Salve, JH aqui. Embora não tenha empilhado views ou seguidores, para as mídias e público mais atencioso do hip-hop Marcola Bituca foi uma das grandes revelações de 2020. Dono do aclamado “Os Últimos Filhos de Sião”, traz referências de diversos gêneros para o rap, algo muito necessário na cena atual. Para abrir 2021 com o pé direito, o artista, que diz não ser MC, segue em frente nessa caminhada com seu novo EP.
Com apenas 4 músicas, os envolvidos fizeram o melhor uso possível de seu tempo para aprofundar o trabalho em cada track, dando destaque especial à produção do disco assinada por Mouseíon Beats e com direção musical de Yan Santana. O trabalho te põe numa atmosfera futurista, e, aliada à escrita mais poética repleta de metáforas de Marcola, a musicalidade é uma viagem.
Se no último álbum a exploração de sonoridades mais eletrônicas apareciam num segundo plano, dominando a minoria das faixas, aqui ela está no banco da frente. Sintetizadores, distorções e autotune aparecem durante todo o trabalho, relegando ao fundo os instrumentos tradicionais. Isso é percebido desde os primeiros segundos, como já começa em “Guerra Santa”, onde aparece já um som eletrônico e um tom robótico na voz do cantor. Essa primeira faixa tem toda a cara de uma intro, numa performance mais contido do rapper entregando boas linhas, repleto de metáforas, com poucas referências mais literais (Idiotizados com tiktok e blogs). A faixa cumpre bem sua função introdutória, com destaque maior para as subidas e decidas causadas pelos diversos sintetizadores que aparecem ao fim.
A instrumentação surge de forma mais robusta em “Asas de Ícarus”, com guitarra e baixo aparecendo muito bem na canção, sobretudo na segunda parte. Marcola mais uma vez se mostra um excelente escritor com uma letra romântica sem sair da pegada mitológica da canção. Aqui, a voz do artista é uma limitação em diversos momentos, mas ainda assim a canção se sustenta pelos versos bem entregues quando não se exige muito dela. O solo de guitarra no final da canção entra de forma incrível, elevando demais o nível.
A música segue para “Fio de Prata” e o foco de destaque muda para as performances. Pela primeira vez, Marcola entrega uma performance mais típica ao rap e assim faz um excelente verso, mudando de flows com facilidade e fechando na hora certa sua parte antes de entregar o bastão para Victor Xamã. A transição entre a parte de um e a de outro é extremamente suave, com a entrada das baterias de trap com muita força até que o manauara vem em um verso elétrico, num flow mais acelerado, até a queda para a voz mais cantada do MC que fecha a canção em alto nível. A produção, excelente na parte de VXamã, deixa a desejar na de Marcola, onde há um aumento da energia, mas a falta de uma bateria mais forte é sentida. Além disso, a mixagem na voz do anfitrião atrapalha a boa performance, sendo a segunda realmente a melhor parte da canção.
O projeto termina em outra excelente execução com “Quadro em Branco”. Aqui, Marcola entrega seu melhor verso no projeto, repleto de referências (embora diga que iria por as letras no Genius e não as encontramos lá, ao menos até o lançamento desse texto, fica ai a denúncia) e uma energia crescente, até o ótimo refrão entrar. Na produção, a bateria ganha a posição de frente, até que Marcola traz a canção de volta às suas origens no refrão, dominado pelo tambor do pagodão. O ponto negativo é a brevidade da música, que se beneficiaria muito de um segundo verso e o retorno do refrão.
O defeito da última faixa é o mesmo do trabalho: a brevidade. Uma maior profundidade nessa sonoridade e na sempre interessante escrita do artista seria o ideal para esse EP, que acaba deixando o ouvinte com vontade de mais, que os envolvidos certamente teriam o talento necessário para entregar.
Apesar de sua brevidade e algumas questões pontuais, o EP é muito bom e mostra mais uma vez a qualidade trazida ao rap por Marcola Bituca e seus colaboradores. Que tenhamos cada vez mais artistas dispostos a desafiar as barreiras e buscar evolução. Vindo de um dos grandes nomes a surgirem recentemente, “Cavalo de Troia” é um presente, e não é de grego.