NA AGULHA #05: Mais que “do trap ao boom-bap”, aqui tem de tudo mesmo

Uma das seleções mais diversificadas possíveis: de lançamentos atuais até coisa ainda de 2021

Aqui na Inverso a gente ama todos as estradas que um artista do hip-hop pode percorrer. Incluindo aquelas que vão fora do que a gente espera. Por isso hoje temos uma das seleções mais diversificadas possíveis (de lançamento do mês passado até lançamento ainda de 2021). Então vem conhecer esses projetos de Kamau, Slim Rimografia, Priscila Tossan, Eloy Polêmico, WillsBife e toda turma do MangoLab.

Kamau & Slim Rimografia – SKiT

Por Ravi Freitas

Amadurecer é um processo demorado e complicado. Passar por ele e conseguir mostrar na sua arte, é ainda mais difícil. Mas é essa energia de sabedoria e maturidade que SKiT, dos grandes Kamau e Slim Rimografia, passa. O projeto traz a sonoridade clássica dos dois MCs (muito boombap, ótimos samples e scratches) com uma faceta mais contemplativa: palcos perfeitos para a rima dos dois.

Entre aulas sobre visão de mundo, encontrar o seu melhor momento – física e mentalmente – e entender a sua velocidade em relação às coisas (destaque para o verso absurdo de Kamau em “Fôlego”), ambos vão seguindo fazendo um rap que mostra, além de tudo, o crescimento individual e coletivo, tanto técnico quanto espiritual (como são as referências de Slim à meditação).

Mas não confunda tranquilidade com cansaço: a velocidade que o disco pede do seu ouvinte pra que possa acompanhá-lo também ajuda absorver melhor o que tá sendo dito. Entre aulas sobre pretitude (“4P atropela quem quer rir com 3K”), debates entre vingança e revolta, opiniões sobre a indústria musical atual, Kamau e Slim vão mostrando o que é chegar num ponto da sua vida e da sua carreira onde eles podem, de fato, assumir essa posição de ensinar e de levar além: ajudar a crescer.

Willsbife – Nunca Aceite a Primeira Oferta

Por Matheus Malerbo

O segundo disco de estúdio do produtor/dj Willsbife é uma boa pedida para ouvintes que buscam novas vozes no trap nacional (com exceção de algumas participações já conhecidas, como Derek, a dupla DNASTY e Rodrigo Ogi, com quem Will já colaborou no projeto “Febre Amarela” em 2020). Embora alguns já tenham reconhecimento dentro de suas bolhas, essa foi uma ótima oportunidade para demonstrar seu talento e quem sabe atingir um novo público. Destaque para Bokage, Dalua, Aka Rasta e Dagrace, que mostraram versatilidade nos diferentes instrumentais selecionados pelo produtor.

Will ainda contou com a colaboração de MATHINVOKER e 808 Luke na produção dos beats em três oportunidades no disco, que se mostraram ótimos acertos. No fim do dia “Nunca Aceite a Primeira Oferta” não vai causar explosões na sua mente e nem mesmo puxar o bonde da inovação, mas fato é que Willsbife domina muito bem a arte de estruturar canções que soem organizadas, com batidas que vão fazer você balançar a cabeça, sem soar repetitivo ou cansativo em algum ponto..

Para o fã assíduo de trap o disco dificilmente vai passar batido, principalmente pela presença de músicas como Abençoado, On God, Corre! e Não Mais, apesar dos tantos do gênero, mas para o ouvinte casual, é uma boa porta de entrada para começar a ouvir da maneira mais fiel ao ritmo possível.

MangoLab – Mango02

Por Ravi Freitas

É difícil um disco feito com tantos artistas diferente ter uma unidade e, com o tanto de nomes da cena independente presentes em Mango02, o disco pode até não ter uma unidade sonora, mas com certeza tem uma qualitativa. A presença de artistas como Tássia Reis, Luísa e os Alquimistas, Enme, Potyguara Bardo, Hiran e kLap faz com que a audição seja boa do começo ao fim.

Mas é justamente nessa falta de unidade sonora que está a magia: percorrendo pelo novo brega nordestino (com elementos de funk e outros ritmos) com “Prata Amor”, o neo-R&B de “Magenta” e “Carnaval”, o trap de “A Jogada”, o forró de “Me Leve”, o garage/dance house de “Malícia” e o funk de “Mango02”, o projeto mostra variedade e diversidade sem perder a mão.

Divertido com quase nenhum tropeço, o projeto é mais um dos que mostram o poder de fazer um projeto colaborativo tão extenso: muitos artistas podem se focar em fazer um ótimo som sem se preocupar com a grande escala de um disco.

Priscila Tossan – Cuca Fresca

Por Go Magalhães

Priscila Tossan é uma daquelas gratas surpresas musicais de 2022, mas não uma surpresa qualquer: é daquelas que criam no nosso inconsciente a vontade de explorar musicalidades que não estão no nosso dia a dia e mergulhar em um mar de delicadas sonoridades. O EP “Cuca Fresca” vem carregado de instrumentais oriundos do Jazz e do Blues, junto de uma ótima performance vocal da semifinalista do programa The Voice Brasil 2018, e resultando em um produto de qualidade de nível elevadíssimo.

Duas faixas se destacaram de maneira bastante positiva durante minhas audições: “Sopro”, pela sensibilidade que a cantora traz para uma jornada em seus pensamentos sobre esperança, e a faixa “O Dog”, que conta com a participação da dupla YOÙN, formada por Gian Pedro (GP) e Shuna, em que é perceptível como todos os envolvidos na música se sentem confortáveis em versar por lindas linhas de Jazz e como as variações de flows entre eles tornam a colaboração ainda mais empolgante.

É extremamente notável como o título do EP se faz presente em toda sua construção sonora: a leveza de uma “Cuca Fresca” é refletida intensamente em todas as 6 faixas do trabalho, seja com melodias suaves nos versos de Priscila.

Eloy Polêmico – Aku Aku

Por Ravi Freitas

Apesar de ter sido lançado ainda em 2021, Aku Aku é um projeto que não pode passar despercebido: as rimas poéticas e bem trabalhadas de Eloy Polêmico sobre as batidas singulares ora extremamente jazz rap (como em “Prólogo” e “Nindõ”), ora um R&B experimental (como “Liquidez”), e ora trap (como “Recomeçar”), todas pelas mão do rapper e produtor.

Aliás, esse é um dos maiores destaques do projeto: a forma como o artista incorpora elementos de R&B na sua sonoridade. Entre os cantos ao longo do disco, os instrumentos sampleados dando vida às melodias e as mudanças melódicas inesperadas, o trabalho é facilmente um dos mais complexos e bem feitos do MC e produtor.

Com quase 50 minutos de duração, Aku Aku toca em pontos interessantes dos pensamentos de Eloy: família, indústria, racismo e até psicologia. Aliás, é da psicologia um dos principais conceitos explorados no disco: as máscaras que vestimos pra algumas situações (ou as que outros usam pra disfarçar quem são de verdade).

A Inverso é um coletivo dedicado a cultura Hip Hop e o seu lugar para ir além do comum.