NA AGULHA #04: Metade do ano já foi, mas o que vem por aí?

Se tá ansioso, aproveita pra conferir muita coisa boa que rolou ainda esse ano

Tá ansioso pro que 2022 tem pra gente no restante do ano? Então aproveita pra conferir muita coisa boa que rolou ainda esse ano (e uma do finalzinho do ano passado). Tem Enme, Síganus, Lupe Fiasco, Gabiro e Clara Lima com Theo Guedx.

Enme – Atabake

Por Ravi Freitas

A música da maranhense Enme é como a chuva: às vezes suave como uma garoa e às vezes tem a força e a intensidade de uma tempestade. Atabake é a prova disso. Por mais que seja seu primeiro álbum (a artista tinha apenas um EP lançado em 2019), é notável do começo ao fim a qualidade do projeto: na escrita, na produção e até na montagem.

Aliás, a produção é algo importante de se destacar: a mistura das sonoridades de ritmos latinos e negros é sempre bem feita, como em “Som da Liberdade”, música de abertura do disco e que conta com produção dela própria (junto de Adnon Soares). Um dos destaques com certeza é a música “Magia Negra”, com participação da incrível rapper paraibana Bixarte, que tem alguns dos melhores versos do projeto. “Inflama”, que encerra o projeto, é uma clássica “posse cut”, mas com uma vibe bem mais dançante que o comum.

O maior trunfo, porém, da música de Enme, é a forma incrível que ela aborda ritmos nordestinos. Na sequência “Atabake”, “Dama da Quebrada” e “Kebra”, (com produção de Enme, Brunoso e Adson na maioria dessas faixas) ela traz uma sonoridade que agrega ao pop, mas sem abrir mão da autenticidade e da modernidade. O pagodão e a guitarra baiana, o brega-funk recifense e o carimbó maranhense se misturam em uma experiência dançante e de altíssima qualidade. Assim como a chuva, não importa de onde você vem: todo mundo vai se molhar.

Lupe Fiasco – Drill Music in Zion

Por Lucas Inácio (Redescobrindo o Rap)

No fim de 2021, Lupe Fiasco se desafiou a fazer um álbum, do zero, em 24 horas. O desafio não foi alcançado nesse tempo, Lupe sentiu os efeitos da exaustão e precisou de mais dois dias para terminar o processo de criação de letras, beats (com seu antigo parceiro Soundtrakk), gravar as 9 faixas mais a tradicional intro de sua irmã Ayesha Jaco que abre quatro de seus sete álbuns.

A produção foi feita, já o lançamento precisou de seis meses para ser conhecido pelo público. Drill Music in Zion, ao contrário do que o título sugere, passeia entre o rap jazz, alguns traps e nenhum drill – o que seria intrigante. Mas aqui a referência é Matrix Revolutions e a invasão das máquinas à cidade dos humanos (Zion) utilizando furadeiras (drills) gigantes.

Lupe entra em nossa mente de forma menos agressiva que brocas colossais, mas com mensagens e críticas mais explícitas que seus trabalhos geralmente metafóricos como “Drogas WAVE” ou “Tetsuo & Youth”, e isso não tira em nada o charme do trabalho. Críticas líricas permeiam o trabalho que questiona falas homofóbicas de líderes religiosos, às constantes mortes de rappers e como a indústria usa isso para lucrar. Lupe trazendo reflexões como sempre.

A princípio, desafios, do tipo o qual Lupe se propôs, tendem a ser mais uma curiosidade do que algo a se levar em consideração na avaliação de um álbum. Mas ao entregar uma obra tão coesa e cheia de qualidade em 72 horas, Lupe mostra que domina como poucos o rap. Quem sabe a grande metáfora está no fato de que grande parte do público dorme ao não ver e reconhecer o tamanho do MC de Chicago que, há 20 anos, trabalha dia e noite para ser um artista cada vez melhor.

Síganus – Beco

Por Ravi Freitas

É fácil pegar um ritmo que vem de fora e apenas replicar sua estética e sonoridade. Mas para os artistas que vão além, isso nunca é suficiente. A dupla Síganus, formada pelos rappers Deds e DaNova, vem do Rio do Grande do Sul misturando o UK Drill com elementos brasileiros. Mas enquanto o “eixo da popularidade” se limita a união com o funk, o grupo também traz umbanda, percussão de carnaval e samba. E isso vai bem mais além do que pode aparentar só um “truque de novidade” pra alguns.

A faixa que abre o projeto, “Samba-Drill”, com produção de Jay Gueto (que tem duas produções no EP), entrega no nome os principais elementos dessa união. Porém aqui a estética é extremamente brasileira: nada de balaclavas e casacos, mas sim futebol nos campinhos com nossa camisa amarela. “Beco”, um dos pontos altos do projeto, principalmente pelos versos, fortalece tudo isso. “Crimes”, produzido pela DJ e produtora Gau Beatz, traz de volta a essência mais sombria do drill (principalmente pelo ótimo verso do MC DaNova), enquanto “Baile” fecha tudo com a vibe de diversão e festa (mas também o depois das noites de baile).

“Beco” é uma história de vivência e de criatividade. E também mais uma prova da qualidade da música que é absorvida pelos nossos ritmos com bem mais naturalidade pelo underground do que pelos grandes nomes que você já ouviu por aí.

Gabiro – Histórias da Rua de Baixo

Por Ravi Freitas

Enquanto muito do que ouvimos do trap no mainstream tem a influência de quem tá fora, é no underground que algumas das influências são levados ao extremo na criatividade, na originalidade e na autenticidade. E autenticidade é algo que não falta na música de Gabiro, rapper de São Paulo.

Apesar do projeto ter sido lançado no fim de 2021, é possível ouvir na música do artista variedade de ritmos e vertentes do trap, tudo com uma variedade de flows imensa. Enquanto alguns sons tem uma sonoridade similar ao que se escuta no lado mais pop do estilo, como “Medicamentos”, incluindo os assuntos similares, e a faixa “Pensamentos”, que faz a clássica mistura com funk (mas indo muito além na caneta), outros como “Deu a Hora” puxam uma vibe mais lo-fi, com influência plug, e a faixa “38G” (com produção do próprio rapper) brinca com o que vem de Detroit e muito mais (incluindo um refrão pegajoso).

Enquanto muito se discute, principalmente na internet, sobre quem faz primeiro ou quem copiou quem, não faz diferença quem começou a fazer esse ano ou quem faz há anos: bom mesmo é saber quem faz bem. E Gabiro é com certeza um artista que merece atenção pela forma que faz trap.

Clara Lima & Teo Ghedx – Som Que Vem Da Alma

Por Redação Inverso

Todo bom artista em algum momento passa por um momento de reinvenção. Independente do resultado da experiência, seja positivo ou negativo, ela leva a um novo momento na carreira que pode guiar os próximos passos. “Som Que Vem Da Alma” é um o novo projeto da mineira Clara Lima, que aparece agora com uma vibe mais suave e acústica pra sua caminhada.

Com produção do paulista Teo Guedx, o disco mistura toques da música brasileira como samba, mpb, sem abrir mão de ter uma alma hip-hop em alguns momentos (como os sintetizadores a la G-Funk dos anos 80 em “Querendo Vida”). Na faixa que dá nome ao disco, Clara expõe o momento em que ela está vivendo, sem medir papas nas língua, mas a agressividade com que ela coloca algumas ideias contrasta com a suavidade da melodia.

O novo passo da artista, com uma pegada mais pop, parece a direção de alguém que está cansada de ser alvo de dúvida sobre suas chances de sucesso. Mas quem tem dúvidas sobre a qualidade de Clara pode conferir que, mesmo fora da caixa que muitos tentaram colocar ela, a criatividade dela ainda tem muito pra oferecer.

A Inverso é um coletivo dedicado a cultura Hip Hop e o seu lugar para ir além do comum.