O homem está de volta. Nosso cristão favorito, Kanye Omari West, apareceu recentemente com uma grande sequência de novidades: lançamento do clipe de “Spaceships” (sim, 16 anos depois), anúncio da parceria da Yeezy com GAP (o que trará produtos relativamente mais acessíveis), anúncio de um desenho animado do duo Kids See Ghosts e o lançamento de um… bom… vamos chamar de crocs da Yeezy. Além disso tudo, é lançada hoje “Wash Us In The Blood”, nova track que seria o primeiro single do álbum “God’s Country”.
Uma coisa que já devíamos ter aprendido à essa altura é: a gente nunca sabe o que vem de Kanye West. Com um público com a guarda baixa após o decepcionante “Jesus Is King” e a promessa de seguimento na temática cristã, Boom. Ele pegou todo mundo de surpresa.
“Wash Us In The Blood” é (e você já deve ter lido essa piada meio óbvia hoje) como se “Yeezus” e “Jesus Is King” tivessem um filho. A sonoridade abrasiva e elétrica e a atitude mais agressiva direcionada às questões raciais dos EUA do primeiro se misturam com o pano de fundo cristão visto no último pra criar a melhor canção do artista desde “Ghost Town”. A batida se forma em torno de uma sirene, criando a sensação de alarme que a situação racial nos EUA pede após o levante da população negra contra os assassinatos por parte da policia (A.C.A.B), e todo o sofrimento proporcionado pelo mundo branco. Junto dela uma bateria incrível, linha de baixo, vocais adicionais (que Ye AMA usar como instrumentos e o faz mais uma vez com excelência) e sintetizadores formam uma produção preparada pra quebrar tudo em qualquer casa de show. É um dos beats mais insanos que Kanye (com auxílio de Ronny J e outros colaboradores) nos deu em tempos, sendo também bom pontuar o incrível trabalho de Dr. Dre na mixagem, uma área que deixou muito a desejar em alguns lançamentos recentes do rapper.
Após a mensagem em “Jesus Is King” sair completamente vazia e perdida, o MC acerta o ponto aqui. Você não precisa só repetir “Jesus eu te amo” de formas diferentes pra fazer música cristã, e sim usar sua fé pra tocar em assuntos que se relatem com o mundo. Kanye, basicamente, pede por salvação de seu povo preto com o Espírito Santo e o sangue de Cristo, mas, ao mesmo tempo, traz na escravidão e no genocídio negro as raízes da desigualdade que leva a todas as questões abordadas que (n)os fazem necessitar mais ainda dessa salvação, numa leitura social que Ye não fazia já há muito tempo.
Wash us in the blood (Blood)
Whole life bein’ thugs (Hah)
No choice, sellin’ drugs (Ooh)
Genocide what it does (Ah)
Mass incarc’ what it does (Huh)
Cost a cause what it does (Ooh)
‘Nother life bein’ lost (Woah)
O delivery do rapper soa o mais vivo em anos, com a visceralidade que já mostrou ao longo de sua carreira, contribuindo para ambientação de uma track que, além de tudo, é um ataque às estruturas de poder. Une-se a isso tudo o clipe que, entre muitas coisas que só são compreensíveis dentro da cabeça de Kanye (por que um vídeo de GTA Online?), mostra a agressividade policial, atitudes perigosas praticadas dentro da comunidade negra e vídeos de Ahmaud Arbery e Breonna Taylor (cujos assassinatos inspiraram os protestos vistos por lá e cujas famílias receberam doações milionárias de Mr. West), se encaixando bem com a mensagem da música e sendo até certo ponto doloroso de se ver.
Quem, se não Kanye, para trazer um feat estelar e dar a ele só algumas linhas? Depois de Jay-Z na polêmica “Pop Style” e Andre 3000 em “30 Hours”, dessa vez Travis Scott teve uma participação curta demais para o esperado, embora seguisse na mesma temática da track (Thirty states still execute (Ah)/ Thou shall not kill, I shall not spill). Seria interessante ver uma participação mais extensa do MC, principalmente por seu estilo combinar tão bem com esse tipo de beat.
Embora seja um verso cuja fala é mais acertada que na maioria das vezes (o Kanye incontrolável nos dá o seu melhor e tem sim suas falas distorcidas pra causar polêmica), essa faixa realmente não precisava do já tradicional egocentrismo do artista, visto na última parte. Não casa bem com a mensagem do resto da track e poderia ter sido trocado por mais falas sobre o racismo e a opressão em seu país.
Estamos diante de uma excelente track. Um grande retorno para Kanye que aparentemente, mais uma vez, está conseguindo mudar a opinião pública sobre si com suas ações e, novamente, com sua música, voltando a mostrar sua visão futurista e um pouco da criatividade que o rendeu a merecida alcunha de gênio. “Wash Us In The Blood” traz Kanye em seu melhor estado de performance, ideias e produção, provando errados aqueles que duvidavam de um retorno à forma. Achei que não estaria empolgado para um novo álbum do MC, mas achei errado.