Review: Attlanta – Futuro II

A produção em Futuro II serve de palco para muitos flows interessantes mas poucas rimas que chamam a atenção.

Já é lugar comum falar que Minas Gerais, hoje, é berço de tantos talentos do nosso hip hop. Mas enquanto muitos se destacam por suas rimas, Attlanta despontou através dos seus beats. Nos últimos anos a produtora mostrou um domínio e entendimento da sonoridade do trap, assinando bons instrumentais tanto no seu primeiro projeto, FUTURO, quanto em participações em canções de nomes do trap brasileiro que vinham se destacando. Agora, em FUTURO II, ela aposta novamente em convidados de peso enquanto mostra sua flexibilidade artística.

De primeira, é possível notar que essa flexibilidade não fica apenas nos beats. O projeto segue um conceito de dois opostos: Dia e Noite, tendo sido lançado na forma de dois EPs. No lado ensolarado do projeto, o primeiro raio de sol é ‘Vingativa’, com participação de Tasha & Tracie e Cristal. Casando com o beat, com influências do funk, as MCs rimam bragadoccios sexuais e dinheiro de forma divertida. O destaque com certeza é pra Tracie, que não só lança um verso potente, mas também flutua no beat mudando seu flow de forma energética.

Já em ‘Bitcoin’ aparece Thai Flow, com um verso seguindo uma linha de raciocínio já bem conhecida do trap, falando sobre adversários, dinheiro e outros elementos comuns ao estilo. O beat é puro trap, com snares e hi-hats bem colocados ao longo da faixa e um loop de piano interessante de fundo. Na sequência ‘Sem Jogo’ mistura o trap com R&B numa música sobre sexo disfarçada de lovesong, com letras sem muita criatividade. Esta se salva principalmente pela boa entrega nos vocais de Paige, que mesmo com o autotune, não soa tão repetitivo quanto o verso de Guhhl, que deixa a desejar justamente por soar cansativo demais no uso dos efeitos vocais.

Como se é esperado de projetos focados para o trap, muitas das tracks são curtas, com apenas quatro das dez faixas passando de 2 minutos e meio. Aqui, porém, isso não se torna um problema, já que Attlanta sabe muito bem o momento certo de parar e partir pra próxima ideia antes de deixar a música soar repetitiva demais. Um dos destaques da parte noturna, ‘Habbib Drip’, por exemplo, tem menos de 2 minutos e por mais que dê vontade de que a faixa fosse maior, o conceito dela é bem explorado e sua pouca duração faz com que o replay seja quase que instantâneo. Por outro lado, na já citada ‘Sem Jogo’, parece que os artistas convidados não sabiam muito pra onde seguir, e nesses casos também é melhor deixar que a faixa termine logo do que fazer ela se estender sem necessidade.

Ao longo do projeto o maior destaque são sem dúvida os beats – afinal, esse é um projeto de uma produtora – mas em ‘Vampiro’, mesmo com o ótimo beat de drill, é a participação de Breezy que mais chama a atenção, com ótimos flows e boas rimas que fazem referência ao conceito do disco (Vampiro, cuidado com o sol, eu brilho / Você tá achando que é Blade, é fake). Já em ‘Vogue’, um beat clássico de trap, com direito a sample de flauta e um 808 potente que aparece apenas quando necessário em meio aos hi-hats, Rodrigo Nick se destaca ao mudar de flow diversas vezes em versos que falam de dinheiro, inimigos e mulheres.

A diferença nas capas deixa óbvia a separação entre Dia e Noite, e sonoramente o disco faz distinções sutis entre os dois lados. Na abertura da parte da Noite, por exemplo, Yunk Vino aparece em ‘Bands’ com um verso interessante pelo seu flow, sobre um beat soturno que se adapta bem ao estilo do MC. ‘Festa Na Vila’, com Dababi212, é um dos pontos mais altos, principalmente pelas boas rimas do rapper e pelo instrumental animado, que mescla sample de saxofone com um baixo simples mas viciante.

Outro elemento sonoro que aparece mais em um dos EPs é o 808, que aparecia quase que envergonhado no Dia e realmente se revela na Noite. Em ‘Habbib Drip’, Attlanta serve um beat frenético e animado com este 808 se mostrando potente e agressivo para que Young Ganni possa se divertir experimentando flows que imitam cantos árabes e colocando bom humor na sua letra. O estilo pesado de produção se repete em ‘157 de Estilo’, encerramento do lado Noite, com uma ótima participação de Babygirltrap que se solta e também se diverte.

Um dos maiores problemas do disco está na criatividade e diferenciação de suas letras. Enquanto MCs como Tasha, Tracie e Dababi212 conseguem trazer criatividade pras suas rimas sobre dinheiro e outros temas do lifestyle do trap e MCs como Young Ganni e Babygirltrap trazem bom humor e energia, muitos outros deixam a desejar com rimas manjadas sobre inimigos e invejosos. ‘Exterminador’, por exemplo, tem um beat simples, perfeito para boas rimas, mas é desperdiçado pela participação de Big Rush, que solta linhas como “Ela me chama até de remédio / Porque a dor no peito dela eu curo”. Nem o flow, ponto forte de outros artistas da tape que também não tiveram linhas muito marcantes, é interessante na track.

Como é de se esperar, afinal, é um projeto de uma beatmaker, são os beats de Attlanta que sem dúvida fazem o disco valer a pena na maioria das faixas. A produção em Futuro II serve de palco para muitos flows interessantes mas poucas rimas que chamam a atenção, mostrando que um disco de quem muitas vezes fica ofuscado, os produtores, é de extrema importância pra cena do trap, que avança mais por mérito de seus instrumentais do que dos próprios MCs.

Melhores faixas: Festa na Vila, Habbib Drip, Vingativa e Vampira

 

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