Review: Ebony – Condessa [EP]

Ascencio aqui.  Quando um artista se destaca em projetos paralelos, seja com feats em outros álbuns ou em seus próprios singles, logo, pedidos por materiais mais completos começam a surgir, em muito por parte do público. Sim, pelo menos ainda, um compilado de músicas lançadas sob um mesmo título e conceito continua sendo uma boa forma de consolidação na música enquanto cenário. Esse é o contexto que envolve Ebony e seu primeiro EP “Condessa”.

Todos da cena queriam ver mais dela e, consequentemente, de seu potencial representado por um variado leque de recursos: suas ótimas e fluidas mudanças de flow como em “Face Time”, seu domínio ao criar métricas presente em “Xoxo”, sua habilidade em explorar rimas demonstrada em “Glossy” e também toda sua contundência vista em “Bratz”. Esse pacote foi responsável por figurá-la em projetos de peso da cena, como o Fresh Star 2020 PNPL, e lhe atraiu olhares suficientes para que algo mais ambicioso pudesse ser lançado de sua parte.

 

 

“Condessa” possui seis faixas, totalizando algo em torno de catorze minutos. Ebony começa de forma muito sábia e, logo de cara, retira o elefante na sala ao falar da expectativa posta em um “Disco” seu, a ideia é tratar sobre o assunto com naturalidade para que ele não pese tanto no decorrer do projeto. A produção é de Celo e não foge do que o restante do trabalho irá apresentar nesse sentido: uma atmosfera bem grave com 808s fortes nos kicks. Aqui em específico, o hi-hat é usado para visualização do compasso, onde a MC realiza uma boa performance criando uma estética de rimas em vogais altas e, em seu único verso, entrega interessantes aliterações em sons sibilantes, que fazem com que os seus chiados combinem com a sonoridade dos pratos fechados. Yunk Vino chega na participação e deixa dois versos, um deles mais melódico em métrica própria e um segundo onde demonstra boa adaptação, aderindo tecnicamente à ideia da faixa.

“Lipstick” apresenta a produção de AJ, responsável pela maioria dos instrumentais do projeto. Na track, juntamente com uma bateria mais completa, a popular combinação melódica do subgênero, cordas e flauta, fazem presença. A primeira mais na superfície enquanto a segunda é cuidadosamente posta para acompanhar as variações de tom feitas pelo flow de Ebony. Este, por sua vez, entrega, na metade de sua métrica, acentos marcantes para depois descerem em delicados finais brandos. A música apresenta o começo de uma empreitada de sentimentos, prevalecendo neste início a busca pelo amor em sua forma mais pura. Porém, dá certa impressão de que termina cedo, enquanto ainda possuía gás para continuar e desenvolver mais tanto sua temática quanto sua performance técnica.

A faixa mais longa do projeto é “Paris” com seus três minutos, sendo também onde a MC mais se empenha em elaborar sua performance. Com uma ideia semelhante à vista no som anterior, Ebony divide algumas de suas linhas em duas, porém agora a segunda metade se faz em uma ascensão mais aguda, tonalidade que também está presente nos bons adlibs,  e se opõem a primeira parte que ocorre em tom mais grave.  A dualidade funciona bem, com pontuais exceções em picos agudos que se prolongam um pouco demais, forçando a trapper a subir muito rápido para não atravessar o compasso, o que também prejudica em algumas notas que a pós produção tenta segurar. No entanto, são mínimos esses momentos e não chegam a afetar em muito a proposta da faixa em específico. Nesta, há um verdadeiro cabo de guerra sendo travado entre fortes personalidades dentro de um mesmo relacionamento, seja valendo-se de metáforas como se objetificar por meio medalhas,, ou um jogo de vídeo game, seja descrevendo situações particulares de uma vida a dois.

As cordas surgem como elemento principal em “Flat” criando a atmosfera característica do segundo e último convidado do EP, Sidoka. O trapper apresenta, no único verso da música, aquilo que o fez ser chamado, sua característica estética padrão. Não surpreende, mas entrega o combinado, funcionando para a execução da track. Ebony, do seu lado, repete por duas vezes um longo refrão em uma rápida entrega de mais energia, o que vem a calhar já que a faixa tende, tematicamente, para a faceta mais sexual e maliciosa da relação. Porém, novamente, o ouvinte esta diante de outro caso onde mais poderia ser mostrado por parte da dona da casa (ou do flat), o que não acontece.

As duas últimas músicas são também as mais curtas do projeto, ambas com pouco menos de dois minutos. “Bourbon” e “Bugatti”, esta segunda de produção mais diferenciada com graves não tão “na cara” e boas variações de hi hats feita por Lotto e Nagalli, representam momentos limítrofes do fim de uma história, por isso, são escolhas coerentes para encerrarem o EP. A primeira trata dos problemas finais de um relacionamento tóxico metaforizado pelo vício alcoólico, a outra discorre sobre recuperação e empoderamento representada pelo luxo e status de uma Bugatti. As duas tracks, e também a anterior, desenvolvida no último parágrafo, se valem de um mesmo recurso no final de sua métrica, onde as linhas tendem a reforçar o término em oposição de acento das duas sílabas finais, sendo a primeira sempre tônica e a segunda mais prolongada. É uma ideia interessante, mas que poderia não se repetir tanto. Tratando-se de repetição, esta é explorada de formas diferentes em cada uma das duas faixas analisadas: na antepenúltima, ocorre sem função rítmica aparente, funcionando apenas para preencher espaços, quando estes não são estranhamente deixados vazios; mas, já na última, com uma boa entrega mais seca, fria e sem nuances, a repetição trabalha muito bem contribuindo para o ritmo, o que daria à ótima faixa, de sagazes rimas internas em um diferente segundo verso, mais alguns bons segundos de vida útil que, por sua parte, aumentariam em muito o replay value da track, sendo algo a se lastimar sua curta duração.

Rapidamente, os catorze minutos de “Condessa” se vão e, como uma força nobiliárquica, a MC impõe sua representatividade e empoderamento com uma mescla de delicadeza e malícia em sua voz, o que talvez seja uma das características mais fortes do material. O trabalho não peca em não ser original, mas sim, em não se permitir ser em muitos momentos de suas ausências, quando poderia, mas não se desenvolve. Ebony, como já demonstrou, tem potencial artístico para reinar, expandir e delimitar seu próprio condado no feudo que é o Rap Nacional. Talvez com o futuro álbum isso aconteça.

Review: Ebony – Condessa [EP]
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