YOÙN é uma daquelas histórias que todos nós amamos ver. Gian Pedro (GP) e Shuna se conheceram na infância em Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense, desenvolveram juntos um amor pela música, que aprenderam a fazer na igreja. A carreira dos dois como dupla começou na correria dos trens cariocas em 2017, até fazerem um certo barulho. Hoje, com um certo reconhecimento nacional, todo esse corre é posto a prova em seu álbum de estreia, BXD IN JAZZ.
E é uma prova que a dupla passa com tranquilidade, antes de tudo, por ter talento de sobras. Os vocais dos dois integrantes do grupo se complementam com muita beleza, causando inclusive momentos em que não se sabe quem exatamente qual dos dois está cantando. GP tem uma voz mais diferenciada, num timbre que não se vê frequentemente em grandes cantores – e compensa isso com muita técnica e carisma nas suas harmonias; Shuna traz algo mais suave, também com claro trabalho técnico, entregando versos e refrães pegajosos em diversos momentos do álbum. ‘Difícil Entender’ é uma das faixas que mostra esse talento, onde cada um domina uma metade da canção e ambos tem execução excelente.
Além das performances vocais serem quase sempre irretocáveis, os instrumentais são belíssimos. GP no violino e Shuna no violão ou guitarra aparecem com proeminência ao longo do disco acumulando as funções, além da excelente produção que permeia o álbum entre baterias, pianos, baixos e outros. A direção musical, assinada pelo duo e por Julio Raposo, fez um excelente trabalho ao passear por diversos gêneros, entre eles o r&b, jazz e neosoul. Não há nenhum instrumental que deixe a desejar aqui.
A primeira parte do disco é, certamente, a mais cativante e com maior potencial comercial. ‘Só Love’, a primeira canção após a intro, já é uma bela amostra do que vem pela frente, numa batida que é um r&b com elementos de jazz, com uma aconchegante sobreposição de teclado, guitarra e os vocais extremamente suaves. A faixa já é seguida pela canção de trabalho, ‘Follow Me’, uma faixa mais pop. que tem algumas baterias de trap e alguns instrumentos dispersos ao longo dos versos, que escorregam no uso estranho do autotune, até que tudo se junta no refrão que é totalmente inescapável – você vai ficar com ele na cabeça. É igualmente pegajoso e agradável.
O ouvido da dupla pra refrãos é incrível, pegando referências de diversos lugares e colocando no meio da sua estética mais classuda sem que soe estranho. Se o refrão de ‘Follow Me’ lembra algo de uma boyband pop, ‘Meu Grande Amor’ parece um refrão típico de um rap acústico – felizmente sem um rap acústico em torno. Ao invés disso, a faixa tem baterias e guitarras suaves, dando espaço para lindas entradas do violino de Gian, num instrumental tranquilo e luxuoso. Na segunda metade ‘Nova York’ é outro refrão de destaque, numa pegada romântica e em vocais encantadores de Shuna.
Ainda na sequência inicial, ‘Difícil Entender’ é a melhor track do disco, por combinar tudo de melhor que esse álbum tem a oferecer. A intro abre caminho para um instrumental mais lento, que se mistura bem com os vocais contidos da dupla nos versos, mas as entradas potentes da guitarra durante a canção, a transição para instrumentais mais groovados na segunda parte e solos de violino, baixo e guitarra no final, sem perder a roupagem jazzística, fazem a faixa ser um verdadeiro espetáculo. E, claro, no meio de tudo isso, temos um animado, agradável e pegajoso refrão.
A partir daqui o álbum dá uma virada na vibe, sem que haja queda de qualidade. A dupla ‘Jazz’ e ‘Só’ mostra instrumentais mais acústicos, com a primeira sendo um pouco mais dinâmica com uma ótima linha de baixa e solos de bateria e sintetizador; a segunda segue mais lenta até o fim, com violino e violão se destacando do começo ao fim. Além disso, é claro, em ambas se destacam os vocalistas, sobretudo Gian. Mais a frente temos também ‘Welcome’, uma faixa que puxa o instrumental para um jazz suave, com destaque para o saxofone e uma discreta guitarra de Shuna. A classe nessas faixas é latente, tudo aqui soa caro, chique, como se fosse um álbum feito para se ouvir com uma taça de vinho na mão.
Embora as execuções técnicas do álbum sejam muito boas, uma clara limitação do trabalho e da dupla está na escrita. A maioria das faixas apresentam versos curtos, com pouco desenvolvimento ou profundidade nas letras, deixando o sentimento todo ser passado por melodias e harmonias. E quando se tenta escrever um pouco mais (com exceção única em ‘Se Foi’), a limitação é exposta, principalmente ao se aproximar do rap. Os versos de ‘Inebrio’ deixam essa questão clara, e, sobretudo, o verso final de ‘Follow Me’. Ao menos, em boa parte dos momentos, as levadas dos cantores minimiza o dano.
Só nós, a sós, a voz, lençóis
E ela acende o green eu pego o destilado
E ela sorri pra mim eu fico excitado
Pretendo passar vários dias ao seu lado
Outra questão a pontuar aqui é que o álbum não tem semelhantes no Brasil, mas isso por si só não garante sua originalidade. As influências do grupo, majoritariamente estadunidenses, são usadas com muita evidência em determinados momentos. Quando GP busca o rap é muito visível a influência de Tyler, The Creator; as melodias vocais do cantor também lembram muito as de Smino, principalmente quando transita no meio de campo entre o rimado e o cantado. Embora isso não necessariamente seja um problema, será interessante ver nos próximos passos o grupo mostrar ainda mais a sua cara.
Tematicamente o álbum se mantém numa mesma linha quase sempre, e as sonoridades vem dos ritmos negros americanos previamente citados quase o tempo todo, excluindo alguns elementos de MPB. A faixa que quebra essa expectativa, e pro bem, é a excelente ‘Peles e Cores’. A faixa tem um tom político muito mais forte criticando crimes motivados por machismo e racismo estruturais que permeam o nosso país. A suavidade do disco dá lugar a um violino mais alarmante e todo um instrumental mais dramático, chegando a um ápice mais perto do fim, onde a canção habita um meio de campo entre orquestra e capoeira. Um desenvolvimento lindo e uma temática que certamente pode ser mais explorada por canções com essas estéticas.
O álbum como um todo é muito agradável. Uma audição do começo ao fim é extremamente agradável, confortável e, embora tenha suas influências expostas, é fora da curva do cenário nacional. Se a história de Gian e Shuna faz com que alguém torça pelo sucesso da dupla YOÙN, a qualidade do material faz com que alguém, de fato, impulsione. E para uma estreia, BXD IN JAZZ é uma bela carta de apresentação. Por mais músicas como essas no nosso cenário.