Salve, JH aqui de novo. Nos últimos 5 anos, Belo Horizonte se tornou um dos (se não o) principais centros do rap nacional, com talento e potencial comercial borbulhando a ponto de ganhar a alcunha de “Comptom Brasileira”. Mais ao interior no estado mineiro, certamente sem os mesmos holofotes, a cidade de Juiz de Fora também mostra uma cena muito talentosa no hip-hop, com alguns artistas ganhando reconhecimento do público mais atento do rap. É nesse contexto que surge a Argo Ent, selo local, e sua nova mixtape, que explora os talentos dos artistas do coletivo, além de convidados da cidade.
“Todo Mundo Odeia O Chris”, embora seja nomeada como mixtape, tem unidade conceitual e sonora suficiente para ser tratada como um álbum. Os artistas se valem da história do sitcom americano mais popular no país para ilustrar suas vivências em JF, usando episódios e personagens como plot para as próprias faixas. A relação se mantém, na sonoridade, com a produção buscando, nos gêneros da época em que se passa a história, as referências para construir o trabalho, sendo assim, musicalidades que vão ao soul, r&b, jazz, disco entre outras.
Se a originalidade do projeto atrai o play, a qualidade na execução vale a permanência. O trabalho de Tairec e Imani na produção é impecável, com o primeiro dando o tom nostálgico e brilhando atrás das mesas e o segundo destacando-se cada vez que pega a guitarra ou o baixo. A intro já dá o tom do que está por vir em um skit hilário, imitando a entrada de um episódio da série, tirando uma com a cena genérica do trap e abrindo caminho para identidade do grupo (através do termo “cheese”), que é vista no discurso, no instrumental e vocal de fundo. Logo a faixa se liga a “Pretarrão com Cheese”, responsável por iniciar os trabalhos num nível muito alto, já destacando uma contagiante linha de baixo e o bom refrão de Maicom Lucas, que incorpora totalmente o espírito oitentista do disco. Tairec é quem mais se destaca entre os rappers, com um flow elétrico que bate perfeitamente com a energia da track, enquanto os demais não deixam a barra cair.
A primeira parte da mix empilha highlights. “Covarde” é um dos melhores momentos do disco, com destaque (de novo) para a linha de baixo e os sintetizadores no fundo. Muxima se destaca muito no verso, soando como o anfitrião da track (uma constante no disco) ao passear com facilidade pelo beat com flows mais acelerados e mais lentos. Outro brilho vai para RT Mallone, o artista mais famoso do time, que chega e se destaca em seu verso no fim da track. Na sequência, “Esquecer” é outro grande momento, com baterias mais baixas e a guitarra no fundo se destacando ao longo dos bons versos de Muxima e Tairec; na segunda parte, a guitarra ganha o campo de frente e também brilha num lindo solo.
Na segunda metade, ainda temos duas tracks do mais alto nível: “Puro Voodoo” e “Carta Para Rochelle”. A primeira soa como um soul, com um refrão bem classudo de Maicom Lucas e um verso bem divertido de Tairec, além de um bom flow e escrita, enquanto Muxima e RT não deixam a bola cair. Já a segunda, tem um instrumental incrível, com múltiplas camadas de guitarra e baixo em um tema mais auto-reflexivo, com RT roubando a cena por sua escrita e Tairec por seu flow; Muxima abre a faixa meio fora do tema e acaba sobrando aqui.
Nem tudo são flores no disco, mas, por sorte, a maior parte de seus problemas são estruturais e não de qualidade. Em doses mais elevadas, o estilo vocal usado por Maicom se torna cansativo e isso se evidencia muito em “Julius”, onde a sua participação abaixa o nível da track; a última faixa, “Tasha”, apresenta um predomínio do artista em uma performance já muito menos cativante do que fora no início. O estilo do trabalho é cansativo também, e sua estrutura a partir de certo ponto fica meio clara: Tairec e Muxima são anfitriões, RT quase sempre soa como um feat, e não como parte da equipe, e os vocais de Maicom são a cola para tudo isso. Embora funcione bem, um pouco mais de variação seria bem vindo.
Variação que acontece de forma desmedida na reta final. “Baile à Fantasia”, faixa carregada pela primeira vez por Bells, é extremamente luxuosa, e, pelo teor das letras e sua vibe mais contida, funcionaria perfeitamente como encerramento. Ao invés disso, temos uma aceleração imediata do ritmo para uma pegada mais jazz fusion em “Jazz à Fantasia”, que desemboca na animada “Peste Negra”, um dos momentos de menor brilho do álbum. Após ela, ainda temos mais uma queda brusca para “Tasha”, que, apesar de contar mais uma vez com belos vocais de Bells, é prejudicada pela organização do trabalho, mas, é uma boa track isoladamente, ao menos. Essas mudanças de energia poderiam ser realocados ao longo do trabalho, muito linear entre a terceira e a nona faixa.
Claro, estes são problemas menores: a qualidade de todos os envolvidos é o que mais rouba a atenção aqui. Muxima, Tairec, RT Mallone, Bells e Maicom Lucas têm performances de alto nível e se mostram prontos para dar passos a frente em suas carreiras solo, enquanto Imani é certamente quem tem o maior brilho no projeto, sendo praticamente impecável no instrumental.
Este é um trabalho sem paralelos na cena atual. É difícil imaginar uma forma melhor de colocar os artistas de um selo em evidência do que essa, ficando pendente para um maior destaque dos envolvidos apenas a visibilidade da mixtape. É sempre gratificante ver um projeto tão original surgir, e a Argo mostra que há um trabalho muito bom sendo feito por lá. Quem estiver cansado do drip e do sauce, pode agora experimentar o cheese.