Schoolboy Q, BlueLips – 9

Pai de menina, Gangsta e Jogador de Golf.

Q nasceu em uma base militar americana na Alemanha em 1986. Sua mãe era militar e seu pai nunca esteve presente. Após deixar a carreira militar, sua mãe foi para Los Angeles recomeçar a vida. Assim como a maioria dos garotos de L.A, Qwop queria ser jogador de futebol americano e se dedicava muito ao esporte. Ele até conseguiu certo destaque durante sua infância e adolescência, mas foi nesse momento em que as coisas começaram a mudar. 

Ele cresceu em South Central, Los Angeles, mais especificamente na 52th Hoover Street. Assim como praticamente todos os cantos de South Central, essa localidade é também dominada por gangues, sendo a mais famosa e infame delas, a Hoover Criminals/Crips. 

Os Hoovers inicialmente eram parte integrantes dos (Rolling)  Crips, maior gangue da Califórnia e uma das maiores dos EUA, porém, assim como outros ‘sets’  (quebradas) acabaram se desvinculando e se tornando arquirrivais dos (Rolling) Crips, após uma série de desavenças que muitas vezes terminaram em violência e morte. Esse cenário de guerra acabou influenciando o jovem Q, que se tornou oficialmente membro dos 52th Hoovers ainda em sua adolescência. Após alguns anos envolvido, Q acabou sendo preso e sentenciado a prisão domiciliar. E foi por causa dessa prisão que ele começou a rimar.

“Eu estava em prisão domiciliar… Nessa época o 50 Cent estava sempre na TV e eu decidi tentar aquilo“. Q em uma entrevista com Kevin Hart. (2024)

No começo, ele mesmo admite que não era bom em rima, mas mesmo assim a galera da TDE sempre o incentivava. Usando a mesma disciplina que já lhe era familiar nos tempos de atleta, ele nunca desistia e foi sendo lapidado. Q passava cada vez mais tempo no estúdio e cada vez menos tempo nas ruas (mesmo ligado à elas). Se Jay Rock era o mais experiente, Kendrick o mais promissor e Ab-Soul o mais ‘filosófico’ da galera, Q era o mais gangsta. Porém, de um jeito diferente. Quando se pensa em gangsta rap da Califórnia, a primeira coisa que se pensa é N.W.A e a segunda é G-Funk (Snoop, Warren G entre outros). Bem, Q não soava nada como eles. 

É claro que vindo de onde veio, a influência West Coast se faz presente, mas se você ouve os Mcs de lá e os compara com Q, percebe-se a diferença de estilo. O MC preferido de Q é Nas, que não é de Compton. O produtor Alchemist, apesar de ser californiano, não faz um som nada parecido com os leads sonoros de Daz Dillinger e que não tem também o bounce de DJ Mustard, é um dos produtores preferidos de Q.

Schoolboy Q Announces 'Blue Lips' Album: Watch the Trailer

Linha do tempo de Groovy Tony

Oxymoron (2014) é ainda ótimo. A primeira faixa do álbum, Gangsta, dita o tom de quem Q é. Aliás, ele está na conversa como um dos melhores ouvidos para selecionar intros! 

Me diz qual “gangsta GANGSTA” de L.A teria coragem de fazer algo que soe tão diferente como ‘Los Awesome’ ou ‘Collard Greens’ ? 

Essa não é uma resenha sobre esse álbum, mas fica aqui o reconhecimento.

Blank Face LP (2016), é um filme – literalmente. O (incrível) álbum foi lançado com uma série de projetos audiovisuais insanos. Realmente rolou um curta metragem com Q e os caras da sua quebrada. Não vou dar spoiler sobre o roteiro e sugiro que o assista no Youtube. Apesar de ter sido ovacionado pelos críticos, essa foi a primeira vez que Q não teve tanto sucesso comercial. 

Essa não é uma resenha sobre esse álbum, mas fica aqui o reconhecimento.

Q e Mac Miller

Em 7 de setembro de 2018, Mac faleceu devido a uma overdose de fentanyl. Mac já havia rimado e comentado sobre seu constante uso de drogas, em outras ocasiões. Na faixa “D.R.U.G.S”, de Ab-Soul (2016), ele aparece na intro dizendo que “eu não consigo me controlar, acho que preciso de ajuda“. 

Pausa pra emoção…

A morte de Mac pegou todo mundo de surpresa. Era impossível não amar Mac. Dos amigos mais próximos de Mac, Anderson .Paak, Thundercat e a galera do The Internet, Schoolboy era o mais próximo. Schoolboy Q e Mac Miller eram inseparáveis. O que parecia uma conexão improvável, acabou se tornando uma grande parceria. Nas palavras de Q: ‘Mac era o quinto integrante do Black Hippy’.

Enquanto todo mundo usava as redes sociais para demonstrar seu respeito e carinho, Q permaneceu em silêncio, o que gerou uma certa preocupação dos fãs pois todos sabiam da conexão entre os dois. Foi preciso Punch, um dos executivos da TDE, ir ao twitter comunicar a todos que o rapper estava bem. 

Assim como Kendrick disse em 2022 na primeira faixa de Mr. Morale e The Big Steppers, Q também sofria o luto de forma diferente. Perder um amigo tão próximo de uma forma tão repentina realmente mexe com a cabeça de alguém.

Crash Talk (2019), por motivos de força maior, vamos passar pano para esse trampo medíocre. Numb Numb Juice e Attention são boas faixas, mas o restante do álbum não está aos pés dos outros projetos de Groovy Tony. Eu atribuo isso a dois fatores: o luto por Mac e o ‘efeito Blank Face’. Foram feitas três versões para esse álbum e talvez as duas outras que nunca chegamos a ouvir teriam sido melhores. 

 

Q e Nipsey Hussle

No período de lançamento de CrashTalk, outra perda impactou a vida de Schoolboy Q: Nipsey Hussle. Assim como Q, Nip também cresceu em South Central e logo cedo se filiou aos Rolling 60′ Crips, maiores rivais dos Hoovers, gangue de Q. 

Aqui se faz necessário um pequeno adendo: em uma entrevista de 2019, Q deixou claro como a divisão de gangues em L.A afetou o que poderia ter sido um bom relacionamento entre os dois: 

quando eu lancei meu álbum, ele foi o primeiro a me cumprimentar… existia muita tensão entre nossas gangues…”  Q em uma entrevista com Charlamagne (2019)

Nipsey foi assassinado em frente a sua própria loja, em 2019. Naquele momento, Q estava pronto para lançar um vídeo promovendo seu álbum Crash Talk, mas tal acontecimento mudou os rumos do lançamento.

 

  Blue Lips (2024), contexto de lançamento

Timing é tudo né?! 

No fim de março deste ano, vimos o começo da treta entre Kendrick, Cole e Drake. O verso de K.Dot em “Like That” deixou todo mundo atento: o caldo vai entornar a qualquer momento! 

Logo em seguida realmente aconteceu toda aquela treta GOSTOSA que nós assistimos.

Entre o fim de março e meio de maio, era só isso que todo mundo comentava (na Internet) e uma galera deixou de lançar singles e projetos por conta da atenção que a treta estava demandando. 

Graças ao bom Deus, Q não teve esse problema. Lançado na primeira semana de março, o projeto deu tempo de ser ouvido, apreciado e SABOREADO por todos que o acompanham.

 

Blue Lips (2024), resenha

Eu amo o conceito ‘rap de adulto’.

“Eu não quero ter nada a ver com um moleque de 16 anos… Alguns rappers da minha idade tentam fazer o mesmo som que a mulecada ta fazendo e acabam soando brega”

Q em uma entrevista com Kevin Hart. (2024)

Levando em consideração aquela história de que ‘rap é um esporte de jovens’, Blue Lips é muito maduro e com boas influências de gerações mais novas da de Q. Com influências de jazz, rap experimental (seja lá o que isso significa) e bastante 808, o álbum consegue trazer uma variedade de sonoridades e audiovisuais que somente Q e a TDE conseguem trazer.

 

Minhas preferidas

Funny Guy – Mantendo a tradição de ótimas intros de Q, a música abre o projeto com uma mistura de pequenos trechos das outras faixas do álbum. Bem suave e intrigante cumprindo muito bem a função de uma intro: ditar o tom do projeto e nos deixar mais sedentos pelo que virá.

Pop Shit – Se você não gosta de bater cabeça, a partir dessa música, você gostará. Com os vocais fortemente influenciados por Death Grips, a segunda faixa do álbum é para exorcizar todos seus demônios. 

A guitarra distorcida causa o famoso stank face (inglês desnecessário); a famigerada cara de nojo! Tiro, bomba, porradaria e criança de colo correndo quando Rico Nasty chega rimando como se estivesse tentando te espancar através dos fones de ouvido. 

THank god for me – Agradeço a Deus por ter me feito viver até aqui para que eu pudesse ouvir esse beat virando de: um conjunto de flauta e pianos suaves para uma transição com instrumentos de corda e mais uma bate cabeça no seu fone. As viradas de beat são parte fundamental desse álbum, hein. 

Blueslides – Coloque seu chinelin 44, pegue uma cerveja e aproveite esse jazz com Lauren Santi num vocal que parece que foi gravado na década de 1950. Reflita um pouco com esse homem que era bandido, agora é pai de meninas e joga golf ! (?)

Yeern 101 – O que fizeram no videoclipe dessa música, o Pelé não fez na copa de 70. Bebendo do eletro de Berlin (eu acho) e parecendo uma rave organizada em algum lugar tipo o Boiler Room, essa é também para bater cabeça.

Love Birds – Q também é fã e amigo de Danny Brown, Love Birds com certeza tem a influência dele nessa primeira metade. Ele traz duas participações que agregam muito ao som: Devin Malik, que eu só conheci nesse projeto e Lance Skiiiwalker, o menos conhecido da TDE, e que fez um ótimo trabalho no refrão da segunda parte, no qual o beat vira – de novo.

Movie – A primeira parte do beat é só Q marolando sobre tudo o que tem, no melhor estilo braggadocio, mas de forma proposital e sem parecer brega. Acredito que o beat bem suave, igual um algodão-doce, ajuda nessa vibe. O clima fica azedo, no bom sentido, quando o beat vira… mais uma vez.

Az Chike, bota pra f#der no segundo verso! Com um bounce digno de crip/blood walk, o som é feito para dançar de cara feia e usar óculos escuros em locais fechados. Um dos melhores do álbum!

Cooties – Vivendo bem! Deixe o grave incessante te guiar enquanto Q cospe esse freestyle! Sim, freestyle! Na rede social do Elon Musk, Q disse que só foi pra cabine e começou a rimar… Perfeito! 

Assim, ele reflete sobre simplesmente tudo. Pra mim é essa faixa que me mostra que ele realmente foi curado daquele luto inicial. Ele soa leve, leve, leve… 

Ohio – Simplesmente alucinógenos: nunca usei, mas se tivesse usado essa seria a música da minha primeira onda. É notório o quanto ele e a TDE se importam com a qualidade de som. Amo! 

Ele marola demais na primeira parte fazendo harmonias com um ‘gangsta blues’, até o momento em que o beat vira para um drum and bass que nos joga pra cima antes de nos jogar pra baixo, mais uma vez. Dessa vez é Freddie Gibbs que aparece para cuspir fogo e mandar um jab naquele fofoqueiro, DJ Akademiks. 

Nunu – Como se a onda de alucinógenos de Ohio durasse por mais tempo, mas com um refil de mais alucinógenos.

Back n Love – Produção impecável e feita para tocar com um boost de vida na JBL com Devin Malik com apenas uma frase de refrão. E tome beat virando…

Pig Feet – Judaria! 

Mais uma porrada que é impossível não querer se jogar num mosh pit. Childish Major monstro pra caramba no vocal, roubando até um pouco o brilho de Q. 

Se for pra ouvir som comercial que seja com essa coragem! 

Smile – A última e uma das melhores músicas do álbum. Um ótimo ‘love song’ pra fechar o trampo com chave de ouro.

   P.S

Eu conheci a música de Q em 2014 e em todos os álbuns que ele fez nesse processo, eu fui extremamente impactado. Teve momentos em que eu achava que ele era o melhor MC da TDE e que o Kendrick era só o mais famoso! 

É incrível ver seu amadurecimento pessoal e de sua música nesta última década. Esses projetos me mostraram como você pode ir totalmente contra a maré – ir totalmente na direção oposta do que se espera de você. 

 

A Inverso é um coletivo dedicado a cultura Hip Hop e o seu lugar para ir além do comum.