Review: J. Cole – The Off-Season

J. Cole reparou os arranhões de sua imagem com muitas rimas e boas escolhas na produção.

J. Cole roubou a cena nas últimas semanas, desde que anunciou o lançamento de The Off-Season. Usando o basquete como sua principal forma de divulgação, as referências estão no título e na bela capa, o que remete às suas mixtapes, The Warm Up e Friday Night Lights. Dias depois, um dos maiores repórteres da NBA anunciou a contratação de Cole pelo Ruanda Patriots para três partidas na Liga Africana de Basquete; além disso, ele foi o primeiro rapper a estampar capa da Slam Magazine, uma das revistas mais tradicionais da modalidade. Junte isso ao minidocumentário ‘Applying Pressure’ e ao freestyle épico no programa de rádio LA Leakers e pronto: o hype estava criado.

Com a atenção da cena para si, estava nas mãos de Jermaine apresentar um trabalho que sustentasse essa expectativa e apagasse a má impressão deixada por seu último disco, KOD, e pela treta que teve com a rapper Noname há cerca de um ano. Kanye já nos mostrou que polêmicas se resolvem com música boa e podemos dizer que J. Cole reparou os arranhões de sua imagem com muitas rimas e boas escolhas na produção de The Off-Season. Essas escolhas se dão muito pela escalação de 14 produtores para o disco (o maior número de sua carreira), o que trouxe algumas sonoridades diferentes de seus últimos trabalhos, pautados em harmonias minimalistas e produções retas. As letras também mudaram, saindo dos conceitos fechados para temas mais típicos do rap como braggadocios, dinheiro e vitória mesmo que cercado pela violência. O astro estava disposto a entrar em quadra e provar sua grandiosidade no rap game.

O impacto pode ser sentido já na faixa de abertura, ‘95 South’. A produção, liderada por Boi-1da, tem um beat pulsante e acordes agressivos de teclado, com o anfitrião entregando bons flows e variando as cadências conforme a música pede. As inserções de Cam’ron ajudam a compor uma track cheia de energia, que termina em alta com o sample de ‘Put Yo Hood Up’, do East Side Boyz, tão bem encaixado que parece gravado sob medida por Lil’ Jon. Na sequência temos ‘Amari’, uma faixa operante, mas sem tantas variações quanto a primeira, tanto por parte do produtor Timbaland quanto de Cole. A música funciona porque o MC traz uma boa rima melódica sem precisar de autotune (um de seus diferenciais na cena), mas perde a oportunidade de variar flows, mesmo com o tempo duplo, por martelar durante muitas linhas a mesma métrica e rima. São 15 “ings/ny” e mais 15 “ow/oles”, algo que fica visível em seu esquema de rima.

Inclusive, isso é algo recorrente em algumas faixas e essa característica funciona em maior ou menor grau dependendo da ocasião. ‘Close’ tem 47 linhas que rimam com seu título e funciona porque se sustenta num bom storytelling, fazendo com que o flow repetitivo ajudasse na compreensão da história. Já em ‘100 Mil’’ a repetição é um dos elementos que faz da faixa o ponto baixo desse álbum, um trap genérico que precisaria de uma boa interpretação para funcionar. Mas além de hi-hats estridentes e um apito que não ajuda, Cole piora a situação ao tentar um mumble rap e deixar a experiência ainda mais dolorosa.

Apesar disso, as escolhas boas se sobressaem nesse trabalho, e uma delas é trazer participações de peso, coisa que não aparecia na discografia do rapper desde Born Sinner. Isso ficou ainda mais legal porque sua equipe escondeu o nome dos convidados na tracklist nos primeiros dias, assim o público pôde vibrar com a participação surpresa de 21 Savage em ‘My Life’. A música tem o ponto alto no belo refrão de Morray reinterpretando ‘The Life’ de Styles P, mas Cole e Savage também estão bem em versos que falam de suas experiências com a violência. O único porém é que a faixa se parece muito com ‘A Lot’, interpretada pela própria dupla, então quem conseguir dissociar isso conseguirá curtir mais.

A situação é parecida com ‘Pride is the Devil’, onde o produtor T-Minus usou a mesma melodia de sua produção em ‘Can’t Decide’, de Aminé, que saiu menos de um ano atrás. A escolha soa preguiçosa e pouco criativa, mas a track é tão boa que se sustenta apesar disso. O anfitrião traz uma visão interessante do tema “orgulho” em seu verso (aqui a métrica repetitiva funciona) e um refrão viciante, mas Lil Baby é quem rouba a cena ao apresentar um dos melhores versos do álbum. O MC traz uma voz marcante, flows de cadências diferentes e abusa das swing notes ao encaixar suas rimas de forma levemente atrasadas no beat.

Outro acerto foi J. Cole trazer ‘The Climb Back’ para esse trabalho, faixa de 2020 prevista para estar no álbum The Fall Off, ainda não lançado. Já vimos tantos artistas lançarem bons singles que se perderam por não terem um lar que é bom ver este em um projeto. É uma música densa e bem produzida pelo próprio, que dessa vez aproveita o tempo duplo para rimar nos dois andamentos que o beat oferece (81/162 bpm). Uma música que traz camadas e dá profundidade tal qual o outro single prévio do projeto, ‘Interlude’, onde o rapper faz bom uso de sua voz melódica, com dobras e pausas no beat que engradecem a música. Destaque para o uso do sample de um blues cantado que compõe a melodia do beat, algo pouco comum na discografia do artista e que T-Minus trouxe para esse trabalho.

E quanto mais fundo o artista olha para dentro de si, melhor é o resultado. Esse é o tom da segunda metade do disco que, na ordem das faixas, começa em ‘Let Go My Hand’, uma música muito bonita sobre suas inseguranças ao criar os filhos e como foi crescer escondendo sentimentos para se proteger. O trunfo são as vozes tanto do MC, que rima com um timbre sereno concentrado no peito, quanto dos convidados Bas e 6LACK na ponte e no refrão.

E é nesse tom sentimental que J. Cole encerra o álbum com ‘Hunger on Hillside’, mais uma participação de Bas, que novamente faz um bom conjunto de vozes com o anfitrião. Aqui Cole traz emoção com um verso mais cantado e seu timbre cru e rouco, e a produção complementa bem as vozes com um sample de violino em mais uma grande contribuição de Boi-1da, não apenas pelo beat, mas por saber tirar de J. Cole algumas de suas melhores entregas, com flows variados e explorando seus pontos fortes.

No geral, podemos concluir que The Off-Season tem o basquete mais como inspiração do que um elemento que compõe o trabalho. ‘Punching the Clock’ até traz trechos de uma entrevista de Damian Lillard, mas tanto ela quanto ‘Applying Pressure’ destoam musicalmente do resto, por terem baterias abafadas e versos que até parecem freestyles onde o rapper atira suas barra. A primeira soa mais como um interlúdio e o verso seria melhor se não fosse mais um em que o MC espreme uma mesma rima até a última gota. Já na segunda, Cole aproveita o boom bap (paraíso dos bons rimadores) para soltar punchlines e flows potentes. 

Estas são faixas que mostram como o trabalho soa aberto e sem coesão sonora ou temática como uma mixtape. Apesar disso, temos mais altos do que baixos nesse álbum, no qual J. Cole entra competindo e termina trazendo a profundidade presente no ponto alto de sua carreira, o clássico 2014 Forest Hills Drive (sim, é um clássico).  Agora as expectativas são grandes para saber quais caminhos ele vai tomar nos próximos trabalhos, mas mais do que pensar lá na frente, temos um bom álbum para curtir. Se ainda não é o grande clássico que todos esperam de um dos maiores rappers da última década, é uma retomada à sua melhor forma e, ao que tudo indica, Jermaine Cole vai estar preparado para entrar em quadra quando a temporada começar.

Melhores faixas: 95 South, Pride is a Devil, Let Go My Hand e The Climb Back.

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