4 anos é o tempo que separa Nirvana I do presente trabalho. Nesse meio tempo, o trap deixou de ser uma promessa para se tornar uma realidade, e os nomes que tiveram essa visão desde cedo foram os que mais e melhor “surfaram no hype”. Dalua é, sem dúvidas, um desses casos, pois evitou muitas das polêmicas da época para lapidar a sua performance, que desde seu debut já se mostrava acima da média. Como resultado, ele continua sendo um dos melhores e mais consistentes do subgênero.
Essa consistência, no entanto, já caminhou numa linha tênue com a repetição, e ‘Músicas para Tocar no Carro, Vol. 1’ acabou sendo o maior exemplo disso (literalmente). Agora, em Nirvana II, temos um projeto muito mais enxuto, tanto pela ausência de feats como por um direcionamento temático até então nunca explorado em sua discografia. Afirmações assim devem ser usadas com moderação, mas talvez esse seja seu melhor trabalho até agora.
A primeira coisa a ser comentada é a produção. Se em Nirvana I o rapper apostava em loopings minimalistas e crus para demonstrar o alcance de suas modulações de voz, agora a escolha parece mais aberta a outros elementos que também dialoguem com a sua entrega. Estamos falando de flautas, violões e principalmente os arranjos vocais elaborados por Ge Junior, que se fazem presentes em maior ou menor destaque, dependendo da track. É por causa disso que até as faixas previamente lançadas como single não soam deslocadas da estética proposta. Quanto às produções, 2021 se encaminha para o fim, e Nagalli e Mathinvoker continuam na mais alta prateleira do trap nacional.
A lírica também se mostra como um acerto no disco, o que é surpreendente vindo de um rapper que, por anos, preferiu focar em pontes e refrãos grudentos a rimas internas ou punchlines. Se isso aconteceu pelo teor mais introspectivo do trabalho ou pela ausência de convidados para assumir esse papel, não se sabe, mas o fato é que há um muito bem vindo esforço em manter uma construção a cada verso rimado, e variar o que está sendo rimado. Mesmo que ainda existam vícios, em especial nas inúmeras citações a marcas de carros e de joias, é louvável ver um MC tão elogiado pela sua “preocupação estética” se abrindo para as potencialidades da rima, como já ocorre em ‘Intro/Te Levar Daqui’
Empacota essa grana
Bolso cheio pro final de semana
Eu fiz pra sair da lama
Tenho tudo. Eu sei que ela me ama.
Não sai de cima. Claro, é ela que manda.
Disciplina. Olha como ela anda.
Taça cheia. Ela paga a comanda.
Parando a festa. Olha como ela anda
‘Fuga’ e ‘VVS’ também apresentam boas linhas, mas são os flows o maior destaque das duas. Na primeira, há uma boa intercalação de barras curtas e longas para mais variações na cadência, por vezes acentuando as rimas externas para que nenhuma transição atropele o beat. Já em ‘VVS’, o MC se mantém constante numa mesma cadência, acompanhando o looping de piano para rimar um verso que, supostamente, se resumiria a um bloco de monorrimas imperfeitas, mas que na verdade se sustenta ao variar sutilmente as consoantes finais (ate, ade, abe, ale, are). E antes que a ideia se esgote, ele já conduz o seu flow para outro esquema de rima.
Apesar da versatilidade apresentada até então, há 2 faixas que arranham a tracklist. Nenhuma delas é objetivamente ruim, mas são as que mais evidenciam que ainda existe uma zona de conforto a ser superada. São elas: ‘Espécie 2.0’, cuja semelhança com o som original é tão grande que faz ela parecer apenas uma tentativa de capitalizá-lo novamente; e ‘Diego’, que apesar da boa dinâmica entre a guitarra comedida, os frenéticos hi-hats de Nagalli e os adlibs do anfitrião, não consegue ir muito além do típico “trap de fazer dinheiro”, caindo em rimas que, antes, haviam sido melhor utilizadas.
Felizmente as últimas faixas são as melhores de todo o projeto. As duas se apoiam na ideia de usar os corais durante o refrão para transmitir o triunfo sobre as adversidades do passado, mas é a introspecção que as dá substância. Como seu título já sugere, ‘Não Confio’ é um desabafo sobre como a confiança absoluta em alguém pode custar caro para um artista independente. Méritos devem ser dados ao refrão, que consegue mesclar a melancolia da flauta com a resolução apresentada nos versos e ainda fazer paralelo com o conceito da faixa final. Soa tão bem pensado quanto honesto.
Se não vale uma chain…
não tem como acreditar
Meu intuito não é ferir ninguém
Corro certo, posso afirmar
Por isso, confio em ninguém
Disciplina em primeiro lugar
Seu respeito não é o peso da chain
Então tem que saber chegar
‘Chora Agora Ri Depois’ dá continuidade a essa introspecção, usando braggadocios mais palpáveis no primeiro verso para depois expor todos os percalços já enfrentados no segundo. A entonação é bem mais grave aqui, o que faz com que o relato se torne cada vez mais potente à medida que se desenvolve, para enfim alcançar a catarse no belíssimo refrão em coro. Não tem como poupar elogios ao som, pois ele encerra o disco da melhor forma possível. É ouvir e sentir.
Ter pilhas e pilhas, comprar uma ilha,
Herança pra filha. Eu mereço isso.
Mantenho meu foco. Eu dobro essa pilha.
Cansei da mobília. Troquei tudo isso.
Tudo que eu tenho foi na disciplina
Suor todo dia. Posso provar isso.
Larguei da escola bem cedo. Claro eu não devia.
É foda quando eu penso nisso
Nirvana II pode não ser tão arrojado quanto o seu antecessor, ou tão ambicioso quanto o seu álbum de estreia, mas com certeza é o trabalho que melhor direciona o talento de Dalua na performance vocal. Mais do que esbanjar o que ele sabe fazer, o rapper parece levar em consideração o que a faixa pede, e como ela se encaixa entre as demais. Ainda há lugares-comuns em sua escrita, mas nunca houve tanto esforço em transmitir a sua própria caminhada quanto agora. “Tive que me reconstruir várias vezes” não foi uma linha vazia e a qualidade desse trabalho comprova isso.
Melhores Faixas: Fuga, Não Confio e Chora Agora Ri Depois