Minha introdução ao trampo do Jamés foi em 2015, com uma belíssima participação no álbum Vltra Vida, na música Macetin, de Ramiro Mart.
No mesmo ano, no dia do lançamento do álbum do Ramiro, o Jamés colou na Roda Cultural de Volta Redonda para fazer uma baita performance. O auge da apresentação foi quando ele, vestindo uma peita muito braba do Miami Heat, tocou a música Caça Níquel, que conta com a participação de Don Cesão. O verso no álbum de Ramiro e a performance ao vivo foram o suficiente para me deixar com uma pulga atrás da orelha sobre quem seria esse monstro do rap (e do graffiti) do Cambuci.
Em Nome das Ruas (2025)
Em Nome das Ruas: A primeira faixa do álbum, que dá nome ao trampo, é bem suja e boombap. Do jeito que gostamos! Já falei isso em outra resenha, mas acho importante repetir que, na minha humilde (e desnecessária) opinião, a primeira track de um álbum tem que ditar o ritmo que o projeto vai seguir. Jamés entrega exatamente isso no beat de Nnay Beats.
Chave da Cidade: A segunda faixa do álbum me causou certo estranhamento, devido ao tom que a primeira faixa havia ditado. Se a primeira impressão foi de estranhamento, a segunda foi de satisfação ao ouvir as rimas e técnicas de Jamés. O som sobre a cidade de SP pinta um plano de fundo das caminhadas e vivências do artista. Acredito que, por conta do beat — que não é um dos meus preferidos —, essa seja a música que eu menos ouvi no álbum.
Cicatrizes do Tempo: Acredito que parte do que foi dito sobre Chave da Cidade também vale para essa, que é a terceira faixa do álbum — com um adendo: este que lhes escreve é um eterno hater de auto-tune para rappers que carregam peso nas canetas, como é o caso de Jamés. Na minha humilde (e desnecessária) opinião, o auto-tune funciona como muleta para rappers com pouca capacidade lírica quando querem criar músicas pra tocar em balada, festa, rolê e/ou disfarçar suas limitações líricas. O que, convenhamos, está bem longe de representar o MC de SP.
P.S.: Isso não é uma tentativa de criar o D.O.A do Jay-Z. É claro que minha opinião não é uma verdade universal, mas fica aqui a indignação do internauta.
Domínio: Pisando bem fofinho, pra não sujar o tênis novo na lama, só Deus sabe o tamanho do sorriso que dei quando o Jamés lançou uma ref à música Caça Níquel, já citada anteriormente. Além disso, ele cospe marimbondo, mostrando por que o grafiteiro domina as ruas — apesar do refrão.
Crack Music: A melhor música do álbum traz a produção impecável de El Lif Beatz. O produtor carioca da Pirâmide Perdida entregou um boom bap sujo para que Jamés fizesse o que sabe melhor: rimar! Essa dobradinha já havia se concretizado no EP colaborativo entre os dois e Don Cesão, em 2021. Com cara de anos 90, mas feito em 2025, Jamés rabisca suas rimas como seus grafites e nos brinda com uma excelente performance de rap. No fim do ano, quando fizermos a retrospectiva dos melhores raps, essa música certamente estará presente.
Noites de SP: Ao primeiro impacto, o “guardinha do rap” que habita em mim torceu o nariz pela função que a música exerce no projeto: aquele som pra tocar em festa, imagino eu. Porém, à medida que Jamés lapida seus versos, fica claro o motivo de a track integrar esse trabalho. O tal “guardinha” ficou de sorriso aberto ao ouvir um som de festa com uma porção de punchlines bem elaboradas, além do retrato pintado por Jamés sobre as noites de SP. Ao fim da música, o jovem do interior fluminense que mora em mim — e que nunca pisou em SP — ficou com ainda mais vontade de conhecer a vida noturna da maior metrópole do país.
Lençol: O guardinha tomou outro susto! Admito que tenho certa resistência a curtir love songs em álbuns de rap, mas fui novamente surpreendido de forma positiva ao ouvir essa, a sétima faixa do álbum. Smile, trajado de melodias, traz swing para o refrão, enquanto Jamés destaca uma relação com uma mina que não quer nada sério, embora ele já estivesse pensando em construir aquele futuro prometido pelas esperanças e fantasias que criamos quando estamos apaixonados. Aqui, temos sem dúvida um dos melhores refrões do ano na voz de Smile. Sei lá, me emocionei.
Força: Rap no pelo! Em uma faixa com menos de dois minutos de duração, Jamés solta o aço, rimando com o que tem de melhor: um sample lindo e força. Se você gosta de Wu-Tang e reconhece samples, o fim da track é uma excelente surpresa!
State Brasil Island: Uma das críticas que pessoas mais velhas fazem às músicas e álbuns da nossa geração é sobre a falta de conexão entre as faixas. Nessa track, essa reclamação foi resolvida! O final da música Força nos prepara para a pedrada chamada State Brasil Island. O diálogo do filme Shaolin vs. Wu-Tang usado na faixa Força é o mesmo que foi sampleado diversas vezes no clássico Enter the 36 Chambers (1993), do Wu-Tang Clan. A escolha, é claro, não foi acidental. Em State Brasil Island, temos a participação de Cappadonna (um dos associados do Wu-Tang), BigNateAllStar (que conheci nessa track) e a produção absurda de Xuvisco na Batida. E, sem dúvida, Jamés teve o melhor verso, tá?! O rap do Brasil representado com maestria.
Felicidade Skit: Em um trampo carregado de bom e velho (nem tão velho assim) rap sujo, a participação de Leila Ventura, filhinha de Jamés, traz uma ótima leveza ao trabalho. Dadas as devidas proporções, essa track me lembra as participações engraçadíssimas de WestSidePootie, filha de WestSideGunn, nos álbuns do rapper de Buffalo. Um grande destaque para Pizzol, que transformou o áudio de Leila em um belíssimo som. Se algum dia eu tiver a oportunidade de trocar uma ideia com Pizzol, quero perguntar se a inspiração para esse beat veio da parte final de Back n Love, faixa do último álbum, Blue Lips, do Schoolboy Q.
Campeão: A última track do álbum chega no pique VENCEMOS! Dentre as várias metáforas que já ouvi sobre Life’s a bitch, nessa track Jamés traz a melhor delas. Ouça e descubra!
Conclusão
Para quem ainda não conhece as ruas de SP, esse trabalho é uma boa introdução. Apesar de alguns pontos destacados aqui, Em Nome das Ruas é um álbum bem coeso. Fácil de ouvir, com apenas 30 minutos de duração, o trabalho nos entrega, em todas as faixas, um Jamés afiado, que sabe muito bem representar a profissão de MC. Temos rimas, técnica, sujeira e love songs nesse ótimo projeto dedicado às ruas.
Apesar de ser um pouco crítico com algumas produções, entendo a escolha delas e vejo com bons olhos o fato de Ventura não ficar preso a um único estilo de beat, arriscando-se em outras sonoridades. A dobradinha Jamés x Pizzol, bastante presente no álbum, funciona muito bem, um complementando o outro. Minha crítica às produções de Pizzol e às escolhas de Jamés é puramente uma questão de gosto pessoal — longe de desmerecer o talento do produtor e a capacidade de escolha de beats do MC.
Sempre achei muito interessante a relação grafite x rap, e vice-versa. É instigante observar como os amigos do xarpi traduzem a vivência dos rabiscos em rimas. Em um mundo onde a conexão entre os pilares do hip-hop está cada vez mais distante, poder ouvir e entender o corre de um Jamés que transita entre os dois universos é cada vez mais gratificante.
Até a data em que escrevo, Jamés ainda não lançou nenhum videoclipe para as músicas do álbum. Seria interessante ver a visão do grafiteiro e rapper sobre os audiovisuais — como seriam pensados e estruturados.