Review: Riz Ahmed – The Long Goodbye

Internet afora, a grande maioria dos textos começam de um mesmo jeito: ele é um ator, e por conseguinte um artista, incrível. É claro, Riz Ahmed ganhou prêmios,  possui filmes de bastante sucesso comercial em sua carreira, porém sua história dentro do rap fica para um canto mais à sombra, em citações vagas. Também sob o vulgo de Riz MC, ele é britânico-paquistanês e vem de trabalhos bem vistos como sua Mixtape Englistan e o álbum Cashmere, esse participando do Swet Shop Boys – formado em um duo vocal com o indiano-americano Heems e o produtor inglês Redinho. 

Já se podia dizer que o grande tema em sua caneta era o imigrante, mais propriamente, a vida do imigrante. Além disso, chegava a tratar do histórico de formação do seu povo, já que o Paquistão (uma república islâmica) conseguiu sua independência da Índia (de maioria Hindu) em 1947, assim, os dois países possuem a mesma origem cultural. No momento, ambas as nações partilham uma relação bastante conturbada, principalmente devido a região da Caxemira. De toda forma, é nesse novo trabalho que a coisa ganha uma nova dimensão. 

Em The Long Goodbye a relação colonial da Inglaterra com a Índia toma nova forma em personagens, todo esse vínculo – de exploração e violência – ganha tons de um relacionamento tóxico entre duas pessoas, com o império britânico reproduzido em Brittney. O álbum a fundo conta o término desse relacionamento, como já apresenta em seu título e na primeira faixa.

Isso pode parecer que acabe soando aqui mais simples do que realmente é: esse jogo de um álbum sentimental como metáfora para uma discussão política complexa é executado com muito exímio, dando muito mais tons poéticos e líricos do que composições puramente políticas em sua mensagem e formulas diretas conseguem. Essa narrativa demonstra ainda um lado mais pessoal e sentimental da vida como um descendente paquistanês em Londres, mas que consegue beirar uma mensagem “universal” sobre racismo, ancestralidade e globalização cultural  – estudem Milton Santos.

Para acompanhar o álbum, temos um belo filme de mesmo nome. E como Riz é um ator experiente, o resultado é excelente: o filme é simples, direto e violento, conseguindo entregar tudo aquilo que se propõe. A câmera erradica na mão transpassa a sensação dos personagens. A trama trata, com outra imagem, a violência do álbum. É de todas as formas, um belo e excelente filme.

O disco é bem rápido, não chega a 30 minutos de duração. Todo entrecortado por áudios com mensagens positivas e carinho de conhecidos do eu-lírico, porém ele não caí no erro comum dos raps que se utilizam da mesma ferramenta e colocam estas mensagens nas mesmas faixas das músicas sem que isso seja extremamente importante para o som e/ou para a mensagem. Sendo assim, permite que elas habitem mais fácil outros ambientes.

A primeira faixa “The Breakup (Shikwa)” começa o álbum em um nível incrível. Totalmente emocionante, ela já demonstra uma das grandes qualidades do álbum, a performance. Temos apenas ele rimando intensamente, sem beats, apenas um sample vocal bem baixo acompanhando-o. A entrega de Riz Ahmed é tremenda, muito pelo seu trabalho de ator. Suas alterações no ritmo do flow, o tom de voz e sua colocação conseguem transmitir um turbilhão de emoções relatando este término, tanto que, no vídeo oficial dessa música, apenas vemos um close inicial no rosto dele, e durante o resto a câmera apenas se distancia, mostrando-o sentado em uma sala, e o filme todo é sustentado apenas por sua presença. 

Seguindo, temos “Toba Tek Singh”. Ela demonstra uma face mais pop do rapper, muito mais enérgico, fazendo referência a um conto de Sadat Hassan Manto. Vemos também uma influência bem forte das batidas eletrônicas no beat, mais especificamente a das raves inglesas, juntando isso a outras identidades culturais. O discurso para acompanhar a energia e ritmo da música acaba sendo bem direto, porém não deixa escapar sua metáfora ou conceito. O relato aqui da relação colonial fica mais focado nos acontecimentos da Segunda Guerra e da independência do Paquistão, porém, coloca em jogo a própria dependência (econômica e cultural) da Inglaterra para com suas colônias.

Após um áudio da Mindy, aparentemente uma amiga, incentivando-o a não se deixar cair em “prejuízo”, temos “Fast Lava”, a track com ritmo mais rápido do álbum. O beat é intenso e velozo que proporciona um espaço interessante para Riz colocar um speed flow. Porém o mais interessante fica na contraposição dos speed flows dos versos com o refrão de uma única e forte linha “I spit my truth and it’s brown”, apostando bastante na entrega do beat.

Na transição, a mãe de Riz o conforta pelo término, porém não deixa de colocar que o avisou, e que agora a única coisa que o resta é voltar para casa, tudo isso sem falar por completo em inglês. A seguir temos a grande “Any Day”, com participação de Jay Sean, configurando-se numa das melhores faixas do álbum. Tudo nela cheira a hit. Os versos melódicos cantados pelo Riz aproximam-se de um R&B muito bonito, misturando-se com suas calmas rimas em slows, trazendo um resultado inesperado. A música atinge o ápice com o refrão de Jay, conseguindo ser bem emocionante e resoluto com simplicidade. Além disso, ela é a que mais mergulha na metáfora, sendo que, tirada de contexto, pouco imaginaríamos que estivesse falando da situação que ela realmente trata.

Seguimos com outro áudio, desta vez do Mahershala, mostrando muita proximidade e sensibilidade para Riz, e é então que temos “Can I Live”. Ela se esforça para conseguir atingir ao que se dedica, já que suas rimas vêm trazendo um refrão quase choroso repleto de insegurança, pedindo uma pausa para com ele mesmo e colocando a própria aceitação da realidade em jogo. O problema é que o refrão tem pouca força e acaba ficando deslocado, já que funciona mais como uma ponte, até pelo tom de embargo da voz. Isso acaba prejudicando a levada dos versos que vem para o desenvolvê-lo, independe da qualidade das linhas, o que ocasiona uma percepção geral de que o álbum perdeu ou vai perder um pouco de qualidade.

Todavia, isso era só impressão. A fala de Yara nos introduz a segunda metade do álbum e vem para nos deixar saber que agora falamos de superação, tudo a partir de uma busca dentro de si mesmo, ou como ela coloca “I mean dude, you got to ask yourself ‘Who am I without her?’ / I mean, who was I before she came along”. Como se fosse algo cíclico, voltamos a fórmula estética da primeira faixa com “Where You From”, apenas Riz se entregando a performance e rimando, só que dessa vez nada nos acompanha. Assim, voltamos a elevar a qualidade do álbum. A mensagem política ganha holofotes e vem para a primeira camada das linhas. Toda essa composição nos trás um resultado cru, intenso e sincero.

Stop trying make a box for us

I’ll make my own and break your poxy concept of us

Very few fit these labels, so I’m repping for the rest of us

Who know that there’s no place like home and that stretches us

Who code switch, so don’t piss me off with cricket tests for us

Or question us about our loyalty, our blood and sweat’s enough

Born under a sun that you made too hot for us

Kidnapped by empire and diaspora fostered us

Raised by bhangra, garage and halal Southern fried chicken shops

A junglist, a jungli, I’m Mowgli from The Jungle Book

I’m John Barnes in the box, I blaze hard after mosque

I bend words like Brown and West until they just spell “What”

My tribe is a quest to a land that was lost to us

And it’s name is dignity, so where I’m from is not your problem, bruv


Em nossa 11° track vamos a “Mogambo”, lançado como single do álbum. O som possui o beat cheio de swing e coloca o rapper num flow bem diferente do que vinha adotando no resto do projeto, o resultado acaba sendo uma audição bem bacana e surpreendente. Fruto de sua primeira viagem ao país de que descende, a música trata exatamente sobre identidade, tanto que em seu clipe traz junto de lutadores profissionais a presença da comunidade transgênero – já que o Paquistão é um dos primeiros lugares no mundo a terem oficialmente um terceiro gênero.

Temos então a fala de Chabuddy o convidando para algum rolê em Southall, um bairro de Londres, para introduzir a “Deal With It”. A penúltima música do álbum segue para o lado dançante, daquelas que o beat te faz mexer involuntariamente. Para combinar com esse lado festivo e exaltando seu sucesso (também como ator), a levada vai bem swingada e até alterna com um incrível speedflow no início. 

Para a conclusão da nossa saga, temos o melhor áudio do álbum, Hasan falando sobre o estado da ex do eu lírico, a já mencionada Brittney, e termina pedindo de volta a cópia de Hora do Rush 2 – eu pediria também. Para encerrar, nada melhor do que o conceito de Karma. Em “Karma”, o rapper faz o balanço das coisas apropriando-se muito de comparações e antíteses, assim, coloca as dificuldades e tormentos mas também sua boa condição de agora, sua virada e vitória, conseguindo ser muito positivo e motivante. Literalmente, “That’s Karma”.

O álbum de Riz Ahmed acaba sendo incrível, é fascinante desde o conceito até a entrega, sendo esta a grande qualidade do álbum. A audição não soa cansativa em nenhum momento, e a produção encanta: os elementos da cultura indiana e paquistanesa que a compõe e se misturam ao rap e batidas mais eletrônicas criam um universo rico e cativante, muito diferente do que estamos acostumados a ouvir e por isso se mostra um experimento muito sensível. Riz vem completo em sua performance, com uma caneta afiada, precisa e sincera, criando turbilhões de sentimentos nas músicas. É, definitivamente, uma das coisas mais interessantes e mais encantadoras do ano.

A Inverso é um coletivo dedicado a cultura Hip Hop e o seu lugar para ir além do comum.