Review: Monna Brutal – La Janta

O resultado acaba se comprometendo à medida que recursos param de dialogar, e os vícios em cada um deles começam a aparecer.

Quando Monna Brutal estreou com 9/11, já tínhamos uma artista com uma identidade muito bem definida: sua lírica fugia do senso comum, pois denunciava formas de opressão que a maior parte do rap e da sociedade ainda finge não existir; e sua entrega também apresentava boas variações no flow e na impostação de voz, o que tornava suas barras ainda mais potentes. Mesmo que o disco apresentasse falhas ocasionais em como esses elementos eram dispostos, já era possível sentir aquele “eu tenho algo a dizer” que nem todo MC consegue transmitir logo de cara. Mais de 2 anos depois e esse sentimento continuou pulsando em 2.0.2.1. Lado A, em especial pelo teor confessional do projeto, que complementava, mas também humanizava o lado mais combativo de seu vulgo. 

Encurtando agora o espaço de tempo entre os projetos, e tendo novamente a sua produção assinada por FR3LEX, Monna lança a mixtape La Janta. Nomeá-la como mixtape não parece ser mero acaso, pois é nítido que suas 7 faixas não apresentam as mesmas ambições conceituais que seus álbuns anteriores. Do ponto de vista da MC, foi uma boa decisão apresentar uma faceta mais despojada e aberta a um braggadocio de freestyle ou uma levada puramente estética. O resultado, no entanto, acaba se comprometendo à medida que esses recursos param de dialogar e os vícios em cada um deles começam a aparecer; o que infelizmente acontece no avançar da maioria das tracks.

‘Sauce & Juice’, primeira e melhor faixa de toda a tape, já sugere isso. Ela começa muito bem, principalmente pelo seu refrão, que mescla uma entrega mais espaçada e recheada de dobras com os graves de tamborzão para que o tom autoafirmativo se mantenha o tempo todo. O problema é que o braggadocio dos versos são visivelmente inferiores, seja na escolha de rimas ou até na performance vocal, que já no segundo verso aparenta uma certa falta do que dizer para desenvolver o som. Isso não chega a ficar incômodo graças às variações nos flows e nos ad-libs que acontecem por todo o som, mas são as 4 barras do refrão o verdadeiro cartão de visita do disco.

hm-hm, Joga a polpa. Tá chovendo sauce & juice

Bonde das maldita. Não gostou, reclama pra Jesus.

Puto, cala a boca e foca na minha cussy

Controle sua boca ou noiz vai te afogar na jacuzzi

 Ainda nas tracks que se sobressaem nas dinâmicas com os beats, temos  ‘P.Q.Q.F’ e ‘Plaquê’. Na primeira, Monna usa um flow acelerado com diferentes impostações de voz para que as cadências preencham o minimalismo do beat, sustentado pelo loop de trompa com um sintetizador abafado. Já na segunda, é o teclado bem no estilo gangsta fazendo par com os graves e hi hats inconstantes que potencializa a levada mais uma vez acentuada da MC. Infelizmente algumas das suas transições de flow acabam soando extremamente abruptas, ao ponto de irem contra a musicalidade do que vinha sendo construído, e denunciarem mais uma vez a caneta seca. 

A partir daí, começam as repetições temáticas e estéticas do disco. De modo geral, há um constante e pertinente apontamento para os “putos” e “paquitas” que vivem alienados em seus privilégios hétero-cis normativos, principalmente os que o fazem do alto de seus prédios, mas ele sempre estar soterrado de punchlines sobre jantar o beat, querer ser bem paga e honrar o Erreapê impede que qualquer comentário saia do lugar comum que a própria Monna estabelece. ‘Eu Não Quero Seu Boy’ é a definição de tudo isso e mais um pouco, pois ela ainda conta com um beat pouco chamativo, e a performance (inicialmente bem marcada) vai chegando cada vez mais perto de desafinar à medida que o fôlego vai acabando.

 ‘Plaquê’ e ‘Paquita Biscuit’  também acabam se encaixando nessa categoria, mesmo sendo de longe as que mais se esforçam em desenvolver suas críticas. Se linhas como “Meu rap nunca foi sua mercadoria/ Eu tava apostando fichas, enquanto o mercado ria” ganhassem mais espaço durante os versos, a acidez das outras punchlines teriam tido maior potência, e a orelhada nesses ouvintes não comprometidos poderia ser mais frutífera. Mas da forma que foi feito, é o excesso de rimas com substantivo e flipadas no flow que mais chamam a atenção. É inegável que o speedflow, muitas vezes utilizado pela rapper, é só mais um entre tantos outros recursos: se nas batalhas de rima ele daria a possibilidade de deixar o adversário sem tempo de reação, aqui ele é sempre distrativo.

Finalizando o disco, ‘Chefa’ e ‘Gangsta Shit’ tentam ser as bangers finais, e verdade seja dita, a produção de Freelex realmente consegue acertar ao beber do drill para remontar o clima sombrio do projeto anterior. ‘Chefa’ se beneficia muito pela relativa constância do flow, que sempre reserva algum espaço para que o final das barras consiga bater junto com as viradas na bateria, mas novamente os méritos são sobrepostos por uma saída com rimas desinteressantes e respiros mal distribuídos. Isso chega a ser estranho, por ser o tipo de coisa que alguns takes a mais conseguiriam resolver e dar o devido impacto a linha final.

Rude gyal, bomboclat. 

Do puto don dadda. 

Especialista em jogar rima na cara. 

Tipo o som da Brisa, jogadora cara. 

Meus rap dispara nele igual arma. 

Qual foi meu bem? Porque choras tanto babaca ? 

Fiz essa daqui somente pra poder tremer barraca. 

Jova eu tô em casa. 

E pra Playboy, quebrada é só da sacada 

 

Esse problema é ainda mais incômodo em ‘Gangsta Shit’, cuja temática novamente se enquadra em ficar tirando sarro dos boys e gangsters de estúdios que você encontra aos montes no rap. Sim, de novo. Fica até difícil de elogiar a guitarra e os hi hats macabros que comandam o beat, pois absolutamente todas as ressalvas no que se refere a entrega de Monna se encontram aqui. Como resultado, o final do disco acaba sendo cansativo, mesmo ele tendo menos de 20 minutos. 

Isso posto, o que mais prejudica La Janta não é a sua despretensão conceitual, mas sim a performática. Relegar uma artista a expor apenas as próprias feridas seria extremamente desumanizante, e nesse aspecto, a mixtape ainda marca um importante passo na breve discografia da MC. Mas o número de vezes em que ela diz estar fácil rimar em cima dos Beats de Freelex sugere que essa facilidade só a colocou numa zona de conforto, que pelo menos aqui, não trouxeram faixas memoráveis. É preciso buscar um meio termo.

 

Melhores faixas: Sauce & Juice e P.Q.Q.F.

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