Nightmare Beats explora seu lado introspectivo em “Lo-fi Para Churrasco, Vol. 3”

Um trabalho que consegue transpor as aflições e anseios por um futuro onde se possa e se tenha pelo que comemorar.

Em teoria, o que diferencia um álbum de uma mixtape ou uma playlist é a presença de um conceito. Alguns partem de uma ou duas palavras, outros de um acontecimento ou fase da vida; a lista é incontável, e por mais que algumas ideias já não pareçam tão ambiciosas pela capa e tracklist, é um fato que o mais importante sempre vai ser a sua execução. Mas às vezes é a simplicidade que mais oferece liberdade para a expansão de uma ideia, e a série Lo-fi Para Churrasco, de Nightmare Beats, tem sido um bom exemplo disso.

Se o primeiro volume se beneficiava de um cuidado na progressão dos instrumental muito acima do que se esperaria de um título tão despretensioso, foi na sua continuação onde as dinâmicas entre o anfitrião e os convidados começaram a dar novas camadas à proposta festiva da série.  Mas a permanência do isolamento (e da pandemia) fez com que o Vol 3 seguisse um rumo ainda mais introspectivo – afinal como se fala de churrasco sem a possibilidade de fazê-lo? Como resultado, temos um trabalho que, entre áudios de Whatsapp e versos tirados do peito, consegue transpor as aflições e anseios por um futuro onde se possa e se tenha pelo que comemorar.

Como seu nome sugere, o Lo-fi ainda é a sonoridade que dita a produção de Nightmare, e são nos loops de ‘Internacional Camaradagem’, ‘Encruzilhada’ e  ‘Andarilho da Noite’ onde a reconhecida suavidade do subgênero mais se faz presente. No entanto, o que mais chama a atenção com o passar das faixas são as enérgicas baterias  do  projeto, que por vezes chegam a ser o principal elemento das batidas, mesmo elas sendo complementadas por diferentes sopros e vozes. Considerando que muito do subgênero ainda é produzido para um consumo passivo do ouvinte, acaba sendo interessante as percussões ganharem um papel a mais.

O disco também apresenta um pouco de  boombap, jazz e R&B nas faixas com participações, mas a estrutura não sair muito do 1 verso/1 refrão acaba fazendo com que a performance dos convidados ganhem uma importância fundamental para o desenvolvimento da proposta. Num geral isso se paga, em especial nas tracks cantadas, onde a atmosfera contemplativa consegue ser transposta em poucas palavras.  ‘O Aqui e o Agora’ é o primeiro exemplo disso, ao usar um loop de piano minimalista para dar espaço às crescentes variações de tom dos versos da dupla Andressa & Fernanda. ‘Encruzilhada’ e ‘Escorre’ também se valem dessas vocalizações acentuadas para preencherem os instrumentos em segundo plano, e fazerem o contraste com as baterias bem marcadas.

Os versos rimados, entretanto, não possuem tanta consistência. ‘Licença para Chegar’, com feat de Koca, relata em poucas linhas como foi seu isolamento na pandemia, mas sem uma perspectiva que as tornem diferentes dos inúmeros versos  que têm sido feitos sobre o tema desde 2020. Algo semelhante pode ser dito sobre o verso de Colibrisa em ‘Marcha nos Planos’, que até conta com algumas métricas mais dinâmicas, mas não chega a acentua-las de um modo que a levem a algum lugar, fazendo com que ele também não soe muito distante de um boombap padrão do começo da década passada. As outras canetadas se saem melhor, mas são nesses momentos onde a vibe “rap de churrascão” menos acrescenta na coesão proposta.

Por outro lado, ‘Me Recuso’ é o som mais memorável de todo o projeto, graças a visceralidade dos versos de  Tiahac e Saibot, abordando problemas familiares, falta de perspectiva, solidão e a necessidade de “transformar a intenção de suicídio em crescer”. Some as linhas confessionais de Tiahac às rimas internas e entrega rasgada de Saibot e o melancólico sax ao fundo, e já teríamos um momento de grande destaque na trilogia,  mas é em seu refrão, gritado a plenos pulmões, onde aparecem a que melhor define o caminho que ela seguiu em sua conclusão. 

Me recuso a ficar sóbrio

Esse  tempo todo, recluso em mim mesmo

Me dopando de ódio.

Me recuso a ficar pobre

Meu happy-hour é a qualquer hora

Meu contrato é vitalício. Time forte!

As participações de Nabru e Gabriel Rafiki, em ‘Pra Não Ter Mais Um Estresse’ e ‘Sem Sono’, respectivamente,  também se enquadram nos acertos temáticos de Nightmare. Na primeira, é a familiaridade da rapper com o lo-fi (e com dobras melódicas) que a permite fazer a sua escrita fluida continuar interessante mesmo na brevidade. Já na segunda, o convidado dá um show no que se refere a como usar uma performance ríspida e bem cadenciada para potencializar as punchlines e metáforas cuspidas. Até a saída se beneficia do clima de constante tensão que a looping do beat estabelece. Se cada participação é um “botar tudo pra fora”, essa também figura entre as que mais bem o fizeram.

Por conta disso, não há como não dizer que essa trilogia se encerrou na medida certa. Usando a boa recepção de um projeto que nem possuía grandes ambições, foi possível se aprofundar no que fazem interações tão simples serem tão especiais em nossas vidas, seja dando um papel maior a quem antes só ouviria a playlist escolhida ou simplesmente mostrando que tipo de conversa acontece depois que a carne esfria e a cerveja esquenta. Alguns momentos poderiam ter ganho um acabamento mais encorpado, mas o sentimento de estar vivo e de ainda haver um amanhã pode ser percebido o tempo todo. Lo-fi Para Churrasco, Vol 3 foi um sucesso.

Melhores faixas: O Aqui e o Agora, Me Recuso e Insônia

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