sabe agradar os fãs mais exigentes. Um esforço considerável que o próprio MC já afirmou não ser a sua maior preocupação. Afinal, conquistar novos ouvintes costuma ser mais fácil do que reconquistar os que já se afastaram. Comercialmente, suas últimas fases têm funcionado, mesmo com temas reciclados e execução irregular.

No novo álbum, Djonga divide a produção entre colaboradores antigos, como Coyote e Rapaz do Dread. Conta ainda com participações de grandes nomes da música mineira, como Milton Nascimento, Samuel Rosa e Dora Morelenbaum, do grupo Bala Desejo. O único rapper a dividir o microfone com ele é RT Mallone.

 

Sente fome mesmo?

Com o tempo, espera-se que um artista amadureça, acompanhando seu crescimento pessoal e as transformações ao redor. Mas o que se percebe em Quanto Mais Eu Como, Mais Fome Eu Sinto é um Djonga preso ao próprio passado — já sem o mesmo brilho de outrora. De lá pra cá, ele não apresentou a evolução que se esperava de um MC com sua trajetória.

A faixa de abertura, “Fome”, sintetiza tudo o que se espera de uma música do Djonga. E qual o problema nisso? Nenhum, se estivéssemos no terceiro disco. Mas já é o oitavo. O impacto esperado hoje é outro: algo que revele novas vivências, novas perspectivas, um artista transformado. Em vez disso, a entrega é a mesma. As linhas, jogadas uma após a outra sem conexão real, não indicam que ele esteve em “laboratório” algum. Ao contrário — parece ter saído direto de uma cápsula do tempo de 2021.

Em “PPRT” e “REAL DEMAIS”, os problemas se repetem. Refrões mal construídos, letras dispersas, falta de foco. Apesar do esforço em emplacar bons versos, o resultado soa raso.

Outro ponto recorrente na discografia recente de Djonga é a presença de faixas que colidem entre si em um curto espaço de tempo. Canções como “QQ CE QUER AQUI?” e “MELHOR QUE ONTEM” dão a impressão de que o rapper está tentando recriar uma nova “LEAL”. Em uma, fala de um relacionamento inseguro e desconfiado; na outra, faz uma serenata de amor com direito a linhas cafonas.

Djonga parece ter encontrado sua galinha dos ovos de ouro nesse novo formato de música, que engaja facilmente nas redes sociais e se veste de uma profundidade que engana qualquer ouvido mal treinado. Não é sua primeira tentativa de emplacar a love song do momento, e também não será a última, pois com esse novo público que o rapper adquiriu nos anos recentes, elas funcionam e dão retorno, mesmo que não tenha o mesmo impacto cultural de outros tempos. E quando não está mirando seu próximo hit, o rapper se perde em versos vazios, como os de “PONTO DE VISTA” e “SELVAGEM” — duas das piores faixas de sua carreira.

É difícil defender linhas como “vai chupar o Musk em Marte” ou “rimo dores igual Maya Angelou, daquelas que não passam nem com Gelol” como grandes momentos de sua carreira. O problema não está nos temas. Amor, racismo e religiosidade têm espaço legítimo e constante dentro de sua arte. A falha está na falta de criatividade ao abordá-los. Falta frescor, falta provocação, falta conversa. Até mesmo seu tradicional bragadócio se tornou repetitivo e cansativo.

Ainda assim, uma versão mais focada de Djonga sobrevive no álbum. Mesmo que timidamente, ela aparece em faixas como “JOÃO E MARIA” e “LIVRE”, onde o rapper demonstra mais controle e entrega ideias com clareza. Os instrumentais oferecem ao ouvinte a melhor versão do MC mineiro. Ainda que não acerte em cheio, Djonga exibe criatividade em outros momentos como nas colaborações com Milton Nascimento e Samuel Rosa. “DEMORO A DORMIR” emociona com o refrão de Bituca, e “TE ESPERO LÁ” destaca a presença marcante de Samuel, que brilha no vocal. Djonga não entrega seus melhores versos nessas faixas, mas os flows são mais soltos, e a sonoridade mais interessante.

A produção escancara o quanto Djonga ainda depende de Coyote para atingir seu melhor. Mesmo sem estar em sua melhor forma, o produtor ainda consegue capturar a essência da dupla que encantou no passado. Já Rapaz do Dread evidencia as limitações do rapper ao explorar novos sons. Nas faixas mais problemáticas do álbum, sua presença é constante — embora a culpa não recaia totalmente sobre ele. Há potencial em suas batidas dançantes, inspiradas por ritmos afro-brasileiros e música eletrônica, mas a parceria não funcionou bem. Com exceção de “TE ESPERO LÁ”, o resultado ficou abaixo do esperado.

Mais uma vez, Djonga entrega um trabalho que decepciona. A fórmula, repetida à exaustão, revela uma estagnação artística surpreendente até para seus críticos. O que ainda gera alguma esperança são os lampejos criativos espalhados pelo álbum. Mas enquanto esses momentos seguirem como exceções em meio a um mar de mediocridade, os fãs mais exigentes continuarão céticos. Não sobre sua capacidade de atrair números — mas sobre sua relevância como líder de geração, papel que um dia Djonga pareceu destinado a ocupar.

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