Review: Menestrel – Relicário, Vol. 2

Salve, Z aqui. A segunda metade de 2016 veio avassaladora. Na onda pós-sulicídio, nos últimos dias do ano, veio um cypher que dominaria a cena e popularizaria o estilo de produção, um tal de “Poetas no Topo”, e nele, em meio a MCs que já tinham os holofotes da cena, como o Djonga, BK e Sant, apareceram o sulista Makalister, Jxnvs – já conhecido pelos beats na Nectar Gang – e, por fim, um jovem garoto, ainda em seus 17 anos, dono da linha que dava nome ao projeto.

 

 

No ano seguinte, o mesmo garoto lançaria o “Relicário”, seu álbum de estréia que teve relevantes proporções dentro da cena. Este primeiro trabalho tem lá seus méritos, escrito com um vigor jovial e sentimental ao lidar o íntimo, mas se deparava em algumas linhas problemáticas, como as de “Psicografia”. Só que se, neste disco,  a inocência ao compor as tracks é uma de suas qualidades, também é um de seus defeitos. 

Nos anos seguintes, ele produziu um número considerável de músicas enquanto explorava algumas coisas diferentes, se apropriando de momentos mais intimistas, desbravando um tanto estéticas do vaporwave – na época em que vinha com o EP “Pêndulo” – e até teve seus momentos mais Trap. Agora, pouco mais de três anos após o lançamento daquele primeiro trabalho, Menestrel vem com “Relicário, Vol. 2”. E este é bem melhor que seu álbum anterior.

O rapper brasiliense está visivelmente mais maduro, tal que já se faz presente logo na intro, em que podemos sentir – e ouvir – sua evolução ao pensar em música, aliando muito bem sua construção de linhas para tirar o máximo proveito do beat. Essa faixa inicial é um reflexo de algo que veremos ao longo do álbum todo: se temos um excelente momento do Menestrel compondo, nesse caso no refrão, temos também um verso repleto de rimas pobres e óbvias. O grande ponto, então, é que agora ele está muito mais habilidoso em sua colocação vocal e entrega, e, já que sua caneta é tematicamente bem alinhada durante o verso (e não apenas linhas jogadas ao vento), não temos defeitos o bastante para nos distanciarmos das tracks.

De certa forma, esse disco possui alguns detalhes muito interessantes, um deles, que calha como uma qualidade relevante, como espelho de um cuidado com a sonoridade, é a transição de uma faixa a outra, ou seja, o encerramento de uma e o começo de outra, que são tremendamente sutis, muitas vezes quase perdendo o limite das faixas e se esforçando em criar apenas um enorme fluxo que seria o disco.

Na segunda faixa temos contato com a primeira participação do disco, que, de modo geral, possui excelentes encaixes. Menestrel, por si só, mostra-se sempre muito bem relacionado e apreciado pela cena no geral, e dessa vez rima ao lado do respeitadíssimo Rashid, que entrega belas linhas nesse rap de três verso, raro nos dias de hoje.

“Espelho” é um interlúdio para introduzir o miolo do disco, e o faz demonstrando de forma singela a honestidade do rapper. Essa parte, que irá da faixa quatro, “Carta de Um Anjo”, até a “O Último Romântico da Rua 3”, mostra um profundo mergulho no íntimo, alcançando desde a própria persona e suas reflexões sobre si mesmo até o tema do amor. 

A já supracitada “Carta de Um Anjo” acaba sendo a faixa em que a entrega do rapper chega ao seu ápice emocional e é seguida da romântica “Me Espera Na Esquina, que havia já sido lançada como single. Esta, por sua vez, traz um excelente refrão do Kaique do Di Propósito junto de um verso do Chris MC, que vem em um estranhíssimo delivery, muitas vezes quase atrapalhando a própria dicção; Menestrel, porém, faz seu trabalho como dono da música e nos entrega um bom resultado.

“A Mais”, nos mostra uma boa interação e química entre o dono do relicário e Cynthia Luz, porém, apesar do bom desempenho do rapper no início da música, isso não é o bastante para apagar o dispensável verso da participação. “Candelabro Pt. 2” acaba sendo um tanto cansativa e a excelente produção é a única coisa relevante da faixa. “Último Romântico da Rua 3” acaba por captar nossa atenção novamente e finda com a sequência de faixas dispensáveis, apresentando-nos o clima do final do álbum.

A reta final é com toda certeza mais calorosa: soa tremendamente mais quente que o resto do disco – e a produção vai fazendo seu jogo muito bem. Em “Tragos, Balas e Taças de Vinho” temos a energia toda captada para o refrão de Margaridas, que rouba os holofotes para si, ignorando o interessante verso do Kyan e qualquer mensagem que Mene pudesse colocar nas linhas. Na última faixa, “Hoje É Nosso Dia”, temos experimentos interessantes ao lado do Grupo Menos é Mais, em um ritmo muito bem marcado que começa ao violão até se tornar por completo um bom pagode com tons de rap.

Como já foi dito, Relicário, Vol. 2 é definitivamente melhor que seu álbum anterior, mas não apenas isso, é o melhor do rapper. A grande qualidade desse disco é sua sonoridade: Dropamina, que cuidou da produção e da mixagem, fez seu trabalho exemplarmente bem, atingindo uma riqueza em determinados momentos que chega a encantar. Menestrel porém não deixa por menos e no que se trata de sonoridade encaixa muito bem, muitas vezes salvando linhas ruins com seu flow (quase) melódico. Esse disco, ao menos aparenta, mirar em uma circulação mais comercial da coisa, nesse quesito, nosso rapper não se mostra nem um pouco distante de nomes de amplo alcance e poderia muito bem ser facilmente tocado no rádio.

O que marca, porém, é que o cuidado exímio na construção da composição e sonoridade muitas vezes cede lugar quando se trata de uma cautela nas linhas – já que nem sempre elas podem ser salvas. E, sendo assim, é quase como se um elemento básico do rap fosse ignorado, e isso não diz respeito a temáticas e coisa que o valha, já que isso tem uma série de prerrogativas, trata-se justamente de um elemento mais formal no escrever. E esse problema é mais dramático do que aparenta, pois pode muito bem estranhar no soar para alguém; e essa é justamente a barreira que deve ser transposta – a da audição.

Num apanhado geral, Menestrel cresceu e agora temos um relicário ressignificado.

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