Zudizilla apresenta maestria e vivência em Zulu: De César a Cristo (Vol. 2)

Em seu terceiro disco de estúdio, o MC de Pelotas-RS apresenta o que talvez seja o seu mais importante trabalho até aqui.

É possível criar um disco conceitual que, além de cumprir seu papel artístico, traga consigo sucesso? Essa é uma pergunta que permeia a indústria musical há anos e que, a cada dia, gera mais dúvidas e incertezas. Escolher entre a fama e o dinheiro, ou se manter fiel à cultura?

Após ouvir “Zulu: de César a Cristo (Vol. 2)”, o novo disco do Zudizilla, é impossível evitar tal reflexão, pois, apesar de ser uma sequência de seu primeiro volume, o projeto dá uma repaginada sonora e revigorante à Zulu. Em seu terceiro disco de estúdio, o MC de Pelotas-RS apresenta o que talvez seja o seu mais importante trabalho até aqui.

  • Em que estado se encontra Zulu? 

“Mundo é foda, sou mais foda”, além de ser a primeira linha de Zud no disco, é também um prólogo perfeito para situar quem está ouvindo sobre como é e quais são as consequências de deixar o sul do país para sair em busca de seu sonho na capital paulista. A maturidade com a qual o rapper encaixa o áudio reconfortante de sua mãe no início de ‘AFORTUNADO‘ é brilhante e cumpre o papel de desarmar o ouvinte de seus vícios sonoros, dando espaço a uma mente mais aberta para captar a mensagem do álbum.

Incluir seus iguais também é um papel do qual Zulu se propõe em boa parte de sua jornada: seja servindo de inspiração, guiando ou dando força para aqueles que queiram traçar um caminho parecido com o do artista. Ao mesmo tempo em que busca o imediatismo, Zudizilla cozinha em sua mente um remédio para lidar com a ansiedade e a insegurança que toda história preta tem no Brasil, a de um país que segrega sistematicamente e inferioriza mentes com potenciais que vão além da cor da pele.

O eu lírico apresentado na obra busca amenizar sua angústia por ter deixado parte da família em outro estado, obstinado por seu sonho de conectar as pessoas pretas do sul com o resto do Brasil, ao mesmo tempo em que vive com sua esposa e cria seu filho durante o caos político e racial pelo qual o país atravessa.

Mas não é apenas sob esse tipo de tensão que o disco passeia. O amor também aparece como figura importante dentro de todo o contexto do álbum. Podemos dizer que o disco se divide em dois lados, sendo o segundo com um sabor bem mais adocicado em relação ao primeiro, sem perder o peso de tudo que foi dito até então.

A hora dourada do projeto é reservada para contemplar o romance e emoções que somente ele pode proporcionar, uma declaração de amor bem intimista, com um toque de perigo e adrenalina, que só quem já assistiu ‘Queen & Slim’ vai entender.

Sem perder o rumo, Zulu ainda exala esperança e vigor, com inspirações que vão de Lima Barreto até Malcom X, se mostrando pronto para qualquer batalha, mesmo aquelas do cotidiano, que tendem a serem monótonas, mas que trazem consigo grandes aprendizados.

O grand finale é uma viagem entre sonhos superficiais que a indústria midiática nos fez acreditar serem fundamentais, combinado com um depoimento emocionante e necessário à sua mãe, provedora de toda força e resistência da qual Zulu dispõe, fechando assim, o ciclo final de forma majestosa e bem amarrada.

  • Produção impecável?

O projeto tinha potencial para atingir a crítica mais positiva de um trabalho de Zudizilla, mas houveram algumas ressalvas que impediram o sucesso intocável do projeto em questão.

É bem explícito que a sonoridade flertou pouquíssimo com o cenário atual do rap, exceto pelas faixas ‘SALVE’, ‘RA UN NEFFER’ e ‘MATRIX’. E é aí que moram alguns percalços. Não pelo fato de contarem com beats comuns, mas sim por tentarem fazer com que beats comuns soassem com alguma complexidade, inserindo mudanças em pontos altos das batidas e mantendo-as intactas nos pontos baixos.

Na faixa ‘SALVE’, a alteração no instrumental é positiva, mas muito brusca, quebrando totalmente o clima da música. A partir daí o álbum volta a ter foco em uma produção muito mais elaborada, com instrumentais para todos os gostos. O jazz, que parece ser uma grande paixão do artista, está muito bem representado, assim como sonoridades mais atmosféricas, que causam a calmaria necessária para equilibrar o peso das rimas.

No geral, a produção é bem satisfatória. Aqui, não são um ou dois beats que vão negativar todo o trabalho feito por instrumentistas muito qualificados e orquestrados por uma mente bastante sóbria e determinada.

  • Menu de feats

A seleção de participações escalada por Zud para complementar o trabalho é do mais alto padrão de qualidade. O rapper entregou ‘RUMOS’ para Emicida, que canetou um verso bem razoável; e ‘MATRIX’ para Coruja BC1, que entregou um verso bem fraco, tendo em vista seu extenso catálogo de rimas boas.

Zudzilla deu espaço para Cronista do Morro colaborar em ‘RA UN NEFFER’, resultando em uma ótima colaboração que, não fosse pela mixagem que deixou a voz muito baixa em cima do beat, seria facilmente uma das melhores adições. Mas não só do rap vieram as vozes do disco: os vocais de Serginho Moah e Eduardo Freda são de extrema importância para as faixas nas quais estão incluídos.

As mais memoráveis participações ficam por conta de B. Art em ‘TUDO AGORA’, que cria um monólogo impactante e muito inspirador, e NP Vocal em ‘LANDAU’, que rouba a faixa com seu “swag” combinado a uma voz e um flow hipnotizante.

  • Performance de Zudizilla e Conclusão

Para quem conheceu Zudizilla em ‘I CAN SEE THE SUN’, do Victor Xamã com prod. do DJ Caique, e gostou do que ouviu, o disco é um prato cheio. Trata-se de uma evolução de tudo que já se viu do rapper até aqui, tanto na lírica quanto na entrega de seus variados flows.

Ele não deixa a peteca cair em nenhuma música. Faz tudo com a maestria de quem já possui vivência e maturidade o suficiente para segurar o título de um dos melhores MCs do Brasil atualmente. “De César a Cristo” é um troféu para se colocar no estúdio, pois apesar dos números não demonstrarem, o disco é, sim, prova de um sucesso artístico, sem sombra de dúvidas.

 

Melhores faixas:

Afortunado, Tela em Branco, Tudo Agora, Rumos e Landau

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