Review: Fleezus – Eskibaile

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9.8
10

Ascencio pela última vez no ano aqui. Fleezus vem em crescente, o MC colhe os louros e todo o prestígio de “BRIME!” , lançamento ainda desse ano em conjunto com CESRV e Febem. O projeto rendeu viagens a Londres, capital do estilo, onde contatos foram feitos e influentes espaços ocupados, gás mais do que suficiente para Zusflee dar seu passo mais largo em carreira solo, com isso, temos o lançamento de seu primeiro álbum, “Eskibaile”.

Nas palavras do próprio MC ao definir sua discografia, citando seus dois EP precedentes, há o seguinte saldo: “Ondas foi legal, curti bastante o Ruas/ Mas Éskibaile é pra ser premiado”. “Ondas”, de 2017,  é o exemplo de um artista que não se encontrou ainda, algo bem comum para trabalhos de estreia, Fleezus assume um boombap mais MPB onde claramente não se sente a vontade, “Ruas”, em 2019, é o seu encontro com a estética britânica que lhe dá confiança suficiente para explorar o seu potencial. No primeiro trabalho, apesar das dificuldades, há uma variedade de temas de um MC tentando delimitar o seu espaço, no segundo, com isso já feito, naturalmente sua composição se limita mais aos lugares comum do Grime, embora ainda preserve certa diversidade; “Eskibaile” vem depois do estouro de “Brime!” e talvez todo esse sucesso e credibilidade dada pelos Londrinos tenha diluído ainda mais o que Fleezus tem a dizer.

 

 

Seu primeiro álbum é um grito de vitória, o que é ótimo, mas recorre vezes demais a um certo ar de pioneirismo ao citar a viagem, o co-sign dos britânicos e como ele foi um dos precursores do lifestyle aqui no Brasil. Isso não seria um problema por si só (afinal braggadocio é mato), mas quando se alia a uma performance também amarrada e que pouco explora os melhores recursos do MC, o saldo final é prejudicado. Isso porque existe um caminho contrário não tão explorado, é possível manter esse mesmo recurso e torná-lo interessante, como os convidados e até mesmo o próprio dono do projeto, em seus bons momentos, demostram.

Momentos estes que não demoram a surgir, logo na primeira música do trabalho, “Track Suit Máfia” temos Zusflee dropando com a qualidade que todo MC deveria ter em um primeiro verso de um novo trabalho, uma entrega forte e de consistência, batendo logo com os dois pés na porta. Do lado dos convidados, Febem coloca em jogo seu “type verse” explorando boas pausas em suas linhas para dar uma cadência interessante de flow; PLK entrega um bom refrão ritmado por acentos demarcados e uma boa aliteração de sonoridades, o que dá um ganho de musicalidade também às palavras.

“Revolta” é outra boa parada, nela, tudo que funcionou em “BRIME!” se repete. A produção criativa de CESRV mesclando Grime e Funk em suas percussões, e principalmente no melhor recurso de Fleezus, sua entrega melódica ao gênero brasileiro o que resulta em um bom refrão cantado. No verso, a barra não desce, sua entrega é carregada e viva e o ritmo apresenta modulações e alongamentos interessantes, além de boas variações de flow, com um único deslize em um espaço em silêncio que cria um buraco na cadência sem nenhum motivo aparente.

A saída do projeto também tem valor, “Quem Diria” é uma produção com elementos mais trap com sample de cordas e hihats típicos, além do grave nos kicks. O MC paulista apresenta um flow mais crescente, pouco presente ou desenvolvido até então em seu repertório. Apesar das constantes repetições do longo refrão, ele funciona bem e dá o toque necessário e coeso em  para o encerramento do trabalho em fade out (normalizem o fade out novamente, por favor).

No entanto, tirando a participação de Febem, a qual ambos os MCs já se conhecem e estão habituados um ao outro, sempre que um convidado oriundo do mesmo estilo coloca linha contra linha em uma performance técnica, Fleezus tende a ficar um pouco abaixo. “City Runners” trás um Kyan que eleva o nível do som com no mínimo duas variações de flow, em um verso dinâmico demonstrando não ter medo da forte bateria de VHOOR; enquanto o dono da track, além de apenas empilhar nomes de marcas de roupas, diminui suas linhas timidamente para ter algum ganho em rimas internas. LEALL, em “Melhora”, prova com sua estética de entrega rápida e visceral, capaz de colecionar metáforas sem abrir mão de flows nem sentido, o porque é um dos (se não o) melhor no que faz atualmente; tudo isso enquanto o paulista mantém seu flow padrão mais reto, caindo até numa estrutura travada e quadrada, acompanhada de uma queda de vocabulário com rimas e palavras fracas e repetidas.

Fora de sua área de competição, Yunk Vino, em “Liga Noiz”, tenta se adequar à falta de inovação fazendo o que sabe de melhor: entregar o mesmo verso genérico em simplesmente todas as músicas. Li-o Beats até tenta com um instrumental interessante que aposta numa variação de pitch no sample como diferencial, mas não consegue salvar a track de ser a mais passável do projeto. O que não ocorre em “Andar”, a faixa que mais destoa de toda a tracklist, tematicamente por ser a única lovesong, performaticamente por ambos, Fleezus e a convidada Clara Lima, atenderem à proposta melódica em uma bela sinergia de vozes e sonoramente por ser um passeio certeiro da produção de CESRV pelo dancehall.

No mais, há uma produção concisa que não falha mas pouco se arrisca, entregando o comum ao Grime, enquanto passa pelas especificidades e qualidades de cada produtor. Essa faceta mais contida do projeto, no entanto, não quer dizer que não exista certa gordura a ser cortada do álbum, não apenas de modo mais geral como as inúmeras repetições temáticas já mencionadas, ou a excessiva literalidade da fala de Fleezus, que parece não ter interesses em buscar mais recursos que enriqueçam sua composição (a exemplo de “Você me assiste” de proposta e sonoridade interessante, mas escrita pouco produtiva), não apenas isso. Mas também, “Flow SBK” que parece ter sido requentada, em todos os sentidos, de “BRIME!” apenas para dar volume, uma track curta que tenta apostar numa repetição de sonoridade a qual infelizmente o MC não dispõe de caneta para tal.

Fleezus tenta reproduzir em carreira solo o sucesso adquirido em grupo no início deste ano, quis apresentar uma evolução natural de “Ruas”, mas ao final, todo o potencial técnico e temático visto em “Bonezin di Lado”, antes dos londrinos terem passado a tocha do Grime tupiniquim, parece não ter sido bem canalizado aqui, em favorecimento da recorrência desse pioneirismo e lugares comuns do gênero.  Apesar disso, o álbum é o projeto mais ambicioso do MC, possui acertos contundentes, boas participações e uma produção de qualidade. O desafio, nos próximos trabalhos, é demonstrar que possui mais a oferecer e que “Eskibaile” não representa o seu teto artístico.

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