Review: Aminé – Limbo

A palavra limbo tem como uma de suas definições “estado de incerteza, indefinição, indecisão”. Depois seu álbum de estreia “Good For You”, lançado três anos atrás (uma eternidade entre álbuns nesta linha do tempo onde temos streaming e redes sociais obrigando artistas a produzir com uma frequência enorme), Aminé lançou em 2018 uma mixtape intitulada “ONEPOINTFIVE” e depois ficou por um bom tempo longe dos holofotes, até sair de seu limbo (segundo o próprio) no início deste ano, com alguns singles e agora seu segundo disco de estúdio.

Em seu álbum de estreia, além de emplacar um grande hit em “Caroline”, diversas tracks fizeram sucessos em festas e playlists dentro do meio do rap/r&b, algo que seguiu em sua mixtape subsequente, o que acabou escondendo a variedade de talentos do MC. Além de ser inteligente com seus wordplays, sua escrita se destacou muito pelo bom humor e variedade de tópicos, o que se soma a performances variando entre a voz cantada e rimas aceleradas com uma naturalidade incrível, sendo um artista de uma das primeiras prateleiras do hip-hop quando acertava no ponto, o que acontece com boa frequência em “Limbo”.

É difícil ver como alguém pode não gostar desse álbum, sendo ele no mínimo agradável em várias frentes diferentes. Logo de cara ele já mostra sua capacidade de rimar nas excelentes “Burden” e “Woodlown”. A primeira é uma track baseada em um loop de baixo e um belo sample de soul (embora alguém tenha dito na internet que soa como se fosse o Mario sendo assassinado várias vezes, e eu não consigo não ouvir isso agora), o MC passeia perfeitamente pelos beats com flows colocados com uma métrica incrível, mas é a naturalidade ao fazer isso que mais impressiona. Soa como se ele tivesse acordado, se espreguiçado e começado a rimar assim, sem planejamento ou trabalho, o que é complementado por um refrão bem agradável pela sua voz e letra. A segunda já é um trap mid-tempo em mais um ótimo beat, com flows variando sem fazer esforço (em média ele muda de flow 8 vezes por track nesse disco, número altíssimo), além de falar de seu crescimento recente e demonstrando ter seus pés no chão, principalmente pela referência dolorosa à morte de Kobe continuada pelo curto interlúdio que também leva o primeiro nome do ex-atleta.

O skit fala sobre o amadurecimento forçado pela morte do atleta que era um ídolo pra ele e trata o ocorrido como um choque de realidade, com o álbum mostrando Amine como um homem em transição, deixando um pouco sua vibe “nem ai pra nada” pra trás. Exemplo disso é “Roots”, mais uma ótima faixa, mudando um pouco o estilo pra um beat mais contido e versos sobre raça e as raízes étnicas dos artistas, com uma ótima aparição do titio Charlie Wilson (ele é basicamente um cheat né? Nunca uma faixa com Charlie foi ruim) e JID mostrando seu tradicional verso impecável no aspecto técnico.

Se até aqui foram só acertos, a sequência seguinte não deixa o nível cair nem um pouco. “Can’t Decide” tem todas as características de um hit que fica na área cinza entre trap/r&b/pop (especialidade do Drake), com um excelente beat baseado no violão, e uma performance que varia bem de timbre vocal (outra constante no álbum) e é chiclete do começo ao fim. Após essa, vem “Compensating”, com Aminé abrindo em um bom flow e cantando bem, para depois Young Thug matar com seu flow carismático e inflexões vocais, entregando um ótimo feat após deixar a desejar em várias aparições recentes. “Shimmy” traz um beat forte e Aminé mostrando que pode sim mandar um braggadocio sendo pesado em flow e beat e leve no que fala ao mesmo tempo (“You thought you made you an anthem, but you just sang you a Fergie“).

O verso acima é um exemplo do porquê Aminé é considerado um dos rappers com humor mais refinado da cena, valendo-se do alívio cômico enquanto recurso ao longo do disco com raros erros. O melhor exemplo disso é o primeiro verso de “Pressure In My Palms”, o melhor do projeto:

This is Britney Spears when she was bald, nigga (Yeah)
Punkin’ niggas way before there was Punk’d, nigga (True)
Smokin’ Ashton Kush so I calm down, nigga (Yeah)

We don’t wanna hear your mixtape, my nigga
I fade niggas like barbers (Oh)
I got more pressure in my palms than Arthur (Oh, oh)
Man, this like when Fergie peed her pants
That’s when Honey used to dance

O cara merece pontos extras na nota só pelas ótimas referências usadas. Mas, além disso, o beat da faixa é também o melhor do álbum e um dos melhores deste ano, com o vocal de fundo e o baixo sendo insanos. Depois desse verso, slowthai vem trazendo fogo e, quando ninguém mais espera, Vince Staples simplesmente o interrompe e toma o mic, mandando outro baita verso; embora sempre seja bom ouvir um verso do thai, esse recurso deixou a música mais louca ainda. Depois de um interludio pré beat switch que acaba sendo um pouco mais longo do que deveria, o anfitrião volta pra tomar as rédeas e terminar a track com mais um bom verso.

Infelizmente, depois da primeira metade impecável o álbum começa a ter problemas. “Riri” é uma track divertida, com um bom refrão (“Broke my heart three times/ Shawty hit a nigga with the peace sign”, é, todo mundo já passou por isso em algum momento da vida) mas fica nisso, nada de especial acontece nela, e o mesmo ocorre logo depois com “Easy”. Pense em uma faixa com a Summer Walker. É exatamente isso que você recebe aqui, um dueto r&b meloso, previsível e, para ser direto, bem chato, sem destaque para as letras ou performances.

Por sorte, ao fechar o álbum, o nível sobe um pouco. “Mama” é uma boa produção baseada no piano, dando o piso para uma bela ode à mãe de Aminé e, basicamente, nunca vai dar errado uma track em que se declara o amor a sua mãe. A voz cantada do artista aqui e em outros momentos em que ele se arrisca a tons mais altos chega a parecer um feat, mostrando ótima versatilidade vocal.

And it’s you that I’m missin’
Every time I needed someone, you would listen
I’ma write you a song to put on everyday
So the times that I’m gone, you could smile when it plays
I’ma take you to the GRAMMYs in a yellow suit
Put ya in Chanel just to show ‘em how my mama do
My number one fan, I’m your number one man
When I thought that I couldn’t you told me that I can

“Becky” é, bem, uma track sobre relacionamento interracial e este site se posiciona frontalmente contra a palmitagem (mas depende). Brincadeiras à parte, a faixa é interessante para mostrar o ponto de vista de um homem preto inserido no mundo de uma mulher branca e a indignação do artista com a situação, mas ele não se aprofunda tanto quanto deveria no tópico, coisa que acontece aqui e ali em sua discografia quando o artista tenta contar histórias pessoais. Depois desta a escrita melhora em “Fetus”, uma colaboração com Injury Reserve que tem um excelente beat do produtor do trio, Parker Corey, mas é difícil ver Groggs rimando sobre paternidade jovem logo após ter partido tão cedo, deixando sua família para trás. Descanse em paz.

“My Reality” funciona bem como uma outro, sendo a faixa em que ele soa mais tranquilo do que nunca, mostrando como está leve a vida e ele vive em paz, abusando do soul no sample e fechando com mais uma ótima performance vocal, porém é notável que toda a produção e performance é bem derivativa de algo que Kanye faria entre “Late Registration” e “Graduation”. Ao longo do disco, apesar de toda a versatilidade, há alguns momentos em que o artista parece usar demais suas referências em flows e performances,  soando também como Kendrick em “Roots” ou Big Sean em “Compensation”.

O mais incrível é que ao mesmo tempo que varia muito de flow, voz e sonoridade, o álbum tem totalmente a cara de Aminé, sendo um dos artistas mais carismáticos e uma das personalidades mais interessantes a surgirem nos últimos tempos. Embora tenha escorregado em alguns momentos e o álbum pudesse passar por alguns cortes e cuidados extras, “Limbo” é certamente uma evolução e mostra que o céu é o limite para um artista que sempre se lembra de manter seus pés no chão.

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