Review: Rod – Coisas Que Realmente Importam

A maioria dos lampejos de criatividade ficam apagados pelos braggadocios e frases motivacionais de qualidade duvidosa

“Voltar para si mesmo” é um conceito que se faz presente na discografia da maioria dos MCs, em especial dos que tiveram que fazer certas concessões para ascenderem comercialmente. Costuma ser o momento onde o artista reavalia a própria trajetória, pesando os erros e acertos para então retornar confiante nos próximos passos. O problema é que se autoavaliar não é uma tarefa fácil. E um braggadocio mal colocado pode diluir a introspecção apresentada, ao ponto dela soar incompleta ou até insincera para o ouvinte. Coisas Que Realmente Importam é mais um exemplo disso.

Nos momentos onde Rod revisita seu passado, é possível sentir alguma diferença entre essa mixtape e as outras duas, lançadas após o início do hiato do 3030. A seleção de beats até contribui nesses momentos, pela familiaridade que certos loops e progressões de corda e de piano possuem com o boombap dos anos 2000, mas também acaba mantendo o anfitrião numa zona de conforto da qual ele já não costuma sair. Por conta disso, a maioria dos lampejos de criatividade ficam apagados pelos braggadocios e frases motivacionais de qualidade duvidosa.

Nas primeiras duas faixas, isso ainda é razoavelmente baixo. Mesmo não começando bem, ‘Vida de MC’ ainda consegue ser interessante pelo bom uso de rimas com verbos, no primeiro verso, e pela aparição do violino e dos scratches ao longo do segundo. O que prejudica a faixa é o seu refrão, que além de ser repetitivo ainda é performado sem nenhuma variação na entrega. ‘Imortal’ já começa a seguir o teor motivacional pelo qual Rod é conhecido, mas ainda se mantém acima da média pelo bom instrumental de Skeeter, cujos elementos de piano lembram seu estilo de produção durante as mixtapes do Rashid. Das referências musicais apresentadas, essa é a que mais agregou ao trabalho.

A partir desse ponto, as faixas já começam a caminhar para qualquer direção. ‘Quem Eu Sou’ começa e termina sendo apenas um acúmulo de autoafirmações clichês sobre ter sucesso profissional; e ‘Baby’ é a típica lovesong que descreve mais uma excitação sexual do que um relacionamento. Drizzy chega a fazer um bom trabalho ao encorpar o loop de violão e os graves suaves com o seu canto carregado no autotune, mas a track soa tão distante das demais que o título da tape já não parece fazer sentido.

Ela é imensidão, borra o seu batom

Nem me queixo. Ela deixou o meu queixo no chão

Dispensa comentário e apresentação

Ela demonstra habilidade do colchão pro chão

Chamo ela pra ficar. Ela diz que tá com pressa

Tem chiclete no seu cabelo, gata? Corta essa

‘Rápidas Reflexões Sobre a Fama’ é a maior decepção do disco. Considerando a transição que ela faz para a enérgica ‘De Bandana’, a faixa poderia representar o ponto de virada de todas as ponderações apresentadas até então, caso elas fossem minimamente desenvolvidas aqui. Como isso não acontece, tem-se a confirmação de que o trabalho não possui um lugar para chegar, junto a mais um punhado de linhas genéricas sobre alguém que, aparentemente, ainda não sabe lidar com o próprio sucesso (A fama não é tão legal quanto eu pensei que fosse).  

Por outro lado, ‘De Bandana’ conta com as melhores punchlines do anfitrião no projeto, usando um flow mais dinâmico para acentuar suas rimas junto aos graves do beat, e depois dando espaço para a ótima ponte de Guhhl e o verso de DK 47. Infelizmente os problemas no refrão aparecem mais uma vez aqui, pois Rod tenta emular um flow próximo ao que Eminem e 50 Cent faziam, e o máximo que consegue é soar parecido, por não ter o mesmo nível no desempenho vocal.

O collab com o lendário The Game também resulta em mais uma faixa inexpressiva, pois a forma como Rod se porta em faixas de estilo livre raramente condiz com o nível do que ele apresenta na prática. Linhas como “eu sou foda, os outros são só boquete” não soam viscerais ou subversivas, soam como alguém que, depois de ouvir muito rap americano, começa a querer forçar os trocadilhos de lá sem muita noção das diferenças entre as duas cenas. E isso não resulta em boa música.

De toda forma, o trabalho volta aos eixos em ‘Lágrimas’, onde tanto o anfitrião como os convidados parecem estar na mesma sintonia para narrarem as próprias vitórias na caminhada, sob a bela progressão de piano de Sativo Beats. Quem mais se destaca é Rashid, cujo equilíbrio nas rimas internas e na construção do verso conclui de forma satisfatória o conceito do disco, abandonado nas tracks anteriores, para então ser preenchido pela saída de Nyna e o solo de sax.

Se Rod levasse o seu processo de autoanálise mais a fundo, a maioria dos elementos no projeto funcionariam melhor: as quedas seriam realmente identificáveis, as dúvidas seriam instigantes e a subida conseguiria ser verdadeiramente triunfal. Não é por acaso que os trechos mais memoráveis são ‘Imortal’ e ‘Lágrimas’, pois são neles onde o rapper mais se permite ser algo além do rimador de sucesso. Eram de faixas assim que a mixtape precisava, e não de autoafirmações e referências que obviamente não importam.

Melhores Faixas: Imortal e Lágrimas

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