Review: Leall – Esculpido a Machado

Dale dale, Dourado mais uma vez por aqui. Tratando hoje do primeiro álbum de Leall, carioca que com seus singles atraiu muitos céticos para as modalidades de alto bpm conhecidas como grime e drill. Apesar disso, tem o som autointitulado como “proibidão”, fazendo jus a isto em hits que firmaram seu nome na cena, como: “Moda Síria Anti-Adidas”.  Cerca de um ano e meio depois de provar que consegue criar e emplacar conceitos com seu primeiro single, “Criminal Influencer”, se arrisca em trabalhar um projeto completo carregado deste. Tal como no desafio do single, Leall juntou um excelente time e foi o craque que para cada bom cruzamento marcava um gol de bicicleta.

“Esculpido a Machado” tem doze faixas, sendo a primeira um prelúdio e a nona um interlúdio, todas com uma temática comum e com identidades únicas, sendo assim um exemplo de coesão e conceito. Desde o prelúdio, que abre o projeto e foi lançado como vídeo de prévia, Leall mostrou que vinha mostrar narrativa e ambientação do cotidiano das periferias do RJ, com uma visão sóbria, descritiva e extremamente séria. Por ser extremamente coeso e fiel para com seu conceito, é difícil dividir o projeto em partes, com uma destas sendo uma jogatina de GTA, é carregado de ação incessante, através de violência, uma velocidade alucinante e um mundo cheio de conteúdo e singularidades.

As faixas que destoam, justamente por ter o bpm inferior aos 140 que dominam o projeto, são “Pedras Amarelas” e “Posso mudar meu destino”, ambas com linhas instrumentais (respectivamente de piano e violão) guiando os beats junto com graves agressivos, assinados por Tarcis. Junto a elas se encontra o fechamento “Pela Minha Área”, uma das duas produções de Babidi. Soam mais calmas mas trazem a mesma intensidade e caos das demais. Com três beats simples, de poucos elementos, a construção melódica é envolvente e abre espaço para maior destaque às linhas de Leall e seu valor de ambientação, como:

A vida é louca e nela eu tô só de passagem

Tô pelo baile com a preta mais estilosa

A minha área é minha escola

Eu sou espelho pra esses jovens

Tô bem, tô bem

Tô bem melhor que antes

Me perdoa, mãe, por ser tão infame

Os erros de ontem e os erros de hoje em dia

Minha área, minha vida

É uma igreja еm cada esquina

Apesar da alucinação no beat e da entrega voraz, o rapper não desperdiçou linhas em nenhuma das outras faixas. Desde o primeiro refrão da primeira track, é perceptível que “Esculpido a Machado” e “Pedro Bala” tem um valor de replay incontestável. No meio da vida sendo pintada no ouvido, palavra por palavra, a sonoridade aluga tua cabeça por horas. Na faixa “Duas Pistolas”, por exemplo, com refrão marcante, Leall constrói a maior riqueza da faixa nas desconstruções, como a quebra de tempo unida à alteração de beat quando rima “Bandeira Branca é tipo Adidas, eu não vou usar”, na alternância entre adlibs e silêncios nos intervalos de versos e principalmente a mudança de flow para a sessão Drum’n’Bass do segundo verso.

No único feat de seu debut -”Desfile Bélico” -, Leall traz VND, também do Covil da Bruxa (Selo e gravadora carioca, do qual Leall faz parte), para completar o caos em cima da base do PutodiParis. Numa estrutura simples baseada em: 18 barras – refrão – 18 barras – refrão, continuam a construção da imagem dessa cena caótica universal e ao mesmo tempo claramente carioca. Com uma bela transição, entra “Encomenda”, single lançado no ano passado que tem seu fadeout agregado sutilmente ao sample inicial da já citada “Pedras Amarelas”.

Os detalhes de transição entre músicas chamam a atenção logo de cara para o preciosismo e atenção com o projeto. Leall não se propôs a lançar um apanhado de tracks, trouxe um disco de fato. Ao repetir as audições, os detalhes começam a mostrar a grandiosidade do trabalho. Enquanto na primeira música menciona que todo menino quer ser ou matar o Pedro Bala, na faixa 5, já mostra arrependimento com “Peço Deus que me perdoe por isso, mas duro pra casa eu não posso voltar”, as faixas 7 e 8 alimentam a narrativa já em seus títulos, até a autoafirmação de que pode mudar seu destino, que chega ao fim do álbum.

Mudando o que vimos com tantos lançamentos de 2020, Leall escolhe beats de altíssimo nível e não é carregado por eles, chegando a dominá-los. “Esculpido a Machado” quebra os argumentos tolos de que esta geração atual de bpms alucinantes não tem apreço pela letra. Ao nomear seus “Demonikes”, Leall provou que sabia fazer um som viciante, energético e visceral. Com seu primeiro álbum provou que tem um alto nível de entrega, sabe variar beats e flows como a modernidade exige e, principalmente, provou ter caneta para se eternizar com os maiores narradores que o rap nacional já viu.

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