Valtinho mais uma vez. No cenário do rap nacional, existem poucos nomes que são um consenso. O Costa Gold definitivamente não é um deles e, se algum dia foi, deixou de ser ou buscar há muito tempo. Se, em sua primeira fase, o grupo rimava sobre progredir no rap sem perder a própria essência, o estrondoso sucesso de “.155” fez com que Predella e Nog escolhessem a linha comercial por definitivo. E, por algum tempo, essa mudança rendeu bons frutos. Não há como negar o ouvido que os dois sempre tiveram na hora de escolher as batidas e as participações; e hits como “N.A.D.A.B.O.M. Part 2”, “Quem Tava Lá” e “The Cypher MURK” confirmam isso.
As letras, no entanto, foram decaindo. Isso vale pro conteúdo, que, com a saída de Adonai, foi se limitando cada vez mais ao braggadoccio e a ostentação. Mas é muito mais perceptível na técnica: não foram poucas as vezes em que um som teve seu potencial desperdiçado por uma flippada deslocada ou uma sequência forçada de multissilábicas. Somando esses fatores com as inúmeras tretas que o Costa protagonizou, fica fácil entender o porquê de o grupo ter perdido sua (já limitada) credibilidade. E é agora, prestes a completar uma década de existência, que a dupla nos entrega “AUGE”: um disco que pelo nome sugere ser o melhor trabalho do grupo, mas que infelizmente nega essa ideia em quase todas as faixas.
O projeto já não começa bem, com ambos os rappers mostrando os mesmos vícios dos trabalhos anteriores logo de cara, em “Nojento (Intro)”. Nog continua fazendo rimas sexuais de gosto duvidoso (Gata, trabalha esse corpo!/ Tipo quem dá pra trampar), enquanto Predella mais uma vez ofusca a batida com o seu típico flow agressivo, que para uma faixa de introdução, fica mais deslocado que o “pau no cu do Bolsonaro” que ele mesmo joga no segundo verso. Na sequência, temos “A Praia”, uma faixa que não apenas não consegue dialogar com a Intro e com as lovesongs que a sucedem, mas que também conta com um dos piores refrães da carreira do Costa. Não ajuda o fato de a batida dessa e das demais faixas serem tão minimalistas, pois elas só evidenciam a má performance da dupla.
E as coisas não melhoram com “Ela Vai” e “Aquele Som”. Não deve ser novidade para ninguém que a voz rasgada do Predella e a debochada do Nog não são as mais preferíveis para canções românticas, mas essa dobradinha deixa isso extremamente claro. Na primeira, é a presença dos violões e do Rael que impede que a música pareça uma paródia de uma lovesong, já que o Predella insiste em desafinar no refrão. Algo semelhante pode ser dito sobre a segunda, que ainda possui uma estranha variação de flows mesmo tendo uma letra que supostamente descreve uma relação estável. É como se até no amor a dupla se sentisse na necessidade de se provar. “Ai Bebê” também aborda relacionamentos, mas numa perspectiva bem menos soft, e mais direta no braggadoccio sexual. Não é agradável, mas ao menos não soa desconectado.
O projeto também conta com duas continuações de sucessos do passado, que, apesar de serem desnecessárias, pelo menos têm os seus momentos. Nog, em particular, rimou bem melhor que os demais MCs em “ The Cypher Deffect 2”, talvez como um expurgo de todas as críticas recebidas quando a Parte 1 saiu. Uma pena que os convidados entreguem linhas tão insípidas. Quanto ao Predella, bem, o verso dispensa comentários.
‘Cês é muito bom no estilo, mas muito ruim de rima
A bunda dela é uma delícia
Comi a bunda dela, dei uns trago e gritei: “foda-se a polícia” (Foda-se a polícia)
Eu vou morrer falando
Que eu não sou esquerda nem direita, eu sou o povo…
Entretanto, o MC da Vila Pompeia consegue uma breve redenção em “N.A.D.A.B.O.M PT 3”, cuspindo provavelmente o melhor verso do disco, com uma boa sequência de rimas internas e aliterações. Na produção de Biasi e André Nine (que produz ou coproduz a maior parte do álbum), temos um beat que usa uma flauta e um riff de guitarra melancólico para suavizar as variações de flow sem pasteurizar a voz dos MCs. É basicamente o Costa Gold entregando o que já teve de melhor. A performance do Nog é menos inspirada, mas essa é uma das únicas faixas que não foi estragada por um péssimo verso no meio.
A partir daí, o Predella volta a desandar. Começando com “Ciclone”, que até poderia ser passável se não fosse o “italianês” estereotipado no segundo verso, com destaque pro “Donna, Mamma Mia, vem mamar a minha”. “UAU”, por outro lado, é um som com uma ótima batida, com um minimalismo cômico semelhante ao dos tempos áureos do Lil Wayne. Seu primeiro verso é bem competente, com um Nog deslizando pela batida do jeito que um hit pede. Mas todo esse potencial é jogado no lixo com o speedflow do Predella, que além de ser arrastado, é recheado de linhas óbvias. Para um grupo que gosta tanto de repetir “foda-se a polícia”, é ridículo como se preocupam mais com rima interna do que com qualquer tipo de substância.
“Criminal”, no entanto, acaba sendo uma grata surpresa ao comentar, mesmo que superficialmente, sobre a criminalidade no Brasil e na América Latina. Ela também se apoia numa mistura meio clichê de português com outro idioma (neste caso o espanhol), mas de uma forma bem mais eficiente que a já referida “Ciclone”. Tanto o refrão como a batida com um pezinho no bolero contribuem para tornar o som mais coeso, e de certa forma ela funciona como uma continuação espiritual muito mais à altura de “Das Arábia” do que foi a “Das Arábia, Pt. 2”. Depois disso, o trabalho entra num marasmo com “GVNG” e “4:25”. Não cometem grandes tropeços, mas oferecem pouco para garantirem mais audições.
De toda forma, “O Pai Tá On” faz o disco encerrar dignamente, com todos os MCs entregando boas linhas sobre o sucesso que alcançaram em cima de um beat mais expressivo em suas camadas. Quem mais chama atenção é o MC Caverinha, cujo verso faz uma bela condução para o refrão. Pode não ter ninguém se arriscando, mas é de longe o som que melhor aproveitou o que as participações tinham a oferecer.
Quando me vê, um preto de quebrada
Trabalhando muito pra hoje tá no auge
Mas não sabe da vivência
Se hoje eu tô forte, é porque já aguentei doze rounds
Uma casa nova pra minha coroa
Difícil hoje é passar vontade
Uh, yeah
Se hoje ela me liga é porque…
Ela sabe que eu tenho o dom
Diante de tantos e tantos excessos, não tem como dizer que esse disco é bom, nem sequer mediano. Ele não apresenta nenhum tipo de coesão, e o máximo de experimentação que ele tem são extrapolações de fórmulas que há muito tempo estão batidas. Também é triste como Nog e Predella só cospem linhas insinceras quando encaram o contexto político atual, como se um ou dois jabs aleatórios no governo ou na polícia fossem algum tipo de contracultura, e não uma revolta juvenil. E mesmo se as linhas fossem boas, elas ainda estariam perdidas em meio a constante autoafirmação que satura o projeto.
É cada vez maior e mais incômoda a discrepância entre a experiência da dupla e a sua recusa em amadurecer. A cena amadureceu e, agora, ficar vomitando spiritual lyrical miracle impressiona muito menos do que em 2016 ou 17. O Costa Gold está ultrapassado. E seu Auge não poderia estar mais distante.