Imaginem a seguinte cena: são dois amigos, um batendo palmas de maneira sincronizada (“tchu tcha tcha tchu tchu tcha”), o outro, claramente envolvido pelo beat, está largando ótimos versos de sua nova medley falando sobre vivências e visões. No mesmo cenário, um copo de 700ml de whisky com gelo de coco e energético na dosagem quase que perfeita, a gasolina para ambos no momento de total entrega à música. Sim, esse cenário é extremamente importante para o desenrolar dessa review.
CACOS é o EP colaborativo de Tonyyymon e o produtor Eddu Chaves, o trabalho é construido em beats que abusam da instrumentalidade do funk, mas não como o costumeiro pretexto superficial de apenas de apenas visar o objetivo estético das faixas, a dupla faz com que esses instrumentos sejam peças de fato essenciais para a construção narrativa proposta. Com 5 faixas, o EP percorre as visões de mundo do MC, pelas quais suas vivências são colocadas de ponta a ponta em cada verso, tudo de maneira singela e bastante original.
Começamos com a ‘Intro’, já um ótimo exemplo de como os elementos são bem postados. Inicialmente, um beat de mão (similar à cena criada no parágrafos introdutório) guia a performance do MC que, munido de seus versos, discorre sobre esse tipo de pessoa que se intitula “cria” apenas pelo modismo, enquanto esquece de toda a problemática por trás de ser um jovem de comunidade que arca com diversos problemas sociais, tudo isso apenas por ser de onde é. Mais ao fim da faixa, acrescido a esta atmosfera, surge um grave enquanto Tonyyymon entrega um flow mais cantado abrindo caminho para a próxima track.
‘Corre das Ruas’ vai muito à fonte do funk do fluxo paulistano, a começar pela ambientação com sons dos motores de moto cantando e uma bateria de kicks e claps marcantes durante todo o instrumental. O MC de Itaquera se destaca dessa vez pela métrica, principalmente no primeiro verso, onde é possível destacar ótimas rimas:
Mãos no muro, não sabe se volta
Gerou mais uma revolta em volta de nada
Dando volta de nave
Pra minha quebra um salve
Pra minha quebrada um salve-se quem puder
‘Grime de Vila’ carrega consigo o gênero descrito no próprio nome da faixa, nesta, quem rouba a cena no beat são os sintetizadores. A track é composta de dois versos seguidos de refrão para que Tonyyymon acelere o flow e se encaixe muito bem na produção de Eddu Chaves. A esta altura, CACOS acelera seu ritmo, ao passo que pavimentando seu caminho para as próximas tracks. Assim como quando o energético do nosso copão de 700 vai adentrando no organismo e acelerando os batimentos cardíacos.
Se o ritmo do EP já tinha sido acelerado, ‘Bala’ aumenta isso mais ainda em um beat de funk 150 bpm (vertente popularizada no Rio de Janeiro nos últimos anos). Aqui conseguimos destacar novamente a versatilidade do MC para rimar sobre instrumentais mais rápidos e, ainda assim, manter sua métrica como grande destaque de performance.
Era de se esperar que todo esse acelero se mantivesse até o final, porém, em ‘Guerra é Paz’, o ritmo cai em grande escala, o que pode causar até certa estranheza no ouvinte animado pela sequência da tracklist. No entanto, o problema é deixado de lado quando a faixa passa a ser analisada em sua individualidade, nesse recorte, já bem no início do verso, temos contato com uma das rimas que mais chama a atenção no EP. Nela, Tonyyymon é capaz de quebrar propositalmente suas barras de forma que estas se adequem à temática do seu próprio verso:
Minha quebrada tá quebrada
Muita bala dos atual alto KKK
Sem risada sem HAHA
Só os coringa que ri mas também chora
Malandro que é malandro chora
Sem dor é impossível continua
Então não parasita sai do sofá
Casa pra coroa se não quer dar?
No final do primeiro verso, Tonyyy ainda varia o flow com bastante sutileza e abre o caminho para Bia Doxum, na segunda parte, completar o ótimo trabalho já apresentando até o momento e abrilhantar ainda mais com seu flow cantado que equilibra muito bem toda a produção. A combinação de todos os elementos do trio mostra o porquê da faixa ser a de maior destaque do álbum, tudo nela é feito na dosagem perfeita para um resultado bastante positivo.
Ainda assim, a quebra de intensidade é um ponto negativo dentro do EP, a queda súbita de ritmo não era esperada e desagrada em certa dosagem. No entanto, como já mencionado, o alívio vem com o fato desta também contemplar a melhor construção individual do projeto, pensando assim, talvez uma adição de mais material que pudesse dar uma maior gradação a essa mudança de velocidade, sanasse essa estranheza e soaria de menor impacto. De vez em quando o gelo derrete mais rápido do que o esperado e o drink sente um pouco disso.
Passando por todo caminho percorrido pelo EP, torna-se evidente o alto nível de performance técnica do MC, isso faz com que este quesito individual seja seu principal ponto de destaque. Assim como a capacidade de transformar o instrumental como ponto chave da narrativa é o grande trunfo do produtor.
Bem, sabe aquela cena que construímos no início da review? Obviamente que os meninos são Tonyyymon e Eddu Chaves, o copo de whisky com gelo de coco e energético em uma dosagem quase que perfeita é a sinergia exemplar que ambos tiveram na construção desse projeto, e o medley? O medley é o ótimo EP CACOS.
Melhores Faixas: Corre das Ruas e Guerra é Paz.