Flora Matos é uma das rappers mais cercadas de mística em todo o rap nacional. Seus relacionamentos, polêmicas e sumiços, unidos ao alto nível de qualidade de sua criação artística, deram-lhe um status altíssimo responsável por cercar de expectativa cada lançamento, que se tornaram, também, escassos. Depois de lançar só um álbum em 10 anos, retornou ao foco com seu aclamado Do Lado de Flora, e, contrariando seus hábitos, rapidamente o sucedeu com este disco, que, além do título semelhante, parece uma obra irmã de seu predecessor. O problema é que, em um olhar mais atento, o trabalho soa mais como uma união de faixas descartadas do que como um projeto conciso e pensado como algo único e completo.
Não atoa o disco é o mais curto da discografia da artista. Com 23 minutos, o álbum apenas chega a esta duração por contar com três versões de uma mesma faixa, estando lá, além desta, outras seis canções de fato. Mesmo curto, é também o álbum menos complexo estruturalmente, com beats de trap sem nenhum crédito a Flora – algo inédito em sua discografia solo – e sem nenhuma experimentação sequer, pouco saindo da caixinha. O mesmo vale para a artista, que apresenta sua escrita menos refinada já vista, existindo aqui poucas amostras da inventividade, algo sempre marcante na carreira de Flora.
Na triade inicial, cada faixa deixa uma imagem marcante, e as demais serão uma mecla destas. ‘Chá de Maçã’ abre o disco com os dois pés na porta, com a MC abrindo logo de cara em um flow agressivo que se segue por praticamente toda a track, usando triplets e breves trocas de cadência. O instrumental de TH4I também chama muita atenção, com pausas e inserções de cornetas que lembram o funk do início desse século, dando um belo contraste com os teclados mais soturnos do beat. A faixa, apesar da caneta apenas ok, sem grandes virtudes ou mensagens, causa um forte impacto como intro, mas per isso em suas versões extras que estão colocadas ao final do disco, onde aparentemente a versão a capela foi só disposta sobre outros instrumentais sem maior trabalho, alteração de flow ou sequer uma mixagem cuidadosa. É difícil entender a inclusão das versões extras que só derrubam o nível do disco.
O outro lado do álbum é o menos animador, e vem com seu maior erro. ‘Chei de Gata’ pode ser facilmente a pior canção de toda a carreira de Flora, sendo uma ideia daquelas que apenas vingam pela falta de alguém para aconselhar o descarte. O foco da faixa é um braggadocio que aparecia brevemente em linhas de homens no funk paulista lá por 2012: ter “só gata” no show; além disso, toda a escrita é repetitiva e desinteressante, com a frase que dá o título à música sendo repetida quarenta e duas vezes ao longo dos 2:39 de duração.
‘Finge Que Me Odeia’ mostra o que mais se vê na sequência do disco: faixas que podem até ser agradáveis, mas que pecam muito por falta de cuidado. A track é novamente centrada na repetição, com duas linhas sendo ditas seis vezes em sequência a cada refrão; no verso único, metade das rimas são de verbos no infinitivo (o recurso mais fraco que um MC pode usar). Isso passa batido por audições menos focadas graças ao excelente beat com sintetizadores bem colocados, 808s mais suaves e vocais cativantes de Flora.
O restante das faixas juntam virtudes e defeitos que foram destacados até aqui. ‘Ser Sua’, que tem um dos instrumentais mais passáveis, destaca-se num raro momento de boa escrita da artista, que usa de rimas internas no primeiro verso e uma mudança de ótica de algo mais picante no primeiro para a vulnerabilidade no segundo. Destaque para as palavras sexuais suprimidas no primeiro verso, recurso interessante utilizado.
Um jeito banal, ordinário
Um jeito comum quando você tá lá
Não fujo à ordem normal, eu parto pra cima
Bem feminina no meu visual
Na cama uma *, uma dama na rua
Seu jeito de ver, meu jeito de gostar
De fazer travessura, beija minha nuca
Seu jeito de *, deixa eu me molhar
Como se houvesse chuva
Depois disso, pouco tem a se dizer de ’17 Mina’ ou ‘Água Perrier’, ambas tracks com instrumentais e performances que não chamam a atenção, podendo deslizar no meio de qualquer playlist sem incomodar nem empolgar ninguém, apesar da MC usar bem mais uma vez seu vocal em tom mais baixo sobre baterias mais espaçadas. O destaque no final vai para ‘Teia’, facilmente a melhor canção do disco, na qual Flora se destaca na única vez em que foge do trap convencional e vai para o R&B. O instrumental esbanja classe e, em seu vocal de tom mais baixo, a MC o domina muito bem, colocando-se independente da pessoa que ela correu atrás pelo resto do disco.
Após isso, temos um (como parece que virou moda) interlúdio estranhamente colocado, sendo só um instrumental curtinho que nada adiciona ao disco, antes das versões extras e mal finalizadas de ‘Chá de Maçã’. Isso mostra, de certa forma, o que é o projeto: algumas coisas exigem mais esforço para entender o porquê de terem sido feitas do que para analisar seu conteúdo. Apesar ser muito raso, os beats cativantes de qualquer álbum de trap e os refrãos chicletes que ficam na cabeça após tantas repetições garantem um certo apelo ao disco, que aumenta quanto menor for o nível de foco do ouvinte.
Embora a artista trabalhe de forma majoritariamente independente, faltaram mais mãos na construção deste trabalho, seja para afinar ou até para descartar faixas. Depois de demorar tanto tempo entre sua primeira mixtape e seu primeiro álbum, o curto prazo entre os dois últimos discos mostrou alguns efeitos negativos na obra de Flora Matos, e Flora de Controle é de longe seu pior compilado até a data.
Melhores faixas: Chá de Maçã, Teia