Review: Iza Sabino e FBC – Best Duo

E ae. É o Ascencio aqui, amigos leitores.  “Best Duo” é o nome para o projeto colaborativo dos MCs Iza Sabino e FBC, sim, uma dupla, apesar de boa parte da fã base do rapper reconhecer apenas este como autor. O álbum foi lançado oficialmente na virada do dia três pro dia quatro de abril e já possui uma polêmica de crédito autoral pela foto usada na capa. Oficialmente porque, no final do ano passado, aparentemente, o próprio rapper e influencer de Free Fire, em mais um de seus “métodos pomodoro de divulgação”, criou um grupo de whatsapp com alguns de seus fãs e “vazou” todas as guias deste mesmo álbum.

Não se tratam de estreias para Iza e FBC, ou Sua Mãe e Padrim, como se reconhecem nas faixas. A MC vêm de seu convidativo EP Augusta, dropado no ano passado, e seu companheiro de rima, como sabe-se bem, já conta com dois álbuns solos: o aclamadíssimo debut de 2018 “SCA” e o contestável (abusando de eufemismos aqui) Padrim, lançado em 2019.

Best Duo é, em linhas gerais, mais um álbum de trap que aposta na repetição e adlibs caricatos como tentativa de imprimir sua marca e ser bem sucedido. Com essa proposta, não se espera do projeto canetas em alto nível, o pen game claramente não deve ser o foco, sendo assim, a performance deve-se garantir por flows criativos que proporcionem, juntamente com os beats, melodias contagiantes (chicletes) que grudem na mente do ouvinte e sejam responsáveis por aumentar o replay value das tracks. Quanto ao tema, um conceito temático tampouco deve existir, as faixas, normalmente, são feitas para funcionarem sozinhas, cada qual sendo uma aposta de hit.

Essa é a proposta escolhida para o álbum. Ele ter ou não alcançado isso é outra história.

Começando pela temática, na maior parte, os MCs seguem a cartilha. Até mesmo dentro de cada uma das tracks, salvo raras exceções, não existe um tema fixo, num geral, fala-se sobre ostentação, relacionamentos (bem sexualizados), crime e drogas, imersos vez ou outra em alusões ao mundo do jovem de internet: frases prontas de memes (parece ser uma tendência) e referências a Free Fire. Ou seja, conscientes de seu nicho, Iza e FBC se saem bem nesse sentido.

Do outro lado, o que se refere às qualidades técnicas do trap, tem-se mais divergências. A começar pela produção, toda assinada por SMU. O produtor entrega uma material que, apesar de boa qualidade, mantem-se na maior parte do álbum num mesmo nível criativo ordinário. Quando resolve trazer à mesa algo mais diferenciado temos resultados satisfatório, como será desenvolvido ainda. Entretanto, quando deixa todo o valor depositado na performance da dupla, temos faixas bem passáveis como “leve 3” e “pra você e pra mim”.

Falando desses resultados satisfatórios, “se brotar”, com suas cordas eletrônicas (que se assemelham a harpas) e um bom sample criando uma atmosfera leve, é uma fuga do marasmo produtivo. A entrega melódica dos MCs possui uma métrica acertada e tem momento alto na junção das vozes, apesar de, por motivos de dicção, não se entender às vezes o que FBC está dizendo.  Outro exemplo é ponto auge na entrega de ambos os MCs, “napoli”, faixa que discorre sobre o mundo das drogas, com um piano distorcido ao fundo que, juntamente com as referências italianas do Padrim, criam uma atmosfera interessante, além de uma inesperada melhora na caneta do MC, o que é muito bem vindo, obrigado. Da parte de Iza, a rapper encontra um meio termo dentre duas de suas três vozes (a serem discutidas), o que funciona bem; também dela, tornando a faixa mais atrativa, surgem paralelos entre a temática e sua vida amorosa, onde ela se compara a uma droga viciante e mortal.

Como nem tudo são flores, as iniciais “vale grana” e “na garage” são problemáticas, sendo a única relevância dentre ambas o melhor verso técnico de todo o álbum, relegado ao feat de Djonga, de uma linha discursiva bem definida. As duas faixas partem da proposta do álbum para repetir (exaustivamente) e criar rimas que sustentem seus motes (que também são seus títulos). Mas, na primeira, é incrível como os adlibs de Iza quebram totalmente a imersão da escolha estética proposta (sim, eu estou falando dos “ih iiihs”, “tchurururus” e similares); juntando isso a uma voz aguda excessivamente cartunesca e quase infantil da MC mineira (que se alterna a uma segunda mais grossa, e tolerável, durante o projeto) temos escolhas péssimas para se construir uma entrega autêntica que de maneira nenhuma funciona. Já na segunda, FBC recicla o mesmo recurso usado em “CONFIO”, de Padrim, com términos de rimas nasalados “em”, só que agora numa entrega menos explosiva. Se na primeira faixa as escolhas melódicas repetitivas tinham potencial para hit mas foram frustradas pela entrega, na seguinte, não há potencial para isso e, se existisse, teria o mesmo destino diante dos problemas de performance que se repetem.

Isso, contudo, não acontece em “best duo”. Onde, apesar destes exemplos extremamente ‘cringes’ se manterem junto com novas extravagâncias em voz fina, a faixa consegue ter um saldo positivo. Falando-se sobre vitória, uma temática batida, é verdade, mas com imagens novas para representar suas vidas. Iza nos apresenta sua terceira voz, uma melódica gutural que tem seu valor servindo para elevar a carga emocional, conforme seu verso escala ao falar de sua mãe (que pode ter duplo sentido, aqui).

A track “eu te avisei” não tem a mesma sorte da supracitada que desenvolve, em exceção, um tema satisfatoriamente. Nesta, por sua vez, FBC, além de forçar wordplays fraquíssimas como: “dá nada, Ludmilla” e “você não quis ouvir o rei, ouviu Roberto” e ter escolhas sintáticas confusas com “tipo como/ tipo um tanto/ tipo muito”, assume um discurso reciclando novamente uma ideia de “MONEY MANIN”, de seu último álbum, um aviso sobre o mundo do crime e as escolhas que te levam a ele. Como se não bastassem os problemas até aí, Iza assume um caminho diametralmente oposto, pegando a ideia ‘de aviso’ da track e, entre braggadocious e referências a jogos de computador, falar: “Bem que eu te avisei, eu que mando na minha xana”, além de terminar, em meio a “tchururus”, com o aviso “E não adianta nem bater panela”. Essa completa aleatoriedade de elementos quebra totalmente a atmosfera proposta pelo seu companheiro de rima, dando a faixa um resultado final bizarro.

Por fim, nas duas últimas tracks “corrente nova” e “bow dow”, as boas participações, respectivamente do grupo X Sem Peita e Paige, quebram um longo ritmo de medianidade reinante até então. A penúltima possui um flow bem demarcado com tom em ascensão, onde a dupla no feat  joga pro alto as repetições e marcações dos donos da track, proporcionando um bom conjunto de versos numa entrega densa. Na última, fechando o projeto, Paige conquista o que Iza procurava, uma sonoridade ao mesmo tempo autêntica e satisfatória, trata-se de uma entrega aspirada e delicada que faz o ouvinte querer escutar mais.

“Best Duo” acerta em cheio seu alvo em poucos momentos, no restante ou pega raspando, com faixas que vão de passáveis a medianas ou passam longe, falhando categoricamente, seja por péssimas escolhas de performance técnica, seja por reciclagens ou quando resolvem falar de algo mas sem unidade alguma, como acabou-se de ver. O resultado final é um trabalho medíocre de pouquíssima originalidade.

Apesar disso, há de se concordar que ambos os MCs estão rimando para um público específico arrebanhado por seu ‘Padrim’, num primeiro momento, em suas massivas divulgações de  álbuns solos e,  já agora, utilizando-se de elementos de grande popularidade dentre seu público que, majoritariamente, aparenta ter metade da idade do artista:  jogos onlines extremamente populares (chegando até a se inserir na comunidade do Free Fire Brasil), pedidos de lomotif e tik toks de fãs cantando e dançando suas músicas, e por aí vai. FBC criou uma espécie de ouvinte de rap médio, uma bolha que basicamente não tem interesse em refletir sobre outros tipos de pensamento, dentre eles, o crítico. Dentro desse contexto, “Padrim erra nunca” e o álbum é uma ótima escolha, um verdadeiro clássico.

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