Review: Logic – No Pressure

Salve, JH aqui. O rapper de Maryland teve a ascensão mais perfeita que se pode desejar no hip-hop: fez barulho com suas mixtapes, criou um consenso de que era muito talentoso, formou uma fanbase grande e aí partiu para assinar com um grande selo e lançar seu primeiro álbum oficial.  O início promissor deu lugar a uma discografia totalmente inconsistente, e, após lançar em 2019 dois álbuns horrorosos que receberam uma chuva de críticas, o MC decidiu por um ponto final em sua carreira, lançando seu último disco. Felizmente, a história de Logic como rapper termina em um ponto alto.

Um dos grandes motivos de destaque deste disco é o seu produtor executivo, o lendário No I.D. Após ter a mesma função em “Under Pressure”, primeiro e melhor álbum do MC, predecessor conceitual deste, o trabalho do produtor em guiar o disco é muito importante, mesmo que raramente “ponha a mão na massa”. Os instrumentais aqui são os melhores que Logic já teve, usando muitos beats luxuosos que passeiam entre jazz rap dos anos 90 e um soul à la Kanye West (uma referência forte do artista, como ele inclusive cita no projeto), abusando de pianos que dão o espaço necessário para o artista explorar melhor seu lado mais introspectivo, e alguns boombaps mais pesados onde o MC põe o foco na sua habilidade como rimador.

A presença de um mentor desse quilate visivelmente tem um impacto por colocar as rédeas em Logic. Ninguém vai querer passar tanta vergonha quando você está com No I.D na mesma sala, tendo o próprio MC dito que tomou um cuidado extra em aperfeiçoar a escrita do disco por um bom tempo, e, após se notabilizar nos últimos anos por ser, basicamente, uma metralhadora de merda em seus raps (“Living as a black man, in the skin of the white man” “I ain’t bipolar, Kanye make me wish I was”), em “No Pressure” ele soa muito mais sob controle. O MC ainda pisa no território do corny aqui e ali, como em “A2Z”, onde ele gasta a track inteira na ideia idiota de passar por todo o alfabeto e ainda coloca uma voz robótica a cada letra para esfregar isso na cara do ouvinte. No entanto são muito menos frequentes estes momentos de vergonha alheia, resultando em um saldo bem positivo para as suas rimas.

Tendo sempre a ótica de um álbum de despedida, Logic passa a maior parte do tempo refletindo em sua caminhada até chegar nesse ponto. Em “Hit My Line” o MC fala primeiramente sobre sua difícil adolescência em torno da criminalidade e, depois, sua carreira que agora chega ao fim, bem como sua relação com a mesma. Tudo isso com uma entrega carismática e com uma vibe positiva, acompanhado por um piano perfeitamente usado no beat e uma incrível outro, cortesia do instrumentista Steve Wyreman e do produtor 6ix, que combinam com perfeição sintetizadores, guitarra e bateria. A mesma leveza no delivery e temática é vista mais a frente em “man i is”, cujo beat (talvez o melhor do disco) usa com maestria o sample de “Dreamflower” (Tarika Blue) e a corneta de SpottieOttieDopaliscious” (Outkast) dando a base perfeita para a escrita orgulhosa do MC.

O rapper assume uma persona que tinha se perdido nos últimos anos: a do cara amável, por quem você genuinamente torce a favor. Em “Celebration”, Logic praticamente dá uma volta olímpica, comemorando o que superou até se tornar um homem de sucesso, tudo isso com uma excelente escrita que havia se perdido no meio do caminho:

Ayy, it’s a celebration, bitches
Came a long way from bus stops and washing dishes
From rags to bitches
Stovetop to Mastro’s, man, this shit is delicious
People denying my past like that shit is fictitious
I’m Spike Spiegel, but I’m known to be vicious
I get under people’s skin like stitches
No strings attached, I just let it dissolve
Give it time and then let it resolve

Ao mesmo tempo, esse sentimento toma outra faceta na última música de fato do disco (ainda é sucedida por um discurso sobre desigualdade racial do ator Orson Welles na última faixa), “Amen”. Aqui o rapper se mostra muito humilde, fazendo uma espécie de oração em que agradece pela carreira de sucesso conquistada e também pela audiência muito fiel que teve ao longo desses dez anos, mas que agora terá que deixar pra trás.

Ao longo do disco é possível entender o porquê disso. Com diversas derrapadas, Logic se tornou um alvo de críticas e haters, o que isso esgota qualquer ser humano. “Dark Place”, a faixa mais profunda do disco, mostra o MC explicando como essa vida o minou completamente, tudo isso em cima de uma excelente produção do artista Toro y Moi, com a típica aura espacial dada pelos sintetizadores e uma batida que cede o espaço para o rapper se abrir.

Rap used to fill me with joy, now it’s nothin’ but pain
I’m stuck in the game, tryna get back from where I came
I write this letter for the person who’s listenin’
Fed up and tired of people dismissin’ ‘em, I’m with you
I been through what you been through
And no amount of money can take away the feelin’ of insecurity
Only through maturity can we overcome

Mas o principal motivo para isso, com certeza, é que Logic é um pai agora. “Dadbod” tem a escrita mais divertida do projeto. O MC se abre com um bom humor e pode até tirar risadas do ouvinte (“I love my wife like I am Chance”) colocando no mesmo pacote a introspecção, o “livro aberto” de sua vida e os dedos do meio levantados para os haters, numa letra que lembra algo que escreveria Eminem em seu auge, principalmente no excelente terceiro verso.

They say that that boy done changed
He don’t rap about his everyday life, he ain’t the same
Goddamn, already had a hard life once
Am I supposed to recreate it every album for you cunts? Okay
You want to hear about my everyday

I wake up, I wake my son up, then I feed him
And lead him into his car seat
Drive up the street down to Target
Don’t do hard drugs or beat my wife
But the paparazzi still wanna start shit

O rapper sempre foi criticado por morder demais suas referências até em seus melhores momentos (“Under Pressure” é, em conceito, um GKMC lite), mas aqui, este excesso de inspiração assume uma forma mais suave. “GP4” interpola “Elevators” do Outkast, mas, apesar do mau uso do refrão, ele segura sua barra nos versos pra valer a pena. “Heard Em’ Say” é basicamente uma ode a Kanye, onde usa uma batida semelhante à track homônima do artista para usar seus versos de forma a inspirar os ouvintes como algo que Ye’ fez em seus primeiros dois discos, assim como interpola os refrões de “Good Life” e “Big Brother” de “Graduation” na ótima “5 Hooks”, faixa que referencia o fato desse álbum ter apenas cinco refrões, o que vai na contra mão da tendência mais comercial que o MC seguiu.

Esse álbum é realmente um retorno às origens, e um bom retorno. Embora dê algumas derrapadas nisso, como a desinteressante volta da inteligência artificial Thalia (ninguém quer saber se você assistiu anime enquanto gravava o álbum) e o grande filler que é “Open Mic/Aquarius III”, Logic entrega um trabalho extremamente sólido e sincero, deixando uma legião de fãs não só dele mas do hip-hop como um todo desejando o melhor a ele em sua vida.

Para se despedir do rap game, Robert Hall se despediu também da enorme pressão que colocava em si mesmo, entregando uma obra mais leve e fazendo o que ele queria fazer por uma última vez. Em “No Pressure” o MC soa muito mais revigorado, dando aos seus fãs um retorno digno ao que os fez amar seu trabalho, não ligando para o que a mídia iria achar. Mesmo tendo em mente que aposentadorias de rappers costumam ser temporárias, não seria um problema ouvir mais DESSE Logic no futuro.

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