O rap é uma terra abençoada. Veja bem, diversas coisas vão acontecendo e a gente nunca sabe onde elas vão dar. Por exemplo, eu não sabia lá pelas tantas de 2016, quando eu cai ao acaso no canal de um cara chamado Faustino, que estaria escrevendo esse review hoje. E, para ser sincero, eu nem queria escrever esse review em particular, porque se tem uma coisa que o Faustino faz bem é colocar sentimento nas coisas, entende?! Tudo é tremendamente carregado de sentimento, e, sabe, você vai ter que ouvir outras coisas, outros álbuns dele, outras músicas e cair – é inevitável – em Nihil. E, bem, essa é a parte em que você chora.
Sawa – Vibes, vol. 2 é o novo álbum de Faustino Beats. Ele é a sequência do Vibes, vol. 1 lançado em 2018 e o terceiro de uma quadrilogia que engloba ainda Kuro e um projeto futuro. Conceitualmente, vemos ainda os temas que já foram trabalhados nos outros álbuns – descobrimento, perda e amadurecimento – tomar novas formas mais sóbrias e conscientes dentro de sua própria música. Se no anterior os pontos altos estavam atrelados a emoção entregue contrastados com as caídas em seus momentos de experimentações, no novo temos uma entrega média em um nível muito mais alto, deixando a bola cair apenas em uma faixa.
O álbum percorre toda uma jornada melancólica enquanto pinta seus retratos, quadros momentâneos, imagens rápidas a cada faixa. A lá o álbum anterior, a grande busca é a atmosfera: sentimentos são nossos protagonistas e nossas histórias são apenas para reforçá-los. É simples, mas potente, já que Faustino sabe muito bem como conduzir as coisas e alcançar nosso íntimo. O uso de seus recursos se dá no ponto, abusando justamente nos momentos certos de sua capacidade vocal para seu flow R&B.
Para além de tudo, o rapper e cantor soteropolitano é ainda um produtor muito talentoso. Nesse projeto todos os beats são assinados por ele, com exceção da faixa 3, creditada a Hayllan Assis. Olhar para os beats nesse álbum requer muito cuidado: eles acabam sendo uma parte importantíssima no jogo, já que são eles que vão criar a atmosfera do álbum, que funcionará como a grande qualidade do projeto, permitindo que o rapper mostre o que pretende surfando em cima dessas ondas sentimentais. Assim, a sinergia criada pelo artista entre a composição da música e o instrumental é incrível, algo que só pode ser encontrada naqueles casos específicos onde quem escreve é também quem compõe, possuindo aquelas letras que foram feitas especialmente para aquele momento.
“Boro – Ego, Pt. 3” é uma excelente intro, amarra sem se esforçar todo o álbum, fazendo soar totalmente natural nossa jornada. Também, o áudio que entrecorta o som soma de forma incrível, dando todo o tom necessário à mensagem para uma boa intro, uma boa faixa e um bom álbum. Além disso, é nosso cartão de apresentação para todo o amadurecimento do rapper rimando. Independente do motivo de sua pausa e o grande intervalo entre um projeto e outro, Faustino voltou aumentando o nível. E, se começa em alto nível, “Demorou” eleva-o ainda mais: uma excelente música que não cai no lugar comum da temática. É interessante como se constrói aqui, com linhas fortes, uma situação para a convivência de um misto sem fim do sentir: um superar, a saudade, a falta, o sexo, uma aceitação, o próprio tempo;
Chama se quiser fuder
Mas nem pense em me cobrar
Quando eu corri por você
Tu escolheu me ignorar
Faço sua perna tremer
Faço seu olho virar
Mas quando a foda acabar, nem vem me abraçar
Nem tentar me falar
Que sente falta de me perturbar
Do nosso tempo, nosso ritmo, e de me chupar
Mas cê dormiu no ponto e tem outra no seu lugar
Fechei a porta, não dá
Mas é logo em seguida que chegamos ao grande problema do álbum: sua própria curva de experiência . Estávamos em plena ascensão, em um nível muito agradável, mas topamos com “Kabuki – Visível”, facilmente a pior faixa do disco. O único beat que não é do Faustino destoa totalmente do resto do álbum, tendo nuances mais pops e comerciais, encontra apoio apenas na última faixa. Além disso, temos o feat da Áurea Maria, que também não acerta na estética do todo, destoando completamente do que vínhamos ouvindo e ainda vamos ouvir. Apesar da letra abraçar o beat e ir para os temas mais quentes, essa mudança brusca na sonoridade ainda segue a lógica dos álbuns anteriores, sendo um problema complicado de se lidar, já que se enfraquece pelo que está em sua volta.
Em nosso caminho seguimos com “Foi O Q Ela Disse”, voltando com um belo instrumental retomando a atmosfera do álbum. A estrutura da música é algo notável, trabalhando suas repetições para construir sua mensagem, quase como se todos os versos fossem pontes de um verso que não houve para um refrão que não chega. “Kevin – Cinza, Pt. 3″ vem na sequência e em sua intro aproveita a construção da música anterior.
“Memória”, penúltima faixa, é a grande música triste do álbum, quase um clímax para afligir até o mais frio dos corações. Aqui o violão toma o protagonismo no beat e vemos Faustino aproveitar de forma precisa seu talento vocal, sem soar forçado em momento algum. De fato, a música mais singela do álbum. E tudo isso com apenas um verso,
E eu não sei porque
Fechando os olhos eu te vejo aqui
Sabe, eu não te devo nada
Nem te deixei machucada
Mas de tanta coisa que não apaga
Lembro como que cê amava dançar
Você mora comigo nessa valsa
Viver longe é um castigo que não passa
Você mora comigo nessa valsa
Deixa demorar, memória, deixa demorar
“Shinai – Casulo“está aqui para encerrar o projeto. Há alguns tropeços nela e não acaba tendo como resultado final uma música interessante, porém o feat do Sico é acertado dessa vez, dando um novo ar para a track, o que não a salva por completo, conseguindo apenas um encerramento decente.
O álbum acaba sendo o resultado de faixas muito sóbrias e maduras. A tristeza vem dialogar para nos deixar mais humano e para que assim possamos encontrar força dentro da nossa fragilidade. Isso vem muito para colocar em xeque as nossas relações entre masculinidade e sentimento. Com isso, temos nesse rápido disco muito do melhor do rapper: uma chuva de sentimentos para nos acompanhar em nossos piores momentos.
Faustino Beats demonstra ainda amadurecimento em sua entrega nesse álbum, e isso abarca tanto o seu rimar quantos as rimas propriamente ditas. Ademais segue fazendo produções de alto nível e entendendo bem aquilo que pretende entregar e onde quer se situar. Apesar dos tropeços, quando acerta consegue algo em um nível muito bom, deixando o saldo positivo para sua conta.
Sawa é um belo disco, o melhor do Faustino até agora. Mas eu realmente não queria ter ficado triste essa noite enquanto ouvia Memória. Porra Faustino, essa merda machuca!