Tido como um dos maiores, se não o maior nome da curta história do trap, Future viu nos últimos anos seu status ter uma queda. Depois de viver o ápice entre 2015 e 2017, com o clássico “DS2″ e seu grande hit em “Mask Off”, mesmo tendo atingido o recorde de 6 projetos a conquistarem o topo da Billboard em três anos e meio (o que não ocorria desde os anos 70), os últimos anos tiveram lançamentos menos memoráveis e menos amados pela cultura, enquanto nomes como Travis Scott, Young Thug e Lil Uzi Vert ascenderam ao topo na lista de popularidade. Em 2019, o álbum “The Wizrd” foi tratado pelo rapper como o fim de um capítulo, sendo seu projeto mais inventivo em muito tempo e abrindo caminho para o início de uma nova era na carreira do rapper. O problema é que “High Off Life” é o oposto disso.
O projeto é dividido essencialmente em 2 seções: a primeira possui o álbum propriamente dito, com suas faixas inéditas; a segunda, ao fim, trás alguns singles prévios que são “anexados” apenas por razões comerciais. Nessa primeira parte Future entrega a mesma coisa pela qual o conhecemos: trap puxando um lado um pouco mais obscuro, com a velha temática de riquezas – drogas – mulheres e esporádicos momentos de introspecção, que são menos frequentes do que vinham sendo recentemente e menos frequentes do que deveriam ser, considerando o quanto o rapper se dá bem nesta área.
Isso não significa que não tenha muita coisa interessante também. “Trapped In The Sun” é uma das melhores intros do ano até aqui, dando o tom pro disco com um beat que te faz sentir flutuando no espaço, com flow e entrega muito fortes do MC. “Touch The Sky” conta com essa mesma marca, apresentando uma vibe mais obscura e uma bela performance vocal do rapper. Outro ponto de destaque é “Ridin Strikers”, que tem uma excelente produção (cortesia de seus frequentes colaboradores, Southside e ATL Jacob), uma faixa que bate forte e progride a uma transição para um final mais lento, sendo excelente em todos seus atos.
Future morde estilos alheios frequentemente: “Hitek Tek”, segunda do disco, é uma ótima faixa, mas claramente é tirada do livro de Playboi Carti, com uma voz mais suavizada e um flow que se aproxima muito do MC cujo estilo se tornou sensação nos últimos anos. Em “Solitaires” e “All Bad”, que contam com participações de, respectivamente, Travis Scott e Lil Uzi Vert, os convidados parecem os anfitriões. A primeira é o recorrente caso em que Travis é o feat mas a música é toda voltada para o seu estilo, com Future estabelecendo uma boa relação com o beat e o MC, entregando uma boa track; já a segunda é claramente uma sobra de “Eternal Atake” e não faz sentido nenhum nesse disco.
Apesar de alguns destaques, como dito antes, o melhor de Future vem quando ele vai pro lado mais reflexivo. O artista, conhecido por ser o rei da toxicidade no planeta, consegue trazer seus lados mais obscuros de forma que traz até certa empatia. “Posted With Demons”, primeira faixa nesse tom (apenas a sétima do projeto), tem ele falando de sua ascensão da fome e pobreza ao sucesso e riqueza:
I done went against odds before
Makin’ it, takin’ it, they see the wrong
If the streets don’t kill you first, nigga
It’s gon’ make you strong
I done came from out the dirty, nigga
Buried the money in the floor
A frequência dessas se intensifica na segunda metade do disco. “Trillionaire” é outra faixa que conta com a mesma temática, que com seu refrão forte e ótima participação de NBA Young Boy,é praticamente um hino com grande potencial pra hit. “Up The River” traz um beat impecável de Will A Fool, que ajuda o MC a chegar a um tom emocionalmente profundo, seguida por “Pray For a Key” e “Too Comfortable”, duas das músicas mais interessantes liricamente (embora o beat da segunda não acompanhe o nível). A cereja do bolo fica com “Accepting My Flaws”, o encerramento de direito do disco, que tem um verso único com Future abrindo seu coração para sua atual namorada e falando sobre como ela tem sido importante na sua evolução e a combater seus demônios internos, com um beat excelente e uma emoção muito sensível na voz do rapper. É esse tipo de faixa que o torna especial.
Seria um final ideal pro álbum e teria uma nota excelente se parasse pelo que foi coberto até aqui. Mas “High Off Life” tem um problema muito recorrente a álbuns de trap (uma moda que felizmente não chegou com muita força no Brasil): a insistência em encher o projeto com o máximo de canções possível, mesmo que elas não sejam tão boas. No meio dessas faixas citadas Future inclui alguns fillers totalmente desnecessários, como “Hard To Choose One” e “One Of My”, duas canções que possuem nada de realmente atrativo. Além delas, “Harlem Shake” traz o feat mais desinteressante, desinspirado e sem personalidade de Young Thug em anos, sendo difícil crer que um artista como Thugga tenha gravado e realmente gostado do resultado.
Apesar dessas faixas, ainda estaria um álbum muito bom, sendo 16 tracks em menos de 50 minutos uma boa duração. Mas aí, vem a segunda seção citada previamente: os singles. 5 faixas totalmente desnecessárias são coladas, sendo algumas ainda de 2019 e que pouco conversam com o disco ou entre si. “100 Shooters” merece seu valor: é o maior banger do disco, com excelentes aparições de Meek Mill, Doe Boy e um baita beat de Tay Keath. Mas de resto, temos as pouco interessantes “Tycoon” e “Last Name” e, claro, “Life Is Good”. Uma canção que soa como se Future e Drake tivessem colado duas músicas incompletas sem conexão alguma, sem uma real transição entre os beats (as comparações feitas com “Sicko Mode” deveriam ser criminalizadas), num caso em que o momento de ambas é encurtado e termina numa coisa sem sentido. Para piorar tudo, o disco é fechado pelo remix dessa mesma, em que Future toma o lugar de Drake no primeiro beat com uma performance muito pior e ainda tem a segunda parte alongada por um verso de DaBaby (que a esse ponto já se tornou monótono) e um verso de Lil Baby que nem é ruim, mas demora pra encaixar e é prejudicado por estar no final dessa bagunça de mais de 5 minutos.
No final, High Off Life é um bom disco. Future faz o que sempre fez, levando os ouvintes a uma jornada entre o pecado, a escuridão e a luxúria, enquanto traz reflexões sobre seus demônios, com muitos pontos a serem destacados. Mas do outro lado da moeda, perde tempo em demasia com faixas desnecessárias e não é o início de um novo capítulo, como havia sido prometido anteriormente. Em seu trigésimo segundo projeto no total, ainda não foi dessa vez que vimos uma grande mudança de direção.