Salve, JH aqui de novo. Embora tenha sido louco para todo mundo, 2020 foi um ano extremamente movimentado para a rapper mineira Iza Sabino. Tendo seus primeiros momentos de holofotes nacionais ainda num momento pré-pandemia com o colaborativo “Best Duo“, principalmente graças à presença de FBC, a MC ainda chamou atenção com os primeiros passos do promissor grupo Fenda, que chegou a vencer o prêmio de Aposta do Ano no Sh!t de Ouro. Mantendo sua ascensão, Iza deixa as colaborações de lado para finalmente lançar seu álbum primeiro álbum solo.
“Glória” vem com produção inteira carregada pelo Coyote, que, a esse ponto, você, salvo exceções, já sabe o que vai receber: beats sem extravagâncias, carregados com kicks fortes, outros instrumentos num segundo plano dando o espaço da frente para o MC ser livre para passear entre flows e exercer sua criatividade. Considerando o contexto do álbum, o produtor entrega um corpo de trabalho muito sólido, misturando elementos trap e boombap, dando o holofote para Iza mostrar sua cara em cada faixa.
Numa audição sem avisos, seria difícil dizer que a dona deste álbum é a mesma de Best Duo. Se no EP a MC passou a maior parte do tempo seguindo a onda de FBC e com performances pouco inspiradas, aqui ela se mostra de verdade. Longe de vícios e performances mais caricatas (e dos tchurururu), Iza se mostra uma potência, com muito dinamismo ao longo das tracks, onde troca de flows e tons de voz com naturalidade e às vezes soando como se fosse outra pessoa, entregando performances interessantes em praticamente todo o disco, enquanto aborda questões pertinentes à vivência de uma mulher negra.
“Glória” já abre o disco mostrando uma grande potencialidade de Iza: o de criar refrãos explorando sua voz, e embora o que temos nessa faixa não seja tecnicamente um refrão, tem toda a cara de tal, sendo a track construída em cima de um beat lento, que explora hihats de trap sobre piano e cornetas dando o clima pra uma performance bem suave da artista. Esse talento também se mostra na ótima “Olhares”, num refrão contagiante e já cantado num tom de voz diferente da intro. Partido para os versos, temos novas mudanças vocais, e essa toada se dá ao longo de todo o álbum: quando Iza troca o flow, troca também a voz, mostrando um excelente repertório.
“Pretas Na Rua” é uma track aberta e fechada com skits, vindo a anfitriã e as convidadas Tasha & Tracie com boas abordagens da temática, que é bem direta: no rap como um todo só se dá moral para os homens e ignora mulheres, embora na internet a maioria fale como se fosse diferente disso. Apesar da visão interessante, a faixa encontra altos e baixos. Iza abre a track com seu verso melhor escrito nesse disco junto com um flow bem sólido, mas logo é sucedido por um refrão que se beneficiaria de uma escrita um pouco melhor do que ter somente a mesma frase sendo repetida várias vezes. Iza ainda volta pra outro verso não tão inspirado, e depois Tasha entrega linhas decepcionantes, desperdiçando barras com rimas que mal rimam. Ao fim, Tracie sobe o nível novamente, sendo agressiva em todas as linhas ao entregar boas ideias e mandando, além das críticas aos homens, a moral para as minas, inclusive com namedrops. No meio de tanto potencial, a faixa poderia contar com um trabalho melhor de escrita.
Na sequência temos um boombap classudo em “Pensei”, onde, embora a caneta mais uma vez deixe a desejar na primeira metade, Iza vem com um flow elétrico, também trocando de voz a cada bloco; na segunda metade, vemos uma escrita mais interessante, usando rimas internas e explorando linhas mais curtas e cantadas. “O Que C Quer De Mim” é um beat de cordas simples em uma track tematicamente bem comum no rap nacional, abordando um “relacionamento prazeroso porém disfuncional”, e aqui segue-se a toada das demais tracks: performance vocal e flow contagiantes, bom refrão e uma escrita que deixa a desejar na maior parte do tempo.
O disco chega em mais um ponto alto com “Não Fui Eu”, em que Coyote bagunça um pouco as coisas com um beat mais cheio de elementos e mais divertido, enquanto a MC tem uma escrita muito boa, apresentando um esquema de rima interessante variando entre o storytelling e o desabafo, tudo isso enquanto mantém flows acelerados nos versos e outro refrão contagiante.
“Imaginei” mostra influência forte de Djonga no flow, e a escrita da MC mais uma vez decepciona, não dando tanta profundidade quanto poderia na construção do relacionamento tóxico. Bivolt, por sua vez, chega num verso elétrico e sensual, mas menos focado no lado tóxico e mais no lado prazeroso da relação; contudo, ainda é uma track que poderia ser mais desenvolvida. O nível cai mais um pouco antes de voltar a subir: “Avisa” é uma faixa sem nada de destaque em todos âmbitos, não tendo muita exploração vocal ou de flows da MC, tendo também um beat esquecível e repetitivo e um gancho que, embora agradável, só aparece uma vez, não salvando o todo.
O disco se encerra num nível alto em “Como Pássaros”, que traz um beat mais interessante, apoiado em instrumentos como sintetizador e sax aparecendo no fundo. Iza cativa com sua boa voz explorando algo mais melódico em quase toda a canção, sendo interessante nas mensagens dos versos e pelo ótimo refrão, contando agora um relacionamento aberto. Certamente a faixa mais suave do projeto e também uma das melhores apresentadas, dando um ótimo encerramento.
Melhoras na escrita são, possivelmente, o próximo passo para a rapper, mas dada a evolução enorme mostrada recentemente, não há motivo para acreditar que esse avanço não será feito. Para um primeiro disco, o nível apresentado por Iza Sabino é bem alto. Sua autenticidade por si só garante um lugar de destaque à MC na cena, e isso aliado à sua maior qualidade, a facilidade de mudanças vocais e flows, fazem com que “Glória” seja uma estreia de alto nível.