COMMON & PETE ROCK – AUDITORIUM VOL. 1

“O ciclo do boombap está longe de acabar”

Ao longo dos seus quase 30 anos de carreira, Common compartilhou com o mundo, obras que impactaram diretamente a cultura hip-hop. Vindo de Chicago, uma cidade conhecida por seus inúmeros talentos na música, ele cresceu e firmou parceria com grandes nomes do rap, como J. Dilla e seu conterrâneo, Kanye West. Nesse período, ele lançou dois discos considerados clássicos pelo público e pela crítica: “Like Water For Chocolate” e “Be”, que fizeram sucesso suficiente para o introduzir no hall dos rappers mais relevantes de sua geração. Já Pete Rock, que é outra figurinha carimbada entre as lendas do hip-hop, também tem sua assinatura em vários beats icônicos, como em suas parcerias com Nas, The Roots, A Tribe Called Quest e entre outros. E após algumas colaborações esporádicas, os dois resolveram se unir no estúdio, dessa vez para um projeto completo.

Embora o disco represente um resgate da boa e velha “era de ouro” do hip-hop, Common, hoje um homem mais maduro e experiente, optou por não mergulhar tanto nos temas obscuros da sociedade e apostou em letras mais leves e otimistas. No entanto, ele ainda tem seus momentos mais densos como em “Lonesome”, onde reflete sobre a morte de seu pai, sua ausência como pai para sua filha e sobre os efeitos da solidão, tudo isso em cima de um instrumental melancólico que pinta muito bem as expressões que o rapper deseja destacar. E em“A God (There is)”, que ele também explora temas mais reflexivos, abordando a influência de Deus em sua vida e na sociedade em geral, e apesar de soar religioso, suas rimas também questionam a falta de intervenção divina em problemas crônicos da sociedade como o racismo, por exemplo. Jennifer Hudson faz uma participação que é essencial para caracterizar o conceito da faixa que é cheia de soul music.

A escolha dos singles é um grande acerto da dupla, pois elas capturam a estética e essência dos dois artistas de forma cirúrgica. Destaque para “Wise Up” que tem muita energia, scratchs e boas rimas, tudo que um fã de Common procura, e “Dreamin”, track nostálgica onde o MC nos leva à um sonho onde ele atravessa um cenário e conversa com diversas personalidades negras que já não estão entre nós como: J. Dilla, Prince, Biggie, Muhammad Ali e Malcom X, enquanto Pete entrega um dos beats mais legais do disco e também mostra sua habilidade de transformar samples em refrão, prática que é comum em quase em todas as faixas.

Ao falar de samples, tem três músicas que são de encher os olhos e nos mostram como um simples recorte tem o poder de elevar a batida para outro nível. Estamos falando de “Fortunate”, que é facilmente uma das melhores faixas do ano, e leva consigo o sample de “Guarde Nos Olhos” de Ivan Lins, que complementa de forma magistral o flow e os versos de Common. “Stellar” com um instrumental espetacular, cheia de energia, fluidez e boas linhas. E “This Man”, que é outra demonstração de técnica da dupla, aqui o MC está confiante de que tem muita lenha para queimar ainda e diz que o rap está em boas mãos ao que depender dele. Em plena forma, o rapper chega a rimar até três sílabas em algumas linhas e faz diversos esquemas memoráveis como:

“I drop a gem in the ocean,
Soundwaves of underground days put this man in motion,
I quarterback Like Water raps,
And Chocolate supported that on stage, my daughter rap.”

(esquema que o rapper usa o elemento da água para fazer menção ao seu disco clássico com J Dilla: “Like Water for Chocolate”)

Em questão de participações, o disco é um misto de boas ideias com execuções duvidosas. Além da já citada cantora Jennifer Hudson, outra boa aparição fica por conta do Posdnuos (De La Soul) que entrega um bom – apesar de curto – verso em “When The Sun Shines Again”, e o próprio Pete Rock, que relembra seus tempos de MC em “All Kind Of Ideas”, trazendo um verso sólido. Já o cantor Bilal, que ficou responsável pelo refrão de “So Many People”, não ofereceu uma boa performance, não sei de quem foi a ideia de usar a voz do cantor de forma repetitiva e irritante, mas é, não funcionou. Em compensação, Common entrega três excelentes versos que de modo geral, acaba salvando a track. E por último, a cantora Paris Jones rouba a cena da “Everything Is Grand”, fazendo um belíssimo refrão, uma pena que a música no geral, fique abaixo das anteriores, pois além de ser a mais longa do disco, ela também nos mostra que a escolha da batida, não sustenta uma faixa com essa duração.

Certos pontos do projeto, como em “Chi-Town Do It” (óbvio que teria uma música sobre Chicago), “Now And Then” e “We’re On Our Way”, sinto que a dupla estava no automático, com letras pouco inspiradas, e embora a performance se mantenha em um bom nível, eu recortaria essas faixas e as guardaria na gaveta junto com “Everything Is Grand”, para deixar o álbum bem amarrado.

No geral, “Auditorium Vol. 1”, é um prato cheio para os fãs do clássico boombap de Nova York e Chicago, que buscam autenticidade e talento. Common é a prova de como a dobradinha entre MC e produtor funciona muito bem, algo que ele já provou com discos icônicos. No entanto, eu não chamaria esse disco de clássico, longe disso, pois ele não é perfeito. Se algumas faixas menos inspiradas fossem ajustadas, alguns refrãos melhor trabalhados, e retoques adicionais, poderia facilmente ser um forte concorrente a álbum de rap do ano. Assim como Nas e Hit-Boy precisaram de alguns álbuns até alcançarem o seu melhor, Common e Pete Rock parecem seguir um caminho semelhante. Como o nome sugere, esse é apenas o volume um, e acredito que essa colaboração tem grande potencial para nos entregar outros volumes, com ainda mais qualidade. Essa dupla é a prova de que a velha escola do rap ainda tem relevância, e segue entregando grandes trabalhos, inspirando novos MC’s ao redor do mundo.

 

Melhores faixas: Fortunate, This Man, Wise Up, Dreamin e Lonesome.

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