Salve, JH aqui. Diretamente da Zona Norte de São Paulo, Febem é uma das grandes referências do grime nacional, título que vem sobretudo pela forma que mesclou o gênero com o funk em seus últimos trabalhos. Em “JOVEM OG”, sucessor do aclamado “RUNNING”, o MC vem para expandir ainda mais seus horizontes, ao mesmo tempo que visa se firmar dentro da sua linha.
Embora tenha o grime como seu estilo primário, Febem sabia que tentar repetir o que foi “BRIME!” não seria o melhor passo para sua carreira. Sendo assim, para o novo trabalho, a produção – majoritariamente carregada por CESRV – trabalha com estéticas que vão do dancehall ao trap tendo como resultado final o conjunto de músicas mais diverso que o MC já entregou. A aposta acaba se pagando, pois o bom encaixe do artista em diferentes beats somado à qualidade dos mesmos torna esse projeto mais um acerto em sua discografia.
Um dos destaques de “JOVEM OG” está na montagem. As batidas, mesmo que diversas, conseguem manter sua coesão do início ao fim, com pequenas passagens de funk aqui e ali, graves fortes em diferentes estilos e nunca se afasta por muito tempo da estética central, de forma que não existam partes distintas. Além disso, Febem nunca passa muito tempo sozinho, os feats chegam em boa frequência para evitar que o álbum entre em estagnação (visto que o artista não tem uma maior variedade de flows e vozes); contudo, ao mesmo tempo, não são exagerados, o que diminuiria muito o impacto do dono do disco.
Febem se destaca em diversos momentos, seguindo uma característica vista muito em seu disco anterior: quando o artista está num bom verso, esse verso é muito bom. “VAI PENSANDO” é uma das suas melhores faixas em termos de performance até hoje, passeando por flows interessantes por cima de um beat mais contido, com diversas rimas internas em um esquema bem mais complexo que o seu usual. Outro ponto alto é “MARCHA”, um pop-rap puxado para o dancehall, tem o artista passeando por belos flows, entre mais rimados e mais melódicos.
Uma evolução clara de Febem está nos refrãos. Em seu álbum de estreia, muitas vezes acabavam puxando para baixo boas tracks; já aqui, embora sigam estruturas simples, quase sempre são agradáveis e menos monótonos. Além das já citadas “VAI PENSANDO” e “MARCHA”, “OG”, com referência a Racionais, é um refrão bem feito e bem rimado, assim como o divertido “ME PAGA”.
Apesar disso, a maior parte dos destaques, diga-se, não são da performance de Febem. CESRV entregou um lindo compilado de beats, dando a cada track o que ela pedia, saindo bastante da sua zona de conforto com raríssimos erros. “MÉXICO” tem um beat extremamente elétrico, entrando na área do trap com um bom loop no fundo e graves estourando, dando um nível de energia bem aproveitado pelo MC. Em “ME PAGA” ele entrega um beat mais leve, divertido, dando espaço para as rimas mais soltas. Também passeia bem pelo jazz na intro ou pelo dancehall em “MARCHA”.
Quando era preciso um beat mais soturno, mais contido, o produtor entregou bem, como em “VAI PENSANDO”; quando precisou de um beat mais comercial, também entregou bem, no trap em “OG”; e, quando tinha que voltar ao grime, voltou bem em diversos momentos, como em “CRIME”. Apesar de todo o destaque de Cesinha, talvez o melhor beat seja o único que não é dele, em “BALLA”, Mu540 simplesmente quebra tudo, num drill em ritmo acelerado e eletrizante.
Indo aos feats, a última faixa citada traz o mais decepcionante deles, Kyan deixa muito a desejar, lembrando mais o flow e entrega de Dfideliz do que a si próprio, o que, aliado à também fraca performance do anfitrião, faz com que o beat seja desperdiçado. Este é, ao lado de Jean Tassy, o único feat mais fraco aqui. No mais, alguns convidados acabam por ofuscar o anfitrião. Em “ÁREA DE RISCO”, uma das melhores do disco, Tasha tem uma excelente participação, mais gingada, variando bem flows num verso que só peca por ser curto demais; Febem oscila entre rimas boas e ruins, com algumas linhas forçadas; por fim, Tracie tem o melhor verso da track, em sua usual agressividade de delivery, passando por storytelling e punchlines.
Só porque me buscou
Na Faria Lima foi pro Peri
Achou que ia pra Santa Cecília
Ele ficou em choque
Mó fita, sabia que aqui o grave só não bate mais que a polícia
Vulgo FK também traz um ótimo verso, explorando bem seus vocais em “MARCHA”, embora aqui Febem também entregue uma boa performance. O mesmo não pode se dizer de “ME PAGA”, que foi o tradicional renegade: Djonga roubou completamente a track, passeando por diversos flows, acelerando e desacelerando quando quis, soando muito mais leve que em seu álbum. O dono do projeto, por outro lado, entrega sua pior performance do disco, repetindo a mesma rima durante todo o verso e com a mesma entonação forçando a última sílaba de cada linha, que sempre termina em um “a” tônico.
E, é preciso dizer, os pontos baixos do álbum vêm de seu dono. Algumas de suas performances são monótonas, um problema recorrente para o MC, com poucas variações de flow e delivery. “CRIME” é um caso claro disso, onde a track chega e sai da mesma forma. O mesmo também se dá em “VAI PENSANDO”. Fora isso, a escrita deixa a desejar ao longo do trabalho.
Primeiramente, elas deixam a desejar por serem forçadas. Muitas palavras são colocadas apenas para rimar, sem fazer sentido na construção, e, em alguns casos, elas nem sequer rimam (cesta básica/brinquedo pras criança; ter tempo/vinho branco), além de forçadas como dizer “onibôs” para rimar com “fenômeno”. Além disso, parte das punchlines nem faz sentido quando você dá mais atenção a elas, como quando o MC interpola Djonga com “quem falou que o disco antigo é fraco, Vai tomar no cu” , o que faz zero sentido visto que BRIME! e RUNNING figuraram em diversas listas de melhores do ano e são amados por público e crítica.
Outro problema mais específico está em rimas que simplesmente não deveriam ser ditas, mais especificamente nos singles prévios. Em “MÉXICO”, que deveria ser um grande destaque pela sinergia entre o MC e o produtor, Febem terrivelmente alinha seu discurso à xenofobia de Bolsonaro e Trump ao chamar o COVID-19 de “virus chinês”, além de falar em seguida que “a vacina ninguém cria”, sendo que várias foram criadas e o problema atual é que o presidente não a comprou. Já em “CRIME” temos uma sequência terrível:
Ela diz que adora levar tapa, ela tem descendência da Europa
Pra eu não me sentir mal, pensei em reparação histórica
Mas vão dizer que essa rima foi um tanto desnecessária
Enquanto playboy já rimou que transou a filha da empregada
Existem várias formas de se interpretar as três primeiras linhas, e em nenhuma delas o Febem sai bem. Fora isso, Nog foi muito criticado, sim, por sua linha. Logo após ele faz questão de chamar a atenção para sua rima de baixo nível em “ESSE É MEU ESTILO” ao menosprezar um atendente de restaurante, como se algo no verso fosse mudar a visão das pessoas sobre ela. Uma boa revisão nas letras antes do lançamento tornaria o álbum melhor.
Apesar dessas falhas gritantes, o resultado final é bom, principalmente olhando para a grande figura. Alguns deslizes de escrita e performance não ofuscam o todo positivo, e Febem, embora não atinja o nível de excelência, entrega um bom álbum, tirando o potencial máximo de seus colaboradores e levando o brilho ocasional. Firmando seu nome com três bons trabalhos em sequência, o caminho para o artista é para cima, mas antes é necessário reduzir seus deslizes.