Review: Filipe Ret – Imaterial [EP]

Salve, Ravi aqui. Na década passada, poucos MCs alcançaram o nível de destaque que Filipe Ret alcançou. Depois de sair do underground com o clássico “Vivaz”, em 2012, onde demostrava ser bem mais que um rapper que só fala de maconha, abordando assuntos como política e sociedade de uma forma transgressora e inconsequente, Ret lançou “Revel”, em 2015, que apresentava uma mudança para beats mais modernos mas que encontrou uma recepção não tão promissora por parte da crítica, logo depois vem “Audaz”, de 2018, álbum de amadurecimento desse novo caminho musical que produz um trabalho mais digno para fechar a trilogia. Agora, em 2021, o MC carioca volta aos holofotes com o lançamento do EP “Imaterial”.

 

 

Desde “Audaz”, o carioca tem ao seu lado seu fiel produtor Dallas, responsável por quase todos os beats do projeto. A parceria de longa data fica clara na química entre MC e instrumental, onde os beats melódicos são um bom palco para o artista mostrar seu flow característico. Apesar disso, tirando a música de encerramento, “Cobaia de Deus”, que traz um toque de afrobeat que esteve presente desde o começo da parceria entre Ret e Dallas, e também sintetizadores e linhas de baixo que se encaixam ao consumir os espaços vazios que a percussão deixa de propósito, as outras melodias deixam a desejar no quesito criatividade, se satisfazendo com high-hats previsíveis, como em “F*F*M*”, e 808s sem muita inspiração, como em “Além do Dinheiro”.

Essa falta de criatividade presente nas batidas se reflete também nos flows ao longo do disco. Quem dá play em um álbum de Ret espera ouvir o flow melódico e as rimas dentro do leque temático que o MC aborda nas suas letras. A criatividade do artista, que já rimou uma música inteira no idioma próprio do seu bairro, não aparece aqui, dando espaço para um rapper pouco inspirado e um cantor menos ainda, que se resume a explorar as mesmas entonações e melodias presentes em seus maiores hits.

Um diferencial entre Ret e outros rappers brasileiros que adoram falar sobre vitórias, amor e drogas, é, como já mencionado, o toque político que algumas rimas do carioca possuem. Porém, em “Imaterial”, a desorganização pesa nesse sentido e algumas dessas linhas vêm perdidas em músicas onde definitivamente não se encaixam, como em “F*F*M*” (sigla para Fudendo Fumando Maconha), que ele lança a linha “militar não é militante” enquanto fala sobre bling no pulso, esconder o flagrante e surfar em uma bunda gigante.

Apesar disso, existem outras que são bem mais pensadas, como em “Acende a Vela”. Um dos destaques do EP, e única música com um time diferente de produtores (o super combo de Pedro LottoWey e Nagalli responsável por um beat melódico de trap de alta qualidade), Ret critica o cenário político, atacando o atual governo quando o chama de “nova ditadura em forma de milícia”, a desigualdade social em “ninguém pode tá feliz enquanto o desemprego bate recorde junto com o lucro dos bancos”, e até corrupção e o aumento do conservadorismo:

Arrancar a cabeça de quem rouba o povo

Faria bem melhor pro meu sono

Numa luta que não é só minha

Tô sem papa na língua

Quem liberou os reaça’ pra perder a linha

Apesar de um assunto necessário a ser transmitido ao seu público, como é visto, nem sempre essa conscientização vem como um acerto. É óbvio que as linhas do MC sobre políticas possuem as melhores das intenções, mas de boas intenções o inferno tá cheio. E por falar em inferno, um dos erros da track são linhas como “Deus era um gay preto, o Diabo branco e hétero”. Essa letra, que poderia até fazer mais sentido no verso de outros MCs com mais conhecimento (e local de fala) para discorrer sobre, vem acompanhada de rimas como “Se o ser humano tem raça, eu odeio a minha”, que deixa claro a superficialidade com a qual Ret aborda o assunto, se resumindo a repetir lugares comuns de uma “culpa branca” vazia no seu discurso político, do tipo que a gente vê nas redes sociais.

E quando o assunto é redes sociais, uma das características mais marcantes do rapper é a energia “Drake” das suas letras: suas rimas motivacionais e de autoajuda uma hora ou outra vão virar legenda de foto do Instagram. Seja para falar de confiança, “enquanto tu for o que os outros querem, tu não vai ser nada”, esforço, “pra mim o mínimo do mínimo é dar meu máximo”, paz, “mais amor e menos ego” e superioridade, “quem é ouro nunca vai ser bronze”. A superficialidade da escrita de Ret é uma faca de dois gumes: ao mesmo tempo que essas rimas se tornam rasas por se resumir a frases de efeitos sem nenhum pensamento mais profundo por trás, elas são vagas o suficiente para que muitas pessoas se identifiquem com o que foi dito.

As clássicas rimas motivacionais e de autoajuda estão presentes por todo projeto, mas é na sua abertura e no seu encerramento que elas se completam. Enquanto “War” inicia o EP com um discurso sobre sonhos e se prender a eles (e também conta com referências ao ícone do rap underground carioca Gutierrez) além de um refrão bastante repetitivo, mas que funciona bem graças à voz e à pronúncia que Ret usa ao cantar, “Cobaia de Deus” fala sobre desapego e evolução em “o que te trouxe até aqui não vai te levar pro próximo nível”, e conta com a presença de outra lenda carioca, MC Cacau, uma das primeiras funkeiras do Brasil. Mesmo com uma participação pequena, o refrão brilha com a presença dela, em uma faixa marcada pelo que é facilmente o melhor beat do EP.

Com apenas 5 faixas, “Imaterial” corre bem e, mesmo que seja repetitivo em alguns momentos, é curto o suficiente para que os destaques não sejam escondidos em uma experiência desagradável. No fim, trata-se um projeto que não adiciona nada de diferente à trajetória de Filipe Ret, sem contribuir para o seu avanço, mas também sem atrapalhar o seu progresso.

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