Salve, Vet de Fortal nazarea aqui para falar do álbum “Máquina do Tempo” de Matheus Brasileiro, mais conhecido como Matuê. O projeto era esperado por seus fãs há um bom tempo, desde quando todos achavam que o título fosse apenas um single, mas o rapper surpreendeu com um álbum de estética futurística e de alta qualidade neste novo lançamento do cearense.
Sim, Matuê é do Ceará, residente das áreas nobres da capital, onde a Fortaleza é bela, mas poucos sabiam da origem do artista antes da repercussão deste disco. Há quem o critique, mas é inegável a qualidade sonora que o artista entrega, e, já que ele sempre teve recursos para isso, nada mais justo que gastar a grana investindo em sua carreira. Apesar de não se tratar de uma condição da grande maioria dos artistas cearenses, o dinheiro acaba sendo o alfinete que fura a bolha do underground para o cenário nacional, infelizmente.
“Máquina do Tempo”, o álbum de estreia de Matuê, consiste em 7 faixas entregues pela produção musical de WIU, Lotto e Celo e conta com a Mix e Master de Drakoz. Quem acompanha o cenário nacional sabe do tamanho da qualidade desta equipe, sendo, desde antes, esperada algo que se aproxime do impecável enquanto sonoridade deste disco.
A faixa de início é “Cogulandia”, que conta com Pedro Lotto ao trazer uma certa sensação de êxtase com seu instrumental baseado em um loop de guitarra, marcando positivamente a participação única do produtor no álbum. Matuê consegue ter um bom aproveitamento com seus vocais e refrãos que se repetem como um chiclete na cabeça do ouvinte. Isso se soma à experiência que o visualizer (para quem acompanha a canção o visual nos streamings) traz com imagens de seres desconhecidos tirando um líquido verde da cabeça de Matuê ao mesmo tempo que o alimenta com cogumelos, criando toda uma viagem (que segue ao longo do disco). Todo esse excesso de informação artística (musical e visual) faz com que o ouvinte retorne à faixa mais vezes, para absorver algo novo.
A segunda track, “Antes” é produzida pelo jovem talentoso WIU que reforça aqui seu amplo protagonismo, não apenas na 30 mas também na cena como um todo, tendo produzido a maioria das faixas e adicionado vocais em várias delas. O instrumental se apresenta em um beat com piano trazendo a harmonia do trap mais comercial, nesta proposta, Matuê fala do seu desejo de voltar a uma vida de antes, entregando a relação com conceito de viagem no tempo do título da obra. Tecnicamente, o artista possui nesta track mais uma ótima performance, com bons versos e mais um refrão pegajoso.
“Gorilla Roxo” tem bateria e harmonia de piano entregues novamente por WIU, que desta vez proporciona uma sensação de leveza junto aos seus próprios vocais de fundo. Neste momento, torna-se evidente como a caneta de Matuê também possuí pontos a serem melhorados, e, quando se leva em conta a comercialidade do projeto e sua proposta de música para festas, os versos se tornam antagonistas com o todo, tirando dos holofotes o protagonismo que deveriam estar garantidos à produção e estética lisérgica do álbum.
Não sei se eu tomеi um LSD
E o horizonte tá fazendo a curva
Eu sou Tuê, prazer, eu sou a cura
Eu vim pra desembaçar sua vida turva
E ela é tão linda, rara e especial
Pra ficar na mão de qualquer filha da puta
“Vem Chapar” é a melhor faixa até então, versátil ao ponto de possuir uma estética para ser tocada em diversos ambientes, na praia, na balada, no fone de ouvido, independente da ocasião do play, essa música carrega uma atmosfera upbeat de felicidade e boa vibe. Ao dispor de uma sonoridade cativante, com vocais mais leves, Tuê traz versos que conduzem mensagens positivas a quem o escuta, e, como tem sido em todo o projeto, mais um refrão com grandes chances de gruda na mente, convidando o ouvinte a entrar nesta atmosfera alucinógena de Matuê.
Ainda bem que ‘tá tudo bem
Você tá bem, eu ‘to bem, todo mundo tá bem
Beck de Fortal não tem pra ninguém
(…)
Por aqui que ‘tá tudo bem, planta tem
Sol tem tem de tudo também
Beck de Fortal não tem pra ninguém
O recente ponto alto da tracklist é superado logo em seguida por “777 – 666”, a melhor música do compilado. O visual da faixa traz personagens muito parecidos com os do jogo Tekken (quem lembra?) e que cairiam muito bem como skin em qualquer jogo online de plataforma (fica a dica). O instrumental cativante e de boa construção, produzido por WIU, tem Matuê se saindo muito bem, principalmente ao trazer uma sensação de suspense até sua virada, quando o MC passa a falar, aparentemente, sobre sua vida e ‘esforços’ destas para entregar este álbum, em uma espécie de diss/mensagem para si mesmo, enquanto demonstra estar trabalhando com a melhor equipe, em meio, é claro, às suas várias referência a drogas e posses, usadas para construir esta ideia de grandiosidade e elevação.
Falador só sabe falar
Pren é o que ‘cês vão ganhar
Enquanto quem ‘tá trabalhando
Vai poder fumar skunk?
Jordan 4, M4, AMG
Olha o que eu trouxe pra você
Filha da puta, faz por merecer
Depois que o sangue escorreu no chão
Não tinha mais o que fazer
Admito que “É Sal” quase me convenceu que o trapper fosse oriundo da periferia de Fortal. Se não conhecesse Matuê, só talvez, pudesse acreditar que fosse de fato “o terror do Pirambu”. O instrumental entrega perfeitamente a proposta de atmosfera do álbum, e WIU (de novo ele) apresenta mais uma vez excelentes viradas de instrumental, bem como um kick batendo mais que o zagueiro Pepe em um clássico contra o Barça.
A faixa-título é, sem dúvidas, a mais comercial e a que provavelmente tocará em todas festas e shows quando os tempos de isolamento passarem. Com beat e vocais do produtor supracitado e co-produção de Celo, a dupla usa um sample do clássico “Como Tudo Deve Ser” da banda Charlie Brown JR para Matuê mostrar sua melhor performance no projeto, apostando em variações de rimas rápidas e lentas. A canção, que inicialmente seria apenas um freestyle postado em seu Instagram lá por 2018, e que, segundo Matuê, nunca seria lançada por conta de direitos autorais pelo uso do recorte da banda, acabou sendo base pra um álbum inteiro
Dando ênfase também ao visual que criou todo o contexto temático do projeto almejado por Matuê, “Máquina Do Tempo” alcançou ambas as propostas de ser comercial e entregar boa música. Há de se destacar a ótima equipe formada nesta área, com Yann Tomé e Stefan Mathes sendo os grandes responsáveis pela capa e arte base do grafite, visualizers e VFX, criando o conceito futurístico e a ideia geral de “usar a máquina do tempo para consertar erros do passado”. Do outro lado, a aposta em faixas curtas possibilita que o público alvo não enjoe do álbum tão rapidamente, e a entrega de elementos em diversas camadas atrai o indivíduo para a recorrência de seu replay ao ouvir e assistir o projeto diversas vezes para pegar todas as referências que existem ali.
Quando pensamos em MDT no seu conjunto vem em mente o trap genérico e comercial, justamente é esta a proposta que o álbum carrega durante suas faixas, o que não deveria diminuir em nada a qualidade e relevância de seu play. O que mais chama a atenção é o tratamento de todas as faixas que Drakoz cozinhou, proporcionando a experiência completa da proposta para surpreendentemente entregar sete possíveis hits de festa.
Partindo do ponto de vista da música rap como veículo de mensagem para seu receptor, poucas faixas do álbum de Matuê carregam uma mensagem verdadeiramente convicta e enriquecedora, por exemplo em ” É Sal” onde o autor fala “Fortal City é uma mistura
Morando na praia e mesmo assim a vida é dura”. Não partindo do ponto de um ponto de vista mais conservador do rap, mas, mesmo citando a cidade várias vezes em seus versos, é notório que o trapper não representa a cena local, assim como também é visível que este não é seu objetivo . Seu verdadeiro alvo é entregar música boa, onde se concentra todos os seus acertos.
Todo esse tempo sem lançamentos de Matuê mostrou-se benéfico ao artista, possibilitando a criação de uma obra com sete faixas que espelham um trabalho a ser lembrado entre os melhores e mais populares de seu ano. Para uma estreia, o artista se saiu muito bem em “Máquina Do Tempo”, mostrando o nível que pode alcançar quando realmente se propõe a estar envolvido em um trabalho sério e coeso, principalmente quando o assunto é música comercial.