Hiatos sempre geram apreensão entre os fãs de um grupo musical. Se, por vezes, eles são anunciados para que os integrantes possam se dedicar em suas carreiras solo, também é muito comum que eles ocorram pelas divergências criativas terem alcançado um ponto de saturação que, dependendo do caso, pode ser irreversível. Para a felicidade dos fãs do Start Rap, o hiato não foi um adeus, entretanto, e como já sugere o título do novo projeto, algumas coisas Não Tem Mais Volta.
A principal delas é a lírica. Mesmo que o grupo nunca tenha se proposto a entregar os versos mais técnicos ou reflexivos do mundo, sempre foi possível encontrar um bom punhado de linhas memoráveis nos trabalhos anteriores – principalmente em Fruto do Jogo. Isso sem falar das batidas atípicas e das inúmeras variações de flow e de tom que eram feitas, tornando os versos estimulantes e os refrãos extremamente grudentos. Mas, aqui é como se todas as características positivas do grupo fossem podadas para dar lugar a uma sobriedade cujo ápice criativo é a simples competência.
Isso não chega a ser sentido em ‘Não Tem Mais Volta’, que abre o disco e já é a melhor faixa do EP. O instrumental ter mesclado trap e raggaeton foi uma boa escolha, considerando as influências que o grupo tinha e o flow desacelerado que Sain desenvolveu desde então. As levadas de Faruck e Shok não destoam do que já foram e ainda são apresentados no trap do mainstream atual, mas ao menos comprovam que nenhum deles ficou preso no tempo. Não é a mais triunfante das faixas de abertura, mas é um começo bem vindo.
‘Chapa Chapa 2’, entretanto, é uma faixa que não apenas não consegue fazer jus a original, como ainda traz a sombra de todos os momentos mais inventivos do disco anterior para o restante do trabalho. Ela até começa bem com o sample, e por contrapor a batida caótica da sua inspiração com uma batida agora mais entorpecida (mas não menos descontente), mas a falta de cadências mais ousadas ou de uma abordagem mais original para o tema fazem com que ela só não seja esquecível por ser a continuação de uma faixa memorável.
O saldo dá mais uma queda em ‘Sexy Tape’ e ‘Muita Classe’. Não pelos instrumentais, que inclusive impulsionam (quando não disfarçam) o flow relaxado dos MCs, pelas baterias e hi hats espaçados fáceis de serem preenchidos por uma entrega mais acentuada, mas sim, o que torna essa dobradinha desinteressante, além da temática em si, é a sequência de bragadoccios e descrições sexuais que sempre afogam as linhas minimamente contemplativas que aparecem aqui e ali. É óbvio que a abordagem de Faruck e Shock tem um viés cômico, mas não é engraçado.
Felizmente, o projeto se recupera na segunda dupla do EP. Por mais que ‘Invejosin’ e ‘Rivais’ também abordem outro assunto massivamente citado no rap nacional, aqui, as piores linhas são, no máximo, genéricas. Um destaque merece ser dado ao instrumental de JP Diazz em ‘Invejosin’ que, além de usar um looping de saxofone semelhante ao da icônica ‘Dispiei’ (da Pirâmide Perdida), ainda acrescenta um potente grave durante o refrão para tornar a performance de Faruck ainda mais imersiva. Mas, quem rouba a track de fato é Sain que, além de fazer boas transições entre os flows, ainda entrega as barras que mais lembram o que o Start Rap tinha de melhor em seu auge.
E quem olha de longe vai falar que é fácil
Mas ninguém tava lá quando a corda apertou
Só os de fé, sabe o que que rolou
E é poucas ideias pra conspirador
Mas agora é só gelo na taça
Você sabe o que que passa, nada
Então não vem fazer graça
Cheio de mágoa na carcaça
Surpreendentemente, a última faixa é um solo acústico de Shock, dessa vez menos escrachado e mais honesto em sua entrega. O rap acústico continua sendo uma vertente um tanto divisível no cenário nacional, em especial pela abordagem mais palatável e pela breguice que escapa dos MCs. ‘Mais Louca Que Eu’ com certeza se enquadra nessas descrições, mas ela o faz com orgulho. E, considerando a forma descompromissada e autoafirmativa que o grupo falava (e falou minutos antes) sobre relacionamentos, é no mínimo louvável escutar um Shock mais aberto emocionalmente.
Ao final do projeto, o sentimento que fica é misto. Pois, o EP é bem feito, as batidas são competentes em relação ao que é produzido hoje e todos os membros parecem confortáveis no que se propõem. Mas, é impossível ignorar a discrepância criativa entre o Start do presente e o Start do passado – principalmente nos momentos em que ele é vagamente ou diretamente mencionado.
Depois de anos sem nenhum lançamento, as expectativas de um grande retorno do grupo foram caindo vagarosamente, ao passo que a sonoridade no mainstream e no under carioca continuaram a todo o vapor. E, agora que finalmente temos um trabalho sinalizando a volta do Start, é sensível como os tempos mudaram. Mesmo que o saldo de Não Tem Mais Volta ainda seja positivo, a contradição entre a volta do grupo e o nome do projeto acaba um tanto amarga. Que a próxima volta recupere o fôlego da primeira.
Melhores Faixas: Não Tem Mais Volta e Invejosin.