Review: Borges – Intocável

Esse disco é uma extensão de quase tudo o que Borges já apresentou em 2020, para algumas faixas, isso é um tremendo elogio, já para outras, nem tanto.

Borges tem feito bastante barulho nos últimos meses. Nas plataformas, o MC vem alcançando números cada vez maiores em seus singles e parcerias, principalmente após ser assinado pela Mainstreet Records. Na internet, por outro lado, a popularidade já lhe rendeu diversas dores de cabeça, indo de ameaças policiais e vazamentos de dados pessoais até o recente caso de xenofobia cometido por um rapper norte-americano. Por sorte, o MC se manteve firme diante dessas adversidades e agora estreia com Intocável.

Em relação a produção, é válido comentar sobre a vasta quantia de nomes assinando as batidas. Nagalli, NeoBeats, Ajaxxx, L3OZiN; a maioria desses produtores foram responsáveis pelos mais recentes sucessos do trap nacional, e a escolha deles para o álbum agregou muito para que ele soasse versátil, mesmo não tendo flows muito variados. Quanto ao desempenho do anfitrião, pode-se dizer que esse disco é uma extensão de quase tudo que ele já apresentou em 2020, para algumas faixas, isso é um tremendo elogio, já para outras, nem tanto.

Isso pode ser percebido em ‘Seu Lugar’, faixa que abre o projeto. Ela até conta com algumas linhas mais específicas abordando sua relação parental, mas toda a estética do som emula uma lovesong, incluindo a breve saída de Bin. É uma faixa que simplesmente não funciona como abertura de um álbum, ainda mais quando ela é sucedida por um som tão visceral quanto ‘Sodoma e Gomorra’, que também é, disparado, o melhor som do disco. Dos melancólicos acordes de violão ao sample da icônica cena de racismo em “Ó Pai, Ó”; da extremamente vívida performance de Borges aos versáteis flows e ríspidas linhas de BK’; e até ao memorável refrão, tudo nesse som comunica a revolta que nasce da violência policial.

‘Traidores’ e ‘Contando Dinheiro’ já são músicas mais simples, porém fazem uma boa transição para faixas mais irreverentes que tomam um espaço maior na segunda metade do projeto. Na primeira, quem rouba o holofote é Jess Beats, com seu grave potente e seus sintetizadores em constante urgência para impulsionar a entrega padrão de Borges. Já em ‘Contando Dinheiro’, é a dinâmica entre ele e Kyan que torna o som agradável. O refrão é bem grudento, como na maioria dos singles da Mainstreet, e é perceptível como ele e os versos também miram no público do funk – até pelo braggadoccio mais debochado dos dois.

‘O Tempo é Rápido Demais’ é a verdadeira lovesong do disco. A track ainda conta com um MC Cabelinho usando e abusando no autotune e nos adlibs para que seu verso dialogue com o suave loop de violão que conduz a batida. O anfitrião não faz feio, apesar de, em algumas linhas, ser um tanto confuso de identificar se ele está nostálgico ou ressentido em relação ao romance do passado. 

Se não existe nada eterno, por que eu não fui te esquecer? 

Nossa relação foi uma miragem, a finalidade só me faz sofrer 

Antes fazia quase uma semana, agora já faz bem mais de 1 ano 

Eu me acabando em vício e você não volta…

A partir desse ponto, as fórmulas de refrãos chiclete e versos sem variação de flow começam a dar sinais maiores de esgotamento. ‘Aonde Eu Sou Cria’, por exemplo, conta com um classudo loop de corneta na produção de WIU, mas acaba sendo desperdiçado pelos versos monótonos de Borges e NGC Daddy. As vozes até se complementam bem, mas em poucas barras, a faixa já se torna formulaica. Isso também ocorre em “Onda do Lança”, que mesmo tendo pouco mais de 2 minutos ainda consegue ser cansativa pelo seu vagaroso flow.

Como penúltima faixa do trabalho, temos ‘Preto de Gueto’ que, apesar de ter uma entrega mais intensa, é uma faixa extremamente genérica pela sua arrastada repetição dos termos “preto”, “negro” e “dinheiro”. Mesmo que duas ou três barras tragam aquela introspecção mostrada nos pontos altos do disco (Com 15 ano’ eu vi meu primo morto/ Na porta do caixa com duas refém), elas acabam se perdendo nos braggadoccios menos inspirados do MC. No entanto e felizmente, é a já lançada (e muito elogiada) ‘Lei Áurea’ que finaliza o trabalho, lembrando ao ouvinte que, quando quer, o MC consegue tecer críticas e reflexões com a mesma propriedade que já se espera de um rapper experiente.

Fazendo parte da Mainstreet, é muito provável que seu talento discursivo não será sobreposto à sua competência comercial. E talvez essa também não seja sua intenção, no momento. De toda forma, Intocável responde bem o porquê de Borges ter sido considerado como uma das grandes revelações de 2020. Algumas barreiras ainda precisam ser ultrapassadas, mas tudo nos leva a continuar apostando a seu favor.

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