Salve, família, Ascencio aqui. L7nnon faz parte da nova geração do RJ, trazendo consigo todos os elementos que o creditam como tal: as influências melódicas, o constante flerte com o funk e todos os maneirismos e referências que a sua localidade lhe permite abusar. Nessas idas e vindas de influências, é apontado, com certa frequência, por morder excessivamente características de um certo MC conterrâneo seu. De qualquer forma, em 2018 dropou seu primeiro trabalho, o EP “Escolhas”, em um boombap nativo simples e de potencial. Um ano depois vem o álbum “Podium”, trabalho mais completo e complexo, nele, ganha-se em qualidade de produção e, apesar de já começar a demonstrar seus vícios de performance, o desempenho do MC evolui também com alguns vislumbres de criatividade e boa noção de entrega. Seu último trabalho, “Hip Hop Rare” serviu para materializar o caminho a ser escolhido pelo MC, que ou seguiria seus indícios de melhora ou ficaria com a mesma receita que lhe conferiu sucesso, correndo um sério risco de não apenas não apresentar nada novo, como também perpetuar seus erros.
O grande desafio de MCs como L7nnon está em demonstrar fortes características próprias que possam demarcar o seu trabalho, além de fazer frente às comparações que tentam atacar sua originalidade. L7 tem o melhor verso de toda sua carreira em uma faixa que não é sua, em álbum que não é seu – o Feat em $enhor, do Padrim, de FBC, onde o MC engole o dono da track além de ninguém mais ninguém menos que BK – , tem como música mais acessada um Poesia Acústica, onde divide protagonismo com mais inúmeros outros e, por fim, seu verso mais popular é um meme quando tentou soltar um freestyle crítico e acabou, bem, “asma”. Em suma, falta algo vindo unicamente do próprio MC que possa lhe conferir substância. Seria este novo trabalho?
Não, não seria não. “Hip Hop Rare” pretende-se ambicioso é verdade, a produção completa nas mãos de Papatinho, repetindo a dobradinha de “Podium”, acrescenta mais valor ao trabalho. O produtor tem talento e vem em constante ascensão, participando de projetos de potencial internacional e colaborando com artista de peso, no entanto, aqui parece que L7 adquiriu um pacote de beats de Tier B do produtor. Qualidade existe, trata-se de alguém com capacidade, mas as sonoridades não conseguem fugir do genérico, seja no trap, boombap, dril, acústico ou funk. Neste último, tome como exemplo “Hitmaker” que aposta numa previsível flauta tão explorada pelo gênero carioca (e no trap também) e, para tentar brincar com esse fato, o próprio produtor, na saída do beat, cria uma Outro que evidencia a desgastada referência.
É na simplicidade que se encontram os poucos, porém efetivos, momentos de criatividade principais da produção, apesar destes só chegarem ao final do compilado. Em “Luz na Caminhada” temos um bem vindo sopro de inovação com a novidade de sintetizadores criando uma estética sonora mais distante; estes também ocorrem numa aposta mais minimalista em “Faça Valer” aliados a uma bateria de sonoridade criativa. Outro exemplo de simplicidade que casa bem está quando se alia o funk ao sample de sopro fora do convencional de “Não Falta Nada”, track que também conta com a ótima participação melódica de MC Marks.
L7nnon é um MC que gosta de falas literais, o “metarap”, está a todo momento falando que possui conteúdo em sua caneta, que tem frases impactantes, até avisa o ouvinte na própria música quando pretende mudar de flow “olha, eu vou mudar hein, fica vendo!”. Porém, o grosso de sua composição não se sustenta, o que considera punchlines são frases prontas da cultura popular do dia a dia, o que considera multissilábicas são simples concatenações de sonoridades, além do uso excessivo da estrutura ABAB como se isso fosse um exercício complexo de extrema habilidade. Você pode dar play em qualquer faixa do disco para encontrar estes exemplos, no entanto, em “Nada é Para Sempre”, que até possui uma boa qualidade do MC no refrão e merecia mais espaço para a bela participação de Gaab, L7, em um esforçado exemplo de precisão, consegue sintetizar em quatro linhas curtas tudo o que sua caneta mais oferece: trocadilhos ruins que pretendem-se a wordplays, trava línguas que sua vó te ensinou e, sempre ela, a rima ABAB:
Anota a placa da Mercedes-Benz
Portei a roupa que o rato roeu
Mano, eu não vivo à mercê de bens
Nem sinto falta do que nós viveu
Quando tenta sair de ideias prontas e criar suas próprias, as coisas não melhoram e o ouvinte é brindado, por exemplo em “Algumas Frases”, com um nada sofisticado wordplay de sites de compra “ Essas vivência tu não encontra no eBay/ Ao invés do mercado, eu quero essas mente livre”. Passando para o flow, que é seu aspecto de melhor constância, o MC entrega na maior parte das vezes o pacote simples, padrões já conhecidos dos gêneros por quais flutua e boa noção para não derrapar. Mas, quando avisa que vai mudar de flow, percebemos o quão rasa pode ser essa noção para rappers que, talvez, não se dediquem a estudar a técnica. O que acontece em “Hoje Eu Compro”, pode-se chamar de variação sim, mas ela é mínima. Mudanças de flow deveriam ir além de uma simples questão de velocidade, incluindo também cadência, acentuação e outros quesitos que já ocorrem no cenário nacional em certa abundância. Resumidamente, L7nnon se vende como um MC completo, mas, na própria execução, se desmente e demonstra superficialidade.
Outro problema está na repetição dos conteúdos abordados durante as quinze faixas do projeto. L7, em literalmente todas elas, procura espaço para se autoafirmar e falar de sua superação, o que é algo louvável, mas os holofotes sobre ele o tempo todo nem sempre funcionam. O exemplo disso é “Inabalável” onde MC Hariel, esbanjando técnica e mensagem, passa uma visão preciosa sobre a maldade das ruas e o dono da track perde a boa oportunidade de complementar a ideia para falar, novamente, sobre o quão inabalável ele é.
O lado positivo do projeto, porque sim, ele existe, vem juntamente com a escolha de se manter o mesmo. Seu público já te conhece, já está acostumado com sua sonoridade e toda essa ideia de superação é facilmente identificável e por isso vende bem. Nesse sentido, o acústico também é sabiamente explorado, como em “Algumas Frases” e “Perdição”, as lovesongs são certeiras e bem executadas em sua grande maioria, sendo inclusive os ambientes de maior sincronia entre produtor e MC, a exemplo de “Abre a porta”; ocorrendo até uma inteligente quebra de expectativa sobre as críticas dessa abordagem na faixa homônima da temática “Love Song”.
Além disso, existem genuinamente duas boas performances da caneta de L7, nas já mencionadas “Luz na Caminhada” e principalmente “Faça Valer”. Na primeira, uma cadência expressiva em sua entrega e um bom investimento em rimas internas lhe garantem notoriedade não apenas diante dos dois convidados, Bolinho e Pescadinha, mas também se demonstram acima de todo material técnico apresentado pelo próprio MC até então. Na segunda, já em ares mais calmos de final de álbum, encontra-se o ápice quando se aliam um bom desempenho com analogias mais interessantes, algumas punchs bem válidas e mais rimas internas com um conteúdo mais direto e de valor, já que rapper para um pouco de falar sobre si e busca inspirar diretamente o seu ouvinte.
Dê valor aos que te rodeiam, ame até quem te odeia
Aproveite o simples da vida tipo uma criança brincando na areia
O amanhã é ilusório, o ontem já não existe mais
O teu presente é o que importa, faça a escolha certa e não olhe pra trás
L7nnon continua setando o seu trabalho para um bom nível comercial ao conquistar bem estas demandas, e seguir esta cartilha a risca é o maior dos seus méritos. Atende ao trap, passa rapidamente ao boombap, inevitavelmente supre a demanda emergente do drill, flerta com o funk e o acústico, o pacote completo. Porém, como todos os projetos que olham de forma mais incisiva apenas para o apelo comercial, a originalidade é escanteada em prol de uma estética mais comum e recorrente. Para dificultar um pouco mais as coisas, diferente de outros MCs que se assumem mais comerciais sem nenhum problema, L7 deixa claro que mira em habilidades artísticos que não possui até este momento. “Hip Hop Rare”, no final, ao contrário do que o título indica, se encontra por aí aos montes, é só balançar uma árvore da Pinneaple.