JH aqui. Fred Hampton é, até hoje, um dos mais influentes nomes do ativismo negro dos Estados Unidos, tendo sido líder do Black Panther Party de Chicago nos anos 60 até ser assassinado a mando do FBI, numa tentativa de coibir o crescimento da luta revolucionária. Com o seu assassinato como plano de fundo, temos o novo filme “Judas And The Black Messiah” que vem acompanhado desta soundtrack repleta de estrelas do passado e presente do hip-hop.
Sem um fio condutor por trás do disco como foram Kendrick em “Black Panther” ou Beyoncé em “Lion King: The Gift”, a única coisa ligando o álbum é a negritude dos artistas envolvidos, com a temática variando demais de faixa a faixa dentro de um enorme guarda-chuva das experiências negras. Sonoramente também não existe muita coesão: passamos de um soul para um trap sem cerimônias, sendo apenas um conjunto de faixas. Isso não é um problema para esse tipo de trabalho, só se espera que se aproveite desses enormes talentos (qual a última vez que você viu Jay-Z e Nas no mesmo projeto?) envolvidos e nos dê uma incrível compilação; o problema é que o disco constantemente falha nessa missão.
O que não se pode negar é que, ao longo de 68 minutos, o trabalho nos dá alguns grandes momentos, principalmente na primeira metade. “Welcome To America” é a melhor track dos disco, com Black Thought trazendo sua sempre afiada caneta, falando de unidade do povo negro e críticas sociais, sendo acompanhado em alto nível pelo refrão matador de C.S. Armstrong e as belas pontes de Angela Hunte, tudo isso em cima de um luxuoso instrumental.
This one is for my very revolutionaries
After keeping it a hundred even though the truth is heavy
Who stand firmly and see their life is a journey
That either God or the gurney, my public defender burned me
So did the district attorney in a turbulent trial
They told me that time is master, well I’m serving it now
Tell my family I’ll be making my return in a while
And every symbol of oppression, I’ll be burning it down
Outro grande destaque é “Something Ain’t Right”, carregada pelos lindos vocais do jamaicano Masego e excelentes versos de Rapsody e sobretudo JID, o melhor liricista a surgir nos últimos anos, todos colocando com excelência os sentimentos de revolta contra o racismo institucional. “On Your Mind” tem Lil Durk atacando na sua área de excelência, passeando pelo beat abusando de sua voz e do auto-tune, entregando versos de dor e indignação com traição que casam perfeitamente com o filme.
O que realmente dói na primeira metade do disco é o enorme potencial desperdiçado com faixas que são boas, mas que poderiam ser excelentes se não fossem alguns detalhes. “Fight For You”, de H.E.R, soa como uma eterna construção para algo que não vem, com o sax da intro ameaçando entrar mas nunca trazendo o refrão que se esperava, desperdiçando numa canção estática demais os belíssimos vocais da cantora. “EPMD”, que provavelmente é uma sobra das sessões de Nas e Hit-boy no último álbum do MC, tem um bom beat e excelentes versos, mas peca por se manter quase sempre no mesmo tom, faltando talvez um feat no refrão ou algo mais enérgico da parte do rapper de NY.
Refrão também é um problema gritante em “What It Feels Like”, que deixa a desejar pela irritante e tediosa repetição de seu titulo na voz de Nipsey Hussle (R.I.P). A faixa, porém, ainda se sustenta pelo forte verso de Nipsey na primeira metade, o instrumental quente – que soa como se fosse uma banda ao vivo – e, acima de tudo, o verso absurdo de Jay-Z, chegando ao ápice da vibe mais tecnicista que ele entrou recentemente, ao entregar o seu melhor verso em anos. Fazer isso aos 51 é de tirar o chapéu.
Scorpion bricks, way before Aubrey’s double disc
.40 on my lap, clap, sound like 40 did the mix
Filtered bass, sift coke like a Michelin star chef
Chef kiss to my wrist, I go dummy with my left
IRS on my dick try to audit all my checks, too late
You know they hate when you become more than they expect
You let them crackers storm your Capitol, put they feet up on your desk
Na segunda metade do projeto, temos uma queda brusca de qualidade e pouca coisa se sustenta, com muitos MCs no início de carreira, beats em geral mais voltados para o trap e pouco destaque em técnica. G Herbo aparece duas vezes, entregando um dos raros highlights em “Revolutionary”, onde tem uma boa escrita em cima de um beat com sample de soul do Hitboy, e Bump-J entrega um bom feat; mas antes disso o MC havia entregue a fraquíssima “All Black”. “I Declare War” e “Last Man Standing” são duas faixas que também vem e vão sem deixar nenhuma impressão, com nada de relevante a não ser a dificuldade de Nardo Wick de acompanhar o beat na primeira das citadas.
Em “No Profanity” somos apresentados a Pooh Shiesty, tratado como o sucessor de Gucci Mane e em segundos é possível perceber o porquê: o MC é quase que uma copia mal feita do chefe de seu selo, ainda trazendo as manias mais irritantes de Kodak Black, numa track fraquíssima. Em “Contagious”, um pop r&b genérico, temos Kiana Ledé sendo incrivelmente similar a Ariana Grande em voz e sua técnica de canto.
O principal highlight da reta final vai para a faixa bônus “Black Messiah”, onde Rakim, em seu boombap, traz praticamente uma biografia rimada de Fred Hampton. O ícone, aliás, era um notório marxista, com frases como “Nós não combatemos capitalismo com capitalismo negro, e sim com socialismo”. É ridiculo que nesse disco existam faixas como “Respect My Mind” (I got the right to bear arms to protect what I own) ou a excelente, mas, mal colocada canção de A$ap Rocky, “Rich Nigga Problems” (But expectin’ to die rich, just a rich nigga mindset), completamente opostas aos pensamentos de Hampton.
O projeto é uma bagunça e deixa a desejar. Com um produtor executivo tão competente como é Hit-boy e nomes talentosíssimos no microfone, só se poderia esperar excelência, mas, no final das contas, a coisa soa mal finalizada e a inclusão de nomes menos talentosos do meio para frente só expõe a fragilidade do projeto como um todo. Infelizmente, o disco não está à altura da missão.