Olá, pessoal! Meu nome é Naomi Nicolau, sou Produtora e Podcaster no podcast DIASPORAP e tenho a escrita como uma arte. Hoje, para confirmar essa essa habilidade, fui convidada pela The Rap Shit para escrever sobre o “The Miseducation Of Lauryn Hill”, álbum marco no final da década de 90 não só para a carreira solo da Lauryn, mas para a cultura Hip Hop como um todo. Ele foi lançado no dia 25 de agosto de 1998 e, desde então, tem sido colocado como referência para gerações futuras e aclamado pela crítica até hoje.
Quando era mais nova não percebia tanto o valor com relação ao marco que ele representava na história. Via muito os meus irmãos ouvindo, principalmente minha irmã, talvez por um olhar de representação em relação à figura da Lauryn. Mulher, negra, talentosa, artista e com lindos dreadlocks que são desejados até hoje. Após meu crescimento não de idade, sobre conhecimento musical em relação ao comportamento da cultura Hip Hop, entendi que é muito difícil um álbum se tornar atemporal e resistir tanto ao tempo como esse. Esse envelhecimento forte, com mais de 20 anos, possui diferencial em relação à produção e letra, coloca um álbum em uma nova escala do hall da cultura. Além dessa passagem de tempo positiva, a obra foi aclamada já em seu lançamento, ganhando 5 grammys.
O que mais chama atenção é que poucos elementos eletrônicos são utilizados para a construção dos arranjos musicais desse álbum. Você encontra vários instrumentos como baixo e guitarra. Hill não só escreveu, como também fez arranjos e foi responsável pela produção como um todo. Apesar de no Spotify ter somente o nome dela incluso nos créditos, houveram outras contribuições na produção e elas foram acertadas. Participações no piano como John Legend em “Everything is Everything”, Che Vicious e outro grande time que foi montado especificamente para esse trabalho na produção do álbum.
Mas, antes de entender esse disco, primeiro precisamos entender o que e quem é Lauryn Hill. Naquela época, uma jovem de 22 anos cheia de sonhos, grávida e recém saída de um grupo de sucesso, The Fugees, que acabou devido a brigas por situações de fundo amoroso e sexual que envolviam tanto Lauryn Hill quanto Wyclef Jean, que também era integrante do grupo junto com Pras Michael.
Diante disso, já vemos um misto de dilemas e um rito de passagem entre a garota rapper e sua nova face como mãe. Mas, com o conceito de conteúdo do grupo ainda em suas perspectivas rítmicas, pois as letras com apelo social contra a opressão, principalmente contra o machismo e relações amorosas, não pararam de pipocar em suas canções nesta obra.
Mas, vamos à cereja do bolo? Sim, as músicas e as melodias que envolvem a obra. Os beat são apenas detalhes durante a maioria das músicas. A presença de instrumentos musicais como baixo, piano e teclado dão um tom animado a algumas canções e uma pegada mais lenta a outras, principalmente quando abordam temas mais emocionais como decepções, amor maternal ou amor romântico.
Em “To Zion”, música dedicada especialmente ao filho dela com Rohan Marley, a participação de Carlos Santana na guitarra e uma batida feita por uma bateria bem tímida, mas marcada, dão mais evidência à voz de Lauryn, que alcança altas notas e repassa uma mensagem cantada no coração com o refrão “Now the joy of my world is in Zion”. Isso mostra totalmente o lado mãe de Lauryn e o quanto ela ama seu filho, que na ocasião da gravação ainda não havia nascido. Mesmo sendo aconselhada a abortar o filho por terceiros sob justificativa de representar um problema no andamento de sua trajetória musical, ela manteve a gravidez e ainda deu um jeito de fazer com que isso fizesse parte do impulsionamento meteórico da sua carreira solo, tendo uma música inteiramente dedicada ao bebê no Miseducation.
Além das músicas mais tranquilas existem hits envolvidos dentro da obra, como “Doo Wop (That Thing)”, a música mais proeminente do disco. Esta canção até hoje toca em festas e agita pistas, não saindo do setlist dos DJs que realmente entendem de black music. Essa música fala sobre as atitudes de homens e mulheres perante as relações amorosas e o famoso jogo de sedução eminente na hora da conquista. Por tocar numa questão muito comum na vida dos jovens, sempre faz o público cantar a música com AQUEEELA emoção no rolé. Apesar do mundo ter evoluído muito de lá pra cá, certas coisas são atemporais, né?
E o Hip Hop é mestre em trazer atemporalidade. Não só nessa música, mas em tantas obras obras espalhadas pela Cultura através do rap ao longo do tempo. Um exemplo ainda em “Doo Wop (That Thing)” é quando ela diz “Look at were you be in, hair weaves like European” , um alerta para as mulheres negras que tentam se encaixar num padrão para agradar certos homens, dizendo que isso não seria necessário nem naquela época nem atualmente.
Os feats consagrados também são um ponto importante no álbum. Temos eles na voz com D’Angelo, Mary J. Blidge e no piano com John Legend. Esses nomes são grandes referências do R&B dos anos 90 e celebrados até os dias atuais, inclusive D’Angelo havia lançado três anos antes seu consagrado álbum “Brown Sugar”, numa pegada parecida com Miseducation, também com produção e escrita sendo praticamente exclusivas do artista principal.
Isso mostra como os anos 90 foi importante para a aproximação do rap e do R&B, sendo refletido em diversas obras, inclusive essa. Isso se deve Á criação do New Jack Swing pelo produtor Teddy Riley, que mistura alguns elementos presentes na formação de um beat de rap, mais a pegada mais “cantada” formada pelo RnB. A partir disso, os anos 2000 foram recheados de produções nessa perspectiva, vide os clipes tão amados como Nelly, T.I. e outros.
Voltando às músicas mais referenciais do álbum, vemos “Everything is Everything” que traz memórias sobre algo que teve fim. Ou seja, isso faz um link com o que foi dito no início do texto sobre as experiências de rompimento e final de um ciclo em sua vida. Um dos versos da track diz que às vezes podemos estar sentindo que estamos com o jogo perdido sem nem mesmo começar, e que isso gera uma confusão dentro de nós, mas que no final tudo tem que ser o que é para que as coisas entrem em ordem.
Com isso, ela quer dizer que, de alguma forma, a chegada da nova carreira solo foi algo positivo, mesmo que tenha sido confuso e tenha a deixado perdida. No fim das contas foi necessária essa chegada para que coisas muito melhores ocorressem na vida dela profissionalmente falando.
Outra música que entra nesse quesito é “Lost Ones”. Ali ela diz “You might win some, but you just lost one”. Ou seja, mesmo que você ganhe pouco, você só perdeu uma vez. Nesse caso, mais uma vez ela retoma a questão do “perder para ganhar” algo durante o seu processo na chegada da carreira solo. O que pode ser um conselho também para aqueles que estão com medo de arriscar ou tentar algo novo na vida.
Por fim, o último som que mais chama atenção é “Can’t Take My Eyes of you”, uma releitura da canção homônima de Frankie Valli. A música fala sobre o quanto aquela pessoa é importante e como ela não consegue viver sem aquela ser o qual ela não se refere especificamente, mas que parece ser mais uma canção dedicada ao seu filho Zion para fins de encerramento do CD, já que é a penúltima música. E que encerramento! Que interpretação!
Esse álbum como um todo tem uma carga musical e um jeito novo de fazer rap. Com muitos instrumentos, poucos elementos eletrônicos, a não ser para algumas batidas. O disco é uma referência grande para aqueles que querem fazer um som envolvido em trap e R&B. Hoje em dia, esse tipo de inspiração é vista em vários projetos, com um grande exemplo no álbum “TrapSoul”, de Bryson Tiller. Agradeço ao The Rap Shit pela oportunidade e espero que vocês gostem desse review. Abraço!