Como se tornou uma tradição em sua breve carreira, no último dia 13 de março o rapper mineiro Djonga dropou seu quarto álbum de estúdio. Com influências do funk e trazendo suas características marcantes do início ao fim, Djonga até tenta sair um pouco do seu lugar comum, mas em diversos momentos se mostra preso numa zona de conforto em que ele se mantém mais do que deveria, embora isso não signifique que o produto final entregue seja ruim.
O álbum inicia numa sequência muito forte, apostando nas características que deram notoriedade ao artista, as três primeira faixas do disco mostram Djonga rimando muito bem sobre beats fortes de Coyote, no mesmo padrão do que se encontra em todos os discos do MC. Nos refrãos, aposta em vocais mais rasgados, uma escolha interessante e mostra que — embora ainda não seja a voz mais agradável de se ouvir — Djonga tem trabalhado e evoluído em sua técnica de canto. Nessa primeira sequência é notória a falta de ódio vista em seus três trabalhos anteriores; tendo melhorado muito da gritaria enorme presente em Heresia, dessa vez Djonga fala com um olhar mais analítico e uma postura mais reflexiva, como nas linhas do segundo verso de “O Homem de Óculos”
Parece que foi tudo por ti, cifrão
E culpa dos boy zoado
Que usa as nota pra secar a testa
E aí sim falar que tem dinheiro suado
Nós é rival nesse jogo, man
Linhas que tomam uma postura diferente das usadas em “Ladrão”, faixa-título do disco anterior:
Eu que só queria uma bicicleta, mano
Hoje posso comprar a vista o carro ano
Dei voadora na cultura branca, corda no pescoço
Eles passam e eu rasgo o pano
Não sou querido entre a nata de apropriadores culturais
Essa mudança de postura toma conta do disco inteiro. Enxergando o mundo do ponto de vista de um artista que passou e conheceu o sofrimento, e não mais como alguém que ainda o vive. Djonga agora reconhece seu lugar e fala a partir dele, tendo sua visão mais atual sobre questões passadas em sua vida ou em sua área.
O problema é que após um forte início o disco começa a oscilar, com Djonga mostrando ainda mais de seus problemas de criatividade. A faixa seguinte é “Todo Errado”, que mostra o MC mineiro como alguém que, embora apaixonado, não consegue abrir mão da vida de solteiro, como já vimos em “Leal”, “Solto” (talvez ele devesse testar um relacionamento aberto?); “Procuro Alguém” mostra o MC mais uma vez fazendo uma música pra família, dessa vez para sua filha recém nascida, como foi em “Canção Para Meu Filho” e “Bença”; em “Mania”, faixa com participação do MC Don Juan, a dupla faz um funk que soa como algo lançado em 2015, e… deixa a desejar. Até mesmo as boas faixas iniciais soam como algo que já ouvimos.
Na outra mão, temos algumas faixas de alto nível, com destaque para as participações. “Gelo” é um posse cut que evoca o club rap gangsta do início dos anos 2000 e o beat mais interessante que Coyote entregou ao Djonga nos últimos 2 anos. Juntamente com três ótimos versos do anfitrião, temos a surpresa NGC Borges e sobretudo FBC; o aguardado verso da jovem rapper Cristal em “Deus Dará” é muito forte e reflexivo, não sendo injusto dizer que é um dos melhores de todo o disco, faixa que ainda tem Gustavo indo pro combate num longo e muito bem escrito segundo verso e o melhor refrão do projeto; “Hoje Não”, uma excelente faixa de braggadocio, conta com um raro momento do MC apostando no storytelling e não deixa nada a desejar
Tirando lazer de Porsche
Peita da Lost e tudo
Movimento suspeito, pediram pra encostar
O doc tá no meu nome, é o que te deixa puto
“Só pode ser brincadeira”
Começa a perguntar
“Tem coisa errada na fita
Filhão, cê tá com quem?”
Sou eu por eu, doutor
Sei, parece conto de fada
Vai no histórico do Mac
Ver quem seu filho ama
Pensou mesmo que o herói dele ia ser alguém de farda
O álbum se encerra com uma faixa que foi feita para ser realmente uma outro, “Amr Sinto Falta Da Nssa Ksa”. É um ótimo encerramento — embora muito curto — que entrega bem o que se propõe e traz um beat do excelente Renan Saman, com uma estética lo-fi e uso de sample, o que não é usual ao Djonga. Talvez, pela única vez em que o MC sai de sua zona de conforto, ele entrega um olhar sobre sua posição atual numa música que poderia durar muito mais do que 2:16 (com skit incluído). Essa canção mostra um caminho que já se diz há algum tempo: Djonga precisa de variedade de colaboradores. Embora Coyote seja um bom produtor, sabemos o que ele vai trazer e ele não é o mais versátil da cena, encaixotando Djonga de uma forma que não é usual para MCs do seu porte por 4 álbuns seguidos. A crítica muito feita em Ladrão ainda se justifica aqui: tá na hora de Djonga diversificar sua música, como bem ou mal fizeram seus companheiros de geração, Bk’ em Gigantes ou Baco em Bluesman. Djonga, que tem o número de álbuns dos dois somados, ainda não conseguiu expandir sua estética tanto quanto nenhum deles.
Não é somente a sonoridade o problema em questão. Com quatro álbuns em quatro anos o tempo fica muito curto para novas histórias e grandes mudanças de direção. Ao ver o título e a capa, que traz claras referências aos dois maiores discos de Kendrick Lamar, Good Kid, M.a.a.d City e To Pimp A Butterfly, era esperado uma linearidade maior do disco, fosse um conceito fixo ou uma narrativa mais fechada do início ao fim. O que Djonga trouxe foi uma falta de foco no conceito, visto por exemplo na diferença da intro (que é uma excelente participação de Bia Nogueira recitando fala do musical “Madame Satã”) e o primeiro para o segundo verso da abertura em “O Homem De Óculos”, ou a variação de “Oto Patamá” para as faixas que seguem.
Embora traga novamente um bom projeto, repleto de visão e menos punchlines sexuais do que o usual (o que é uma grande vitória), esta é a obra mais inconsistente do maior nome da nova geração do rap nacional. Menos inspirado e afiado que o usual, o MC mostra que talvez seja o momento para quebrar a sequência de discos e buscar mais repertório do que o mostrado até aqui, atingindo novas temáticas, se aproveitando de suas novas vivências e aumentando o leque de colaboradores. Quando se atinge Outro Patamar como Djonga atingiu, colocando a barra mais alta que qualquer um, se espera grandes coisas, e Histórias Da Minha Área acaba não atingido esse padrão.