Review: Tasha & Tracie – Diretoria

Um bom treinador monta seus times de forma a potencializar seus pontos fortes e esconder suas limitações, e é isso que as irmãs fazem ao longo deste EP.

Este é apenas o segundo EP na carreira das gêmeas Tasha & Tracie, mas a caminhada da dupla faz barulho já há muito tempo. O ativismo e o trabalho de moda já dava notoriedade a elas muito antes do primeiro single, inclusive, essa caminhada e ascensão é tema central na obra das irmãs. Numa crescente constante de popularidade há pelo menos um ano e meio, com o suporte de um dos maiores selos do gênero no país e sendo as queridinhas de toda a cena, já era hora de um trabalho maior e mais recente que o curto e promissor ROUFF, que já tem quase 2 anos. Assim sendo, para fechar esse momento e abrir uma nova fase, vem o EP Diretoria.

Expensive $hit, marca e blog das irmãs, foi criado ainda em 2014. Em 2016 esta já havia levado as duas a aparecerem como foco de matéria na TV aberta, onde diz-se que a meta era levar sua influência para toda a cidade de São Paulo, objetivo já mais que conquistado – elas se fazem presentes em todo o país. O EP é aberto com a intro ‘Wanna Be’s’, que funciona perfeitamente para dar o tom do que virá ao longo das 7 faixas. Cortes de menções relevantes feitas às irmãs abrem o trabalho para mostrar como elas estão presente nas ruas há muito tempo. Além disso, as performances curtas que sucedem os samples mostram o que será visto ao longo do trabalho. Pro bem e pro mal.

Tasha usa na intro mais ginga em seu flow, enquanto Tracie varia entre vários, abusando dos mais acelerados e usando um delivery mais potente. Aqui se mostra uma grande disparidade entre ambas, que será vista por todo o EP: tecnicamente, Tracie é muito mais habilidosa, valendo-se de um maior repertório de flows e uma caneta mais focada, trazendo algo diferente para cada track. Tasha, por outro lado, tem variações muito contidas, ficando sempre em levadas fortemente baseadas no funk paulista, dependendo muito de como esse encaixa no beat e em como a música é colocada em torno de seu verso. Em termos temáticos, o que se tem aqui também vai se repetir ao longo do disco: braggadocios frequentemente superficiais, apenas tangenciando algo mais pessoal ou relatável, e frequentes inclusões sexuais, que por vezes soam desnecessárias e mal colocadas entre rimas voltadas para a influência e poder. Por fim, o apoio em rimas pobres é frequente ao longo de todo o trabalho.

Um bom treinador monta seus times de forma a potencializar seus pontos fortes e esconder suas limitações, e é isso que as irmãs fazem ao longo deste EP. A dupla faz bom proveito da ótima seleção de produtores que a Ceia disponibiliza, tendo um bom beat em cada track, todos com destaque; os feats, seja para refrão, seja para verso, sempre dão conta do recado, além das participações das MCs serem colocadas em posições variadas para evitar que existam tracks muito semelhantes entre si, de forma a sempre destacarem seus encaixes em diferentes beats e o carisma de ambas.

‘Rouff’, a primeira música de fato, é um excelente drill  de CESRV, dando um grande dinamismo à track por cima de um loop soturno de piano. Tasha tem um verso contagiante, usando estética e temáticas comuns, mas a cena é tomada pelo flow incrível de Tracie que acelera com uma métrica perfeita, enchendo o braggadocio com ótimas punchlines (MC favorito é o meu jantar / Morre um a cada barra) e a agressividade que tem dado destaque à MC há tempos, apesar de aqui apoiar suas linhas quase sempre em verbos no final.

‘Amarrou’ tem um beat extremamente interessante de Pizzol e DJ MF, lembrando os 808s e o espaçamento que Kanye tanto usou; Tasha usa a mesma métrica, mas o bpm mais alto faz com que a aceleração da cadência caia muito bem na voz da MC e Tracie, no segundo verso, vai da auto-afirmação para uma narrativa sexual bem descritiva, passando por entornos e sensações. O grande destaque de MC na track vai para o excelente refrão (o melhor do disco) de Veigh, cativante, pegajoso e com um ótimo uso do auto-tune. ‘Cheat Code’ é outra track a se apoiar num ótimo feat, onde Vinex amassa tudo logo na abertura, trocando entre diversos flows e usando bem o auto-tune para Tasha, que começa num de seus versos mais bem escritos, porém a caneta volta pra linhas sexuais sem muito sentido quando chegamos no fim. Tracie começa e termina muito bem seu verso, o meio, no entanto, é um momento fraco, onde o uso do auto-tune simplesmente não funciona bem na voz da artista.

As coisas melhoram na sequência, onde as duas melhores tracks estão. ‘Lui Lui’ começa com o belo refrão monótono e quase falado de Febem, e logo em seguida temos uma excelente participação de ONNiKA, que aparece com muito carisma, adlibs e troca de flows, numa performance quase mumble, que cria uma atmosfera simplesmente incrível. Tasha tem seu verso mais desinteressante no disco, mostrando pouca criatividade e sendo – felizmente – o mais curto da faixa complementada por um bom verso do dono do refrão, que apesar de focar muito em rimas pobres compensa isso com bons flows e boas falas sobre seu crescimento e humildade. Para fechar, Tracie encerra em ótimo nível, surpreendendo ao usar uma voz mais leve e cadências comuns a um trap melódico. ‘SUV’, que vem na sequência, tem dois versos divertidos das anfitriãs, brincando sobre o excelente beat, cada uma apostando em sua linha comum e entregando um bom refrão. A transição para o funk e a volta para um trap mais forte, feita no final para a chegada de Yunk Vino, é muito bem executada para uma participação muito carismática do MC.

Não é coincidência que as duas melhores faixas sejam produzidas por MU540, produtor que se solidifica como o melhor do rap nacional na atualidade, entregando dois belos traps, sendo um mais padrão na primeira citada e o outro com um interessantíssimo e enlouquecedor assobio que ocupa toda a segunda. A atenção aos detalhes, entradas de elementos e viradas de beats fazem com que essa dupla seja uma aula para qualquer produtor.

A faixa título, que encerra o disco, é um potencial desperdiçado. Na primeira vez que Tracie rima primeiro, ambas as MCs entregam bons versos, tendo aqui uma das mais divertidas performances de Tasha fechando o EP, além de também um bom beat de Pizzol, apoiado num loop e hats muito bem colocados. Por outro lado, praticamente nada chama muita atenção, sendo tudo “apenas bom”, o único grande destaque vai para as brevíssimas entradas da bateria de samba, que poderiam ser aproveitadas com maior proeminência, principalmente considerando a capa do trabalho.

No fim, o álbum é muito bom e divertido, principalmente quando se ouve sem colocar uma lupa nos detalhes. Para se criar um bom trabalho não é necessário apenas beats e rimas, mas toda a montagem para dar destaque ao que merece destaque, e isso a dupla e toda a equipe envolvida faz muito bem.

Como não é um álbum voltado para o refinamento técnico, o resultado do disco é ainda melhor que o indicado por esta análise. É necessário entender os alvos de cada trabalho, e Tasha & Tracie superam as limitações para atingir a maioria deles. Contudo, é preciso dizer, essas limitações estão lá, e se são apenas notas de canto, fica mais interessante imaginar o que o duo entregará após a natural evolução de performance e escrita. O talento bruto, o ouvido e o carisma estão aí, e por isso Diretoria é uma audição prazerosa para qualquer momento.

Melhores faixas: Amarrou, Lui Lui, SUV.

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