Review: Xamã – Zodíaco

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Salve, JH (virginiano com ascendente em touro) aqui para o seu primeiro texto de 2021. Depois de surgir com força na cena carioca de batalhas, Xamã foi moldando sua arte para uma linha mais popular, sendo um nome praticamente certo em poesias acústicas e sempre explorando temáticas mais românticas. Após dois álbuns e inúmeros singles, o MC dá nesse disco sua maior cartada para colocar seu nome não só como um dos mais populares rappers, mas também entre os artistas do pop nacional.

 

Como já ficou evidenciado por nomes como Projota, Hungria ou Baco, Xamã usa a melhor tática para se colocar entre os grandes nomes: fazer rap voltado para um público alvo que não é o do rap. Além da temática, sempre falando de forma romantizada a uma mulher, temos os feats para destacar, todas artistas populares vindas de fora do rap. O álbum, assim como seus antecessores, tem um conceito fechado, e aqui é exatamente o que se espera: cada faixa fala positivamente de uma mulher possuidora das supostas características de cada signo que aparece no título de sua track.

Os melhores momentos do álbum se dão quando a música é mais cativante aos ouvidos, com beats e melodias que a carregam. “Escorpiana”, single prévio e abertura do disco, tem uma bela intro na aparição de Agnes Nunes, que também irá se destacar mais que o anfitrião ao longo do som, o beat por sua vez é simples, um r&b com elementos de trap. “Gêmeos” é a que melhor se encaixa nessa ideia citada ao explorar bem o conceito da bipolaridade que caracteriza o signo e tratar a musa como se fossem duas pessoas diferentes. Na track, temos Neo lançando o melhor beat do disco, com um violino de fundo e baterias muito agradáveis, além de um refrão pegajoso e bons flows nos versos, com destaque extra para a entrada da guitarra no final.

Mais a frente, “Aries” é uma faixa que teria o maior potencial de hit se não fossem os feats envolvidos no álbum (que carregam um potencial comercial só pelo nome), com passeios entre pop, funk e trap e flows que alternam entre uma alta energia e entregas mais melódicas. “Virgem” tem um bom beat que puxa do house e algumas boas melodias do MC.

No outro lado da moeda, não tem como usar meias palavras: a escrita é terrível do início ao fim e destrói todo o potencial criado nas canções mais agradáveis. É surpreendente que um MC criado nas batalhas encontre tanta dificuldade para encontrar linhas. Temos um bom exemplo disso no primeiro verso de “Gêmeos”, em que o MC tenta se manter numa mesma rima durante o verso inteiro usando multissilábicas e começa a se valer de palavras que podem até parecer boas no papel, mas aos ouvidos é clara a deficiência; além disso, o foco nas rimas sacrifica por muitas vezes o sentido do que está sendo dito.

Me sinto como um pássaro (Pássaro)
Não esquenta a cabeça, Sr. Palito de Fósforo (Fósforo)
Seu raciocínio é mágico (Mágico)
Seu rapper não é lógico
Preciso de um leme, de algum antibiótico (Ótico)
Me sinto como um ácaro (Ah)
Passeio no tapete do Aladdin por todo sábado
Sério, pô, ontem foi o meu aniversário

Essas rimas sem muito sentido vão aparecer durante o álbum todo. Em “Gêmeos”, após usar “abracadabra” o MC completa a rima com “boca de sabor jabuticaba”, o que é… bem específico e estranho, assim como a linha acima de “preciso de um leme, de algum antibiótico”. Em “Touro” há uma abundância dessas, como quando diz se Jesus clonava peixe e pão/ O Diabo vende droga e clona cartão, não é não? Ah/ Mas eu não faço isso não” nunca vimos ninguém acusar o Xamã de clonar cartão, mas caso haja essa suspeita, foi esclarecido aqui. Ainda nessa track ele tenta (sem sucesso) rimar ‘odiasse’ com ‘rotweiller’.

Se as rimas afundam o nível das melhores faixas, elas jogam o disco para o fundo do poço nas demais, que não se destacam nem por suas sonoridades, tornando muito mais evidente o que Xamã diz, e é aí que mora o problema, a exemplo de “Touro” mesmo. “Sagitário” é uma track em que o artista viaja até o funk mas não coloca nenhum elemento interessante em beat, flow ou na fraca escrita, onde até interpola “Atoladinha”. “Peixes” é uma track que busca o reggae em um beat que fica estagnado muito rápido, ainda conta com um flow irritante e uma escrita onde o MC traz diversas rimas terminadas ‘ão’ no segundo verso e no refrão.

Para além disso, do meio para o fim, várias faixas vão e vem sem causar impacto. “Aquário (25 horas)” é uma track absolutamente esquecível, num boombap simples e até bem feito, com uma boa linha de baixo, mas o MC não traz nada de notável à canção. “Libra”, que parece algo tirado de um trabalho do 3030 de 2015, segue a mesma toada. “De Novo (remix)”, uma faixa bônus, tem um refrão que se repete cinco vezes ao longo dos 5 minutos de duração sem nada de interessante a não ser pela voz de Agnes Nunes.

Os feats, com exceção de Agnes, apenas cumprem o seu papel de trazer atenção de um público mais variado. Gloria Groove chega num verso muito simples em “Capricórnio”, que até parece bom pela barra baixíssima colocada pelo verso do anfitrião, que imediatamente destrói o potencial criado pelo divertido refrão e segura um verso mais longo que o normal. Em “Leão”, faixa com um beat simples de violão, Marília Mendonça está claramente desconfortável nesse tipo de canção, primeiro ao colocar sua entrega típica do que faria num sertanejo na ponte e depois ao ter que, no segundo verso, usar o mesmo flow e espelhar a escrita que Xamã usara no primeiro.

Ainda temos Luísa Sonza em “Câncer”, a faixa mais romântica do álbum. Xamã entrega um refrão muito pegajoso e um fraco verso, que se arrasta por muito tempo. Luísa, na sua vez, vem com uma melodia bem interessante, com escrita mais sensual que tudo que Xamã fez no álbum todo. Apesar disso, ouvir a cantora dizer “Gostei desse tal rap/ amassando os recalcado em cima do boombap” é, digamos, engraçado.

Xamã consegue entregar boas melodias e refrãos pegajosos em um álbum repleto de apelo para fazer grandes números, mas sempre derrapa quando tenta voltar para sua casa, o rap. Erros frequentes, forçadas de barra para fechar as rimas e uma falta de naturalidade para construir os versos – principalmente quando sai da área romântica – dão um cenário em que, no final das contas, tudo que o álbum tem para se apoiar é a atratividade para ouvidos mais acostumados com o pop do que com o rap. Em “Libra” o artista diz “Você sabe, baby, que eu nem sou tão bom assim”, e isso sintetiza bem o que temos em “Zodíaco”.

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