Joey Badass voltas às suas origens em 2000, sequência de sua primeira mixtape

O impacto desse disco é capaz de se comparar ao de seu primeiro projeto?

Não é novidade para nenhum fã de Joey Badass que o rapper é fissurado pela era noventista, que brindou o gênero com MCs e projetos geniais, eternamente idolatrados dentro da cultura hip-hop. Já em sua primeira mixtape, 1999, o rapper de Nova York não só demonstrou que aprendeu passo a passo como resgatar a estética dos anos 90, como desenvolveu seu próprio estilo e sonoridade, isso tudo com apenas 17 anos. Dez anos depois e já no seu terceiro álbum de estúdio, Joey lança 2000, com o objetivo de voltar às suas origens, agora muito mais experiente, na intenção de resgatar com sucesso aquele mesmo sentimento que o levou a ser chamado de “salvador do rap”.

Os singles desse álbum são ótimos recortes, pois são os momentos mais profundos do disco como um todo. Em “Head High”, surge suas primeiras reflexões sobre sua vivência e como a morte de amigos e pessoas próximas o fizeram valorizar mais seu tempo em vida. Ele também menciona o polêmico rapper XXXTentacion, com quem teve um curto e intenso relacionamento, como exemplo de jovens que morreram antes mesmo de poderem aproveitar os frutos de seus trabalhos.

Outro single importante, tanto para o disco como para o MC, é “Survivors Guilt”. Difícil se lembrar de algum momento de sua carreira, onde o rapper demonstra tanta vulnerabilidade, culpa e remorso como aqui. É um tributo a seu primo Junior B (que também gerenciava suas turnês) e Capital Steez, seu amigo e co-fundador do coletivo/gravadora Pro Era. Joey usa a música de forma terapêutica, para contar como foi para ele falhar em entender o momento de Steez, que sofria um quadro grave de depressão que futuramente o levaria ao suicídio. Porém a faixa finaliza com um tom otimista de ciclo fechado, dando a entender que ele finalmente aprendeu a lidar com a perda de seus dois amigos.

Embora a densidade do disco se restrinja apenas aos dois primeiros singles, a missão de executar bem o sub-gênero segue intacta com as três faixas mais pulsantes do projeto, “Make Me Feel”, “Eulogy” e “Show Me” se destacam tecnicamente, ostentando um controle de flow excepcional e uma performance vocal que veio direto dos highlights do seu último disco, ‘ALL AMERIKKKAN BADA$$’, deixando bem claro que o rapper só fez evoluir após todo esse tempo fora dos estúdios.

As colaborações seguem o controle de qualidade dos versos, muito bem escolhidas, nos proporcionando uma diversidade que complementa a experiência de forma necessária. Diddy aparece duas vezes, na abertura, “The Baddest” e no fechamento “Written In The Stars”, demonstrando ser uma espécie de mentor. Westside Gunn replica a mesma qualidade e sintonia que ambos tiveram em colaborações anteriores na faixa “Brand New 911”. Outra combinação que se encaixa perfeitamente na proposta é JID, em “Wanna Be Loved”. A dupla dispõe de uma harmonia tão incrível que merecia até mesmo um EP no futuro.

A lista de participações seria 10/10 até aqui, mas houve algumas exceções, como em “Welcome Back”, com Chris Brown e Capella Grey, que até se comportaram bem vocalmente, mas o excesso de auto-tune e uma sequência com barras de qualidade duvidosa acabaram transformando a faixa em uma balada brega. “One Of Us” não chega a ser uma música ruim, mas tanto Joey quanto Larry June não apresentam nada além do “feijão com arroz”, deixando o destaque todo para a produção nostálgica que lembra os bons beats do começo dos anos 2000.

Falando em produção, grande parte do destaque vem dos rapazes que fizeram um trabalho exímio nos bastidores. Seis, das quatorze faixas do disco, foram produzidas por Statik Selektah, que é um parceiro de longa data do MC. Chuck Strangers também participou da obra em duas oportunidades, o restante foi dividido entre novos e promissores produtores, sendo um deles Kirk Knight, que surgiu junto com Bada$$ na Pro Era.

A sofisticação na escolha dos instrumentais é de muito bom gosto, que desperta no ouvinte a sensação de estar ouvindo uma sinfonia old-school. Pode-se afirmar que a missão de transportar toda aquela estética noventista para os dias atuais foi cumprida com sucesso, sendo capaz de ocasionar um turbilhão de sentimentos como relaxamento, êxtase, vazio… É de fato um projeto com um valor de replay imenso.

O maior ponto negativo do projeto é a falta de inovação e o potencial inexplorado. Nada aqui é novo para quem já conhece a carreira do rapper, e apesar do notável amadurecimento musical, ele está pisando em terras bem conhecidas, pela qual já passou algumas vezes. Tirando as músicas na qual ele cita Capital Steez e X, o projeto é ligeiramente raso, pois boa parte do que se ouve nas barras é que Joey está colhendo os frutos de seu trabalho, que ele é bom nas rimas, que ele tá fazendo muito dinheiro e coisas do tipo. Não que isso seja de todo negativo, pois é possível fazer boas músicas sem ser necessariamente substancial, mas fica claro que ele tem um potencial a ser explorado quando se trata de assuntos mais sensíveis.

A pergunta que fica é, o impacto desse disco é capaz de se comparar ao de sua primeira mixtape, que é seu melhor trabalho até aqui? Pode-se dizer que sim, guardando suas devidas proporções. Em 2012, Bada$$ era apenas um jovem promissor que impressionou o mundo com sua energia, capacidade e estilo. Dez anos depois ele continua com as mesmas virtudes, porém mais maduro, mais original e com uma sabedoria musical que merece ser destacada.

Melhores faixas: Survivors Guilt, Head High, Zipcodes, Make Me Feel, Show Me e Eulogy.

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