Review: Yunk Vino – 237 DELUXE

E ae meus casas, tranquilo? Agora eu voltei a ser jovem pois uso gírias de Twitter. Shaq na área para trazer uma review nova a vocês. No fim do mês passado, o (t)rapper Yunk Vino lançou a segunda parte do seu trabalho de estréia, “237″, com o adendo de ser uma versão deluxe. Mas, tal qual Lil Uzi fez com o “Eternal Atake” – que é uma grande fonte de inspiração para o MC – “237 Deluxe” é um novo projeto com novas faixas. Esse disco conversa com seu irmão mais velho e tem uma certa paridade de temas e intenções que foram exploradas por Vino, aparentemente, no mesmo processo de criação. 

Para começo de conversa, vamos tirar o elefante da sala e abordar logo o grande problema do projeto: a coesão é inexistente, além da tendência do MC em abordar incessantemente temas como drogas, dinheiro, sucesso, roupas (o tal do drip) e sexo, dando um apelo fraco e mostrando certa falta criatividade. Entretanto, apesar de muitas faixas se parecerem ou terem produções genéricas postas em sequência enquanto projeto,  a audição não decepciona graças ao destaque de diversas faixas individualmente, enquanto isoladas. O problema é que este fato empobrece a experiência, há um bom número de canções que são boas individualmente, mas não conversam com o todo.

 

237 Deluxe | Discografia de Yunk Vino - LETRAS.MUS.BR

 

Temos um exemplo logo no início do disco, onde “Pill”, uma faixa que seta a abordagem do projeto e executa a sua função como intro,  enquanto soa como o “miolo” de “Astroworld”, com um ar bem soturno e abusos de riffs distorcidos ao fundo com um auto-tune bem carregado, um flow despojado e descompromissado, dá-nos a impressão de um ambiente bem chill. Logo após, o ouvinte toma uma porrada com “Rodeo”, onde Vino já nos apresenta um esquema mais complexo, com uma produção upbeat (entregue por Nagalli) além de um tune mais afinado e com uma delivery mais elaborada. Essas indas e vindas mal posicionadas durante o disco incomodam em uma ouvida sequencial, mas nada que um botão de shuffle não resolva.

Ainda sobre a entrega do MC, mesmo que ele varie (mais do que esperado) a forma de rimar, tem algo sobre a estética proposta, não somente aqui mas também na tape “237”, que de certa forma limita um possível potencial em um futuro próximo. Vino bebe em demasia de suas fontes, com a influência em projetos como “Futsal Shuffle 2020” de Lil Uzi Vert e o já citado “Astroworld” do Travis Scott, e até traços mais característicos de Future e Young Thug na parte do mumble, sendo claramente vistas em tracks como “Off White” ou “Rockstars”, entre outras. A última conta até com a participação do português SippinPurpp, dono de um bom verso que demonstra – apesar de rapidamente – uma forma de fazer trap sem se engasgar ao beber da fonte de referência, diferentemente do dono da casa.

O fato do projeto ter 14 músicas e apenas duas possuírem a grafia do título em pt-br (se considerarmos que “Normal” faz essa função, senão, somente uma) incomoda, o que se soma à tendência do MC também jogar muitos (muitos mesmo) termos em inglês. Denota uma certa limitação em criatividade (tal qual Paula Fernandes em “juntos e shallow now”). A gente sabe que é “plug”, “drip”, mas você consegue escrever isso de outra forma e manter sua ideia. Lá em “Off White”, Vino faz toda a ponte em inglês, o que está ok, mas em “Plug” ele rima “Ela tem drugs, eu tenho um plano/ De ganhar o world, junto com os manos” o que, apesar de ficar claro que é intencional, passa uma falta de criatividade que poderia ter sido contornada de outra forma.

Analisando os homens por trás das mesas de produção,  temos aqui um compilado de bons beats que ganham mais força sob a mesma condição já apresentada: quando ouvidos isoladamente, em conjunto, não se complementam e por vezes soam parecidos. Por outro lado, são boas produções e é fácil perceber como o MC varia sua complexidade de escrita, de delivery e das formas com que ele pode atacar os espaços que os produtores deixam. Em “Alarm (Midnight Calls)”  Yunk Vino aborda um beat quase trapsoul, um acorde loopado ao fundo com um flow bem tripletado de uma maneira bem descolada. Enquanto em “Check” (que também possui cordas ao fundo, dando um arzinho mais oriental), Vino aliado a Igu nos dão, além de uma das melhores faixas do trabalho, um flow que aproveita muito bem os espaços e o tempo da produção. As viradas entre o refrão e os versos são bem encaixados e não deixam a base do Ecologyk fazer barulho sozinha. No total temos aqui beats divididos entre 6 produtores, como os já citados Nagalli e Ecologyk, que também é o responsável por uma mixagem no ponto. Ademais do subgênero exigir bastante 808s e kicks muito graves eles estão bem regulados, sem suprimir até os hihats mais escondidos das produções (sim, eu ouvi aquele shiqshiqshiq baixinho encaixando com o prato principal).

No conjunto da obra, em “237 Deluxe” Yunk Vino se virou bem, apresentou um disco com boas tracks, mas que, tal qual a primeira parte do projeto, não funcionam juntas, ainda que separadas possam ser muito bem aproveitadas. De certa forma, como vivemos na era do stream, do serviço on-demand e do limite span de atenção de 30 segundos, acredito que esse é só o começo, veremos cada vez mais músicas para playlists e menos álbuns onde, se tirar uma peça, não se faz mais possível a visão do todo. Com os recursos disponíveis, Vino nos entrega um prédio que balança mas não desmorona, ou seja, não é um projeto sólido, que pode ser visto como um bloco único e completo, mas é bom de ouvir e continuando na metáfora, não é só areia de praia que vai desmoronar na primeira oportunidade. Espera-se que, num futuro próximo, o MC, mais amadurecido e com menos dependência das suas inspirações,  possa nos brindar com um bom disco de trap no sentido um material mais sólido, coeso e concreto e com faixas mais profundas, uma vez que ele já demonstrou que possui capacidade para tal.

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