Redman – Muddy Waters Too

Cadillac Records é um filme de 2008 que retrata a história da gravadora Chess Records. De lá saíram nomes históricos, como Chuck Berry, considerado o pai do rock e interpretado por Mos Def, Etta James (interpretada por Beyoncé)  e Muddy Waters.

Cadillac Records - Papo de Cinema

 

A película conta com Adrien Brody, vencedor do Oscar pelo filme “O Pianista”. A trilha sonora marcante traz Beyoncé cantando a plenos pulmões versões de Etta James.

 

Muddy Waters, nascido McKinley Morganfield, deixou as plantações de algodão do Delta do Rio Mississippi rumo a Chicago em busca de uma vida melhor e de oportunidades na música. Quando ainda morava no Sul, já cantava blues acompanhado de seu violão. Suas letras, sempre carregadas de referências aos amores que viveu, combinavam perfeitamente com o tom grave de sua voz e seus afiados acordes. Seu blues não era triste, era elétrico. Em uma de suas composições, a música Rolling Stone não apenas se tornou um clássico do gênero, mas também serviu de inspiração para batizar uma das maiores bandas de todos os tempos.

A influência de Muddy não se limitou ao blues e ao rock. O som de Chicago chegou até New Jersey, onde Redman o potencializou e revolucionou.

Contexto

Muddy Waters – Águas lamacentas (tradução literal). McKinley Morganfield, ganhou esse apelido pois quando era criança costumava brincar em poças de lama.

Redman – Muddy Waters (EDC, CD) - Discogs

 

Em 1996, Redman lançava seu terceiro disco, Muddy Waters, completando uma trinca de ótimos álbuns lançados anteriormente: Whut? The Album (1992) e Dare Iz a Darkside (1994). Trazendo Eric Sermon para grande parte da produção, Redman entregava o que sabia fazer de melhor: rap!

Se em 1994, com Dare Iz a Darkside, o som era mais denso e agressivo, em 1996 com Muddy Waters, ele retornava mais leve e desinibido, mas não menos sanguinário nas rimas. As linhas de baixo que Eric Sermon insere nos beats fazem com que Reggie flutue com naturalidade, construindo rimas sobre os mais diversos temas — desde os cômicos até aquilo que ele mais gosta: erva! Seja fumando, rimando ou até mesmo atuando no filme How High (2001), ao lado de outro maconheiro e fiel escudeiro, Method Man, a paixão de Redman pela braba é um tema recorrente em suas músicas, mas longe de ser o único. Como um bom álbum da Golden Era, não poderia faltar uma série de skits bem elaborados, que evidenciam o bom humor característico do rapper.

Se no Recife Chico Science vagava pelo mangue, em Newark Redman estava com lama até o pescoço.

Muddy Waters Too (2024)

O amigo passou 2 anos em celibato e voltou PRA FUDER nesse álbum.

Redman - Muddy Waters Too | Review - Hip Hop Golden Age Hip Hop Golden Age

Devido a uma série de infortúnios, esse álbum demorou dez anos para ser feito. Um dos fatores que explica o lançamento tardio e conturbado do disco, foi o processo de divórcio que Redman enfrentou. Após sete longos e desgastantes anos, finalmente o divorcio saiu, levando bastante da energia do rapper durante esse processo. Finalizado o processo, era hora de Redman renovar as energias. Através de muita oração e disciplina, o cara ficou dois anos e meio praticando celibato e abstinência da Kaya. E assim chegamos ao tão aguardado lançamento de Muddy Waters Too. O primeiro Muddy Waters (1996) foi um divisor de águas na vida de Redman. Antes disso, eles estava usando drogas com certo excesso e vivendo no melhor estilo Dionísio. Dentre todos os álbuns de sua coletânea, o segundo Muddy Waters (2024), também representa uma nova mudança na vida de Redman: cada vez mais saudável e disciplinado.

Eu amo a classe dos rappers veteranos que ainda rimam muito bem. É triste quando você percebe que seus favoritos já não têm o mesmo brilho de antes — como ver Shaquille O’Neal, amigo de Redman, jogando pelo Celtics no fim de sua carreira.

Graças ao bom Deus, Redman continua afiado como sempre.

O mesmo ex-traficante que fumava a maconha do Branson, a mais braba de NY, que saiu de Jersey para batalhar em Nova York e derrotar todo mundo, ainda é debochado, brabo em punchlines e afiado em todos os outros quesitos.

 

Quer punch? Toma!
Quer maconha? Toma!
Quer swing? Toma!

 

Após ouvir o álbum e assistir a algumas entrevistas que ele concedeu durante a divulgação do projeto, uma coisa me chamou muita atenção: o espírito de Redman. É muito comum vermos rappers com a famosa cara de poucos amigos — alguns por realmente serem assim, outros por tentarem emular um personagem que, na verdade, não são. Com Reggie, sua forma de se portar e, principalmente, de rimar é extremamente natural. Seja pela sua personalidade ou até mesmo pela vivência que adquiriu com Biz Markie, o bom humor de Reggie é contagiante. 

 

O ponto alto do humor característico de Redman em Muddy Waters Too é quando Soopaman Luva (personagem cômico criado por Reggie) salva Michelle Obama de ser sequestrada por Donald Trump! 

 

Mas não se deixe enganar pelo sorriso aberto. Com a mesma naturalidade com que sorri, ele também ataca liricamente.

 

Muddy Waters Too é o exemplo perfeito do porquê Redman é o MC favorito do seu MC favorito. Se você gosta de Eminem, Method Man e companhia, saiba que eles veneram Reggie.

As participações no álbum são excelentes: pontuais e enérgicas, agregando qualidade ao trampo sem ofuscar o talento de Redman. Se fazem presentes Sheek Louch, do The Lox, o ídolo de Reggie, KRS One e claro, o maconheiro Snoop Dogg. Faith Evans deixa sua voz lindona no refrão de Hoodstar. Além de seu antigo companheiro, Method Man, ele trouxe uma tropa pesada de New Jersey — incluindo Queen Latifah e Lords of the Underground — para a faixa Lite It Up. Destaque para Shaquille O’Neal – presente na mesma faixa – um dos maiores pivôs da história do basquete, que, quando se lançou como MC na década de 1990, convocou Redman para produzir um de seus álbuns.

 

Será que vale uma resenha sobre jogadores de basquete fazendo rap?

 

Além das já citadas, destaco aqui mais duas habilidades essenciais de Redman que todo rapper deveria ter: a escolha de beats e a vivência em produção musical. Quando Shaq decidiu chamar Redman para produzir seu primeiro disco, não foi apenas porque ele era um nome quente no momento ou por sua conexão com Nova Jersey. Mesmo sabendo que o álbum de estreia de um pivô se aventurando no rap não é exatamente o melhor parâmetro para avaliar sua capacidade como músico, Shaq reconhecia em Redman um excelente curador de beats e um produtor musical talentoso.

 

Naquele clássico episódio de MTV Cribs em que Redman aparece (será que vai rolar uma resenha sobre esse ícone da cultura pop?), vemos um pouco do seu mundo como rapper e produtor. Seja com beats de Eric Sermon ou os seus próprios, passando por sua forte presença em todo o processo de mixagem e masterização do álbum, Reggie nos mostra que cada detalhe da sonoridade passou por suas mãos antes de chegar às plataformas de streaming.

 

É interessante notar que este álbum não é uma tentativa de recriar o sucesso de seu antecessor. Muddy Waters Too é moderno, mas, ao mesmo tempo, foi construído sob a ótica do que Redman fez nos anos 90. A faixa que melhor representa isso é Don’t You Miss, uma das melhores do álbum. Durante pouco mais de três minutos, ele nos leva em uma viagem nostálgica pelo que sempre fez o Hip Hop ser Hip Hop. Não precisamos mais sentir falta, pois Redman nos entregou exatamente o que procurávamos.

 

Conclusão

Redman's 'Muddy Waters Too' Album Is Coming Soon - XXL

Ao olhar para essa tracklist com 32 músicas, fiquei assustado, pois meu TDAH não diagnosticado poderia me privar de uma boa experiência ao ouvir o projeto. 

Entendo que por conta dos dez anos do processo de construção do álbum, ele deseje mostrar tudo o que estava guardado desde então. Pode ser neurose da minha cabeça, mas caso não seja, Redman deixou a duração das músicas um pouco mais curta para alcançar seu público mais novo. Em um determinado momento de uma entrevista sua com o canal BET no Youtube, Redman deixou claro que, pelo menos liricamente, um rapper deve ser conhecer seu público. Conhecendo-o, teria Redman se adaptado às novas ondas do streaming, com músicas menores de duração? 

Em outro momento em uma entrevista com Suey ele deixa claro que, devido ao momento que o Hip Hop vive, ele está sempre em cima dos palcos. Pessoas vivendo com abstinência de boas líricas, estão buscando cada vez mais retornar aos anos 1990 para buscar o lirismo que o Hip Hop tinha. – Da mesma forma que a NBA passa por um momento de decadência em audiência e valorização de seu produto. Desta forma, fãs estão cada vez mais vivendo em nostalgia do esporte na época de Jordan e cia. Em uma estranha coincidência Shaquille Oneal, um dos já citados aqui, é um dos responsáveis pela onda de nostalgia presente ao redor da atual NBA. O ex-pivô e atual comentarista da TNT americana, faz parte de um programa, tipo mesa redonda, onde comenta com tom ácido sobre a atual NBA. 

Mas isso é papo para outras horas.

Um trampo um pouco mais sucinto teria sido mais apropriado, mas isso é só o meu TDAH não diagnosticado falando mais alto.

A Inverso é um coletivo dedicado a cultura Hip Hop e o seu lugar para ir além do comum.