Em meio à pandemia mundial e o isolamento social devido ao novo coronavirus, o MC que a cena mais ama odiar, Baco, se viu obrigado a adiar o lançamento de seu terceiro álbum de estúdio, intitulado “Bacanal”. Ao invés de apenas anunciar que o lançamento não aconteceria por ora, o artista foi além: decidiu lançar outro projeto menor, feito todo em três dias (anunciado como EP, mas com as mesmas nove faixas de seus primeiros álbuns) e tendo no título um jogo de palavras que, pra ser honesto, eu achei muito bom. Por ser talvez o cara mais moderado da equipe e até gostar de Bluesman (o que não é algo de se esperar deste site), eu, JH, peguei a bucha de escrever sobre esse lançamento. O problema é que com “Não Tem Bacanal Na Quarentena”, apesar de ser um momento menos relevante na discografia, não existe meio termo.
O álbum se inicia com o que Baco traz de melhor: beats muito interessantes e músicas que trazem toda uma ambientação agradável. As duas primeiras faixas, “Jovem Preto Rico” e “Tudo Vai Dar Certo” são excelentemente produzidas e bem inventivas, seja a vibe mais metálica e potente que JLZ traz na primeira, que combina bem com a performance forte e exaltada que o rapper apresenta, seja o excelente sample de “All That Is You” da banda indie-folk Me And My Friends usado por DKPVZ que baseia a batida mais suave da segunda, com Baco tendo mais um flow que casa bem com a vibe e a excelente participação de 1LUM3 com os vocais de fundo. Assim como foi em Bluesman, o todo da canção tira o foco das letras pouco inspiradas do MC e ainda entregam um projeto final interessante. Enquanto a sensação inicial é que o trabalho seria novamente uma audição agradável, o que se segue é um banho de água fria e tudo vai ladeira abaixo.
A fixação em repetir músicas sexuais que o deram seus grandes sucessos retorna com força nesse EP, mas nem de longe com a qualidade de “Te Amo Disgraça” ou “Me Desculpa Jay-Z”. A terceira música é um R&B puro com letras que não conseguem passar batidas, um flow e adlibs completamente tediosos e o uso de vocais de fundo da Maya que chegam a ser desconfortáveis de se ouvir, com gemidos ou chamados que simplesmente não funcionam. Na sequência vem “Preso Em Casa Cheio de Tesão”, que se já não fosse o título terrível, a frase é repetida à exaustão no refrão juntamente com uma longa lista de frases cringe, com Baco mirando no que faz Djonga em suas músicas de casal e acertando em… nada. No fim da curta faixa, Lelle traz uma participação pior ainda, começando com uma concorrente à fortíssima disputa de pior frase do disco:
Presa em casa cheia de tesão
Quarentena tá deixando todo mundo louco
Só quero trocar ideia e te dar um pouco
Ao longo de toda a obra o rapper tem uma abordagem bem óbvia, que é transformar catch-phrases de internet, tweets populares, legendas de instagram e afins em suas músicas, buscando o engajamento óbvio, além de se aproveitar dos assuntos e memes do momento pra chamar atenção. A última canção, “Amo Cardi-B e Odeio O Bozo” é uma tentativa pobre de usar o meme da rapper americana (inclusive sampleando o famoso vídeo) pra ‘militar’ de forma tão rasa que o refrão soa como se fosse algum adolescente buscando atingir uma fama momentânea, não um dos rappers mais famosos do país. A anterior, “Tropa Do Babu” é uma tentativa questionável de montar em cima do carinho recebido pelo ator durante o BBB, além de uma letra que pouco tem a ver de fato com o ‘brother’ além de breves menções e uma fala dele no fim que na verdade não diz nada no contexto da faixa. Para além disso, a track anterior tem o péssimo título de “Dedo No Cu E Gritaria”, mais uma vez se apropriando de meme para chamar a atenção, e, apesar de ser totalmente descartável, na verdade apresenta a melhor e mais sóbria performance lírica do projeto, não sendo coincidência a ausência completa do anfitrião, tendo apenas participações dos rappers Young Piva, Celo Dut e Virus.
Eu realmente poderia encaminhar um texto inteiro batendo na tecla das letras. A cada música tem uma mão cheia de frases feitas para virarem quotables quando na verdade nem são originais nem dizem algo interessante, como em “O Sol Mais Quente” em que o MC traz no refrão uma frase preparada para legendas de instagram e antes do segundo refrão tem a mais corny de todas as linhas; não satisfeito ele faz questão de repetir para que não passe batida por ninguém. Estratégia que funciona, já que a frase em questão já foi tuitada centenas de vezes citando o artista como um gênio:
Coronavírus me lembra a escravidão
Brancos de fora vindo e fodendo com tudo
Coronavírus me lembra a escravidão
Brancos de fora vindo e fodendo com tudo
Quando está longe de memes, o álbum é uma luta incessante do artista para destacar sua negritude de forma rasa e sem dizer nada com substância, de uma forma que nem tem valor artístico ou sequer valor representativo, já que nada dito aqui é melhor do que outros artistas que usam dessa temática falam ou que ele próprio fez no passado.
O rebranding de Baco foi completo. Passou do cara ofensivo ácido e de letras sujas no DDH ou em suas primeiras aparições, mais voltado pro horrorcore, para, desde o sucesso de “Te Amo Disgraça”, um estudo intenso (que eu tenho que aplaudir, pois é muito bem feito) das tendências do público que ele cativara. As seguidas referências a sexo, cigarros e uma vida mais edgy apetecem muito ao jovem good vibes, gerando vários covers de violão em suas músicas mais lentas (o EP foi lançado há quatro dias e, na publicação deste texto, eles já foram feitos para este disco); ao mesmo tempo, frases que basicamente repetem o jargão “pretos no topo” de diversas formas diferentes agradam a pessoas negras sem afetar a branquitude (maioria em seu público), com ocasionais críticas que fazem com que pessoas achem o máximo sem nenhuma agressão a qualquer concepção ou privilégio, como esta outra de “O Sol Mais Quente”
Sou Apolo 11,
Me sinto palmitando ao pisar na Lua
Outro nível lírico
Temos que concordar que, bom, isto realmente está em “outro nível lírico”. Desde o lançamento de Bluesman o artista até passou a usar linguajar e memes comuns à comunidade universitária e LGBT para desfazer sua imagem passada, sacrificando no caminho qualquer criticidade e profundidade em seus trabalhos que nunca arranharam o nível lírico apresentado em Esú.
É triste ver o tamanho da regressão de Baco, passando de um dos líderes da revolução no rap nacional e uma das caras novas mais interessantes a um MC que recentemente tem soado básico e desinteressante. Existem dois focos possíveis para se fazer música: o que busca o máximo da arte e o que busca o máximo do comercial, sendo difícil que hajam bons resultados sem que se use, em certa escala, ambos os lados. Em seu novo EP o rapper abandona quase que completamente o primeiro e o foco no segundo resulta num dos projetos mais pobres lançados recentemente.