Salve! Pela última vez em 2020, JH aqui. Scott Mescudi, o Kid Cudi, é indiscutivelmente um dos artistas mais influentes na música como um todo nos últimos 15 anos, tendo impactado toda a geração de emo-trappers do soundcloud, e mais notavelmente dois dos maiores artistas de sua geração, Kanye West e Travis Scott. Nesse álbum que fecha a trilogia “Man On The Moon”, que teve sua segunda parte há mais de dez anos atrás, o MC completa o círculo, misturando o estilo que ele mesmo influenciou aos seus traços mais originais para criar uma obra com ares de grandiosidade do começo ao fim.
Sua influência foi quase a única coisa que Cudi teve para se apegar na maior parte da última década, já que seus lançamentos solos foram recebidos no melhor dos cenários com opiniões divididas, derrubando ele ao grupo de “artistas que são amados ao mesmo tempo que ninguém realmente gosta de sua música”. A animação em torno de Cudi mudou depois que, ao lado de Kanye, lançou o universalmente aclamado “Kids See Ghosts”, onde ele foi quem sentou de fato no banco do motorista e se mostrou um artista renovado. A partir desse disco, muito se esperava do próximo passo de Cudi, e felizmente o que recebemos está à altura do que pedimos.
Sendo Cudi um artista muito conceitual, um tradicional faixa-a-faixa não faria jus ao disco. “MOTMIII” é dividido em dois blocos em termos de sonoridade, com uma produção de outro mundo durante todo o disco, e em quatro atos em termos de narrativa, sendo a obra amarrada que sempre se esperou do artista.
A primeira metade do álbum tem Scott basicamente “se atualizando” com os sons que fizeram sucesso nos últimos anos, majoritariamente surfando no emo-trap e no trap psicodélico, estilos que ele tanto influenciou, e colocando seu tempero sobre esses sons. No ‘lado B’ temos Cudi fazendo o que ele sempre fez, que é demolir todas as barreiras de gênero musical, apostando mais em sua voz cantada, colocando-a sobre beats de trap, violões puxados para um folk ou um instrumental mais indie-pop, repleto de sintetizadores incríveis que te colocam numa atmosfera espacial, criando uma vibe psicodélica. Com Cudi, você nunca sabe onde a música vai te levar e isso é o que o torna especial.
O primeiro dos quatro atos narrativos é intitulado “Return 2 Madness”, e tem o artista voltando para o espaço mental dos primeiros dois álbuns, enfrentando lutas internas do presente e passado. Após uma rápida introdução, “Tequila Shots” já abre o álbum com uma porrada, o MC mostra flows dinâmicos e um refrão que lembra a sonoridade dos primeiros “MOTM”, apresentando uma escrita que é bem a cara de Cudi (I’m not just some sad dude/ You can see my life, how I grew, I want serenity).
A partir de “Another Day” é quando Cudi começa a morder demais a estética de Travis Scott. Esse trap psicodélico virou carta marcada do artista, e o uso de adlibs semelhantes também não ajuda Cudi. Na track citada, ele ainda tem um pouco de personalidade própria, abusando de seus característicos “hums” enquanto narra uma certa recaída, o famoso “curar as dores na noite”. Depois disso, temos “She Knows This”, a mais derivativa do disco, que soa como algo retirado diretamente de “Astroworld”. “Dive” marca o fim do primeiro ato, onde se segue da mordida no emo-trap e Cudi recupera sua originalidade com bons flows nos dois versos e uma ponte bem comovente, quando ele praticamente chora um “I need those fucking vibes”.
A transição segue com “Damage”, abrindo o 2º ato, denominado “The Rager, The Menace”, onde que Cudi é tomado por seu “alter-ego malvado”, Mr. Rager. Nesse bloco o artista soa fora do controle, vivendo a vida louca e sentindo os efeitos disso. Essa faixa é uma das melhores do álbum, com os sintetizadores crescendo no refrão no ponto certo e o MC colocando seus “hums” contagiantes ao longo de toda a track por trás de versos muito bem performados e um excelente refrão. A sequência do ato tem a track mais descartável, “Heaven On Earth”, que não traz nada de interessante além de sua contribuição para a narrativa.
Na excelente “Show Out”, Cudi mostra que não é só rapper BR que pula aleatoriamente na drillzera . Num beat característico do movimento, Pop Smoke (RIP)carrega com maestria um refrão, com sua voz que por si só já dá medo, e Skepta vem de forma incrível, empilhando barras (“They got guns same size as Kevin Hart” é uma das linhas mais frias do ano). Cudi até segura a barra na track, mas, convenhamos, ele não vai superar esse dois nessa área. “Mr Solo Dolo III” fecha a primeira metade já empurrando para a segunda sendo uma das melhores faixas, onde Cudi canta pela primeira vez com mais proeminência no álbum. Nessa, ele entrega um belíssimo refrão e versos honestos e bem escritos, onde, na narrativa, começa a recuperar a consciência de quão auto-destrutivos seus abusos tem sido.
A partir daqui vemos o 3º e melhor ato, “Heart Of Rose Gold”, onde Cudi está já em sobriedade, não só reconhecendo seus demônios mas já os vencendo. “Sad People” é um trap melódico muito bem feito, com a voz de Cudi estando no ponto enquanto abre seu coração, além de uma escrita atingindo em alto nível. “Elsie’s Baby Boy” tem o MC refletindo sobre sua infância e relação com sua mãe, saindo pela primeira vez do rap e indo para algo entre o indie e o folk. A escrita aqui poderia ser mais aprofundada, mas ele compensa isso com uma performance vocal excelente e um refrão chiclete, com uma bela outro para fechar. O álbum ainda passa por “Sept. 16”, uma love-song totalmente sem inspiração em instrumental e performance, antes de entrar na sua sequência mais forte.
“The Void” é um belíssima track, o bpm diminui para Cudi fazer uma performance emocional, nela, ele luta contra seus problemas e diz que faria qualquer coisa para não sucumbir novamente (no caso para a depressão), além de ainda agradecer os fãs por não o abandonarem. “Lovin’ Me” é uma linda colaboração com Phoebe Bridgers (aka a atual artista favorita deste que vos escreve), onde Cudi traz novamente seu lado mais indie para um verdadeiro hino de autoamor. Phoebe chega e faz muito bem seu verso, com uma voz que casa perfeitamente com a faixa e com Cudi. O único defeito da track é sua brevidade, a convidada poderia ser mais explorada do que ter apenas um verso e alguns vocais soltos no fim, mas a faixa é belíssima.
A boa sequência é fechada em “The Pale Moonlight”, que abre o último ato, “Powers”. Essa track é certamente um ponto alto no álbum, com Cudi tendo flows matadores nos dois versos, “hums” contagiantes e um bom refrão em cima de um excelente beat, com baterias que preenchem melhor o espaço e um loop de piano muito bom. Aqui Cudi segue a vibe mais positiva da track anterior e se mostra alguém que, finalmente, tem a mente mais limpa.
A sequência final, porém, oscila. “Rockstar Life” é uma colaboração com Trippie Redd, que transita entre bons e maus momentos em seu verso e faz um refrão pegajoso, enquanto Cudi não faz o suficiente para salvar a track, agora em uma vibe mais braggadocio, mostrando uma autoestima criada. A salvação da track está no bom beat, carregado novamente por sintetizadores. “4 da Kidz” é Cudi tentando, agora, ajudar o ouvinte que passa por problemas, oferecendo uma mão amiga com essa track, mas a escrita, o flow e o beat dinamitam o potencial.
“Lord I Know” fecha bem o disco, com Cudi refletindo sobre as lutas que passou e dizendo a Deus que ele superou isso, que é um guerreiro. A track se destaca pelo instrumental excelente, tendo seu ponto alto na bela outro, carregada pelos inconfundíveis sintetizadores de Mike Dean. Se destaca também a escrita honesta e flow e delivery excelentes de Cudi. A track é um encerramento digno não apenas para o álbum como para a trilogia, aquele momento em que a batalha foi vencida.
“MOTMIII” é importante não só por encerrar a trilogia, aberta em 2009, mas por solidificar novamente Scott como um grande artista, algo que ficou perdido com o tempo. E, acima de tudo, é sempre bom ver uma das pessoas mais genuínas da cena estando bem novamente. Só nos resta agora aguardar por mais consistência de Kid Cudi, porque “Man On The Moon III” é uma baita viagem.