Review: Djonga – Nu

Salve, Ascencio aqui. Djonga é, inegavelmente, o nome mais relevante da atualidade no cenário nacional. Sua trajetória, até então, é praticamente conhecida por todos, “Fechando o corpo” é uma estreia de pouco barulho, mas de muito potencial, “Heresia”, como seu debut em álbuns, é força bruta pura, cheio de excessos e vícios, “O menino que queria ser deus” é a continuação mais polida que todo MC deseja emplacar, a obra prima de sua discografia e de lá pra cá, vieram “Ladrão” e “Histórias da minha área”, a sequência menos expressiva de seus projetos a qual se evidencia mais desgastes artísticos. 

O dia 13 de março, pelos últimos quatro anos, foi o responsável por trazer ao jogo seus novos projetos e, em 2021, as coisas não foram diferentes. Mesmo com dúvidas acerca do novo drop, devido ao controverso show em tempos pandêmicos e seu afastamento das redes sociais, “Nu”, seu quinto álbum de estúdio, seguiu religiosamente o esperado, talvez pela última vez, segundo o próprio rapper em entrevista. A questão é que, justamente por causa desse episódio polêmico no final de 2020, Djonga resolveu manter a tradição. Além disso, também voltou porque queria, segundo o próprio, testar novas sonoridades e técnicas. Com isso, “Nu” tem em sua proposta responder aos problemas do passado e se renovar artisticamente, porém não faz tão bem assim nem um nem outro.

É melhor começar pela arte, nela, há um início bem promissor.  “Nós” é a track de abertura que já apresenta ao ouvinte novas apostas. Nagalli é uma novidade na produção dividida por Coyote em um instrumental de ao menos seis variações inéditas de beat. Interessante também são os sons de multidão, bem utilizados para explorar a coesão plural do título. Djonga rima, com costumeiro alto índice de acerto em suas barras, sobre seus sacrifícios e feitos em nome de seu público, família e amigos em uma performance técnica excelente num geral, aproveita algumas variações de beat mais do que outras, enquanto muda minimente seus flows sem nenhum escorregão. O resultado é de uma faixa técnica e tematicamente na medida para a proposta.

“Ó quem chega” bate logo em seguida, é o aviso do seu retorno para seus adversários no jogo. Aqui, tudo é bem executado embora a fagulha de novidade acendida na track anterior já perca sua força. Para o bem ou para mal, as coisas voltam ao padrão da parceria entre Djonga e Coyote. O trap é bem executado e previsível com mais um loop de piano; e o MC segue tendo ótimos acertos de sua caneta, o seu principal fundamento técnico, como em “Não é que eu tô menos inteligente/ Hoje eu tô mais inteligível/ Falo de um jeito que o povo entende/ Arte é pra ser combustível” ou ainda “A vida me bateu à porta/ E eu disse: ‘Seja bem-vinda’/ Eu não larguei o curso de história/ É que o último período eu tô fazendo ainda”, mas também segue tendo problemas em desenvolver refrãos, a sua principal dificuldade técnica, que nesse caso reside na indecisão de apostar em repetições, para depois quebrá-las e voltar a retomá-las sem dizer alguma coisa ou sair do lugar.

A mesmice também está presente em “Vírgula”, a track do patrocinador, faixa com a maior energia de “poderia-literalmente-estar-em-qualquer-um-dos-trabalhos-anteriores” em todo o projeto. É a concentração do que de mais previsível pode sair a esta altura da parceria entre MC e produtor: um bom trap de bateria forte, 808 e sintetizadores, além de Djonga com seu costumeiro braggadocious enquanto também empilha linhas após linhas, sem nenhuma conexão aparente entre elas, ao flutuar por suas temáticas centrais, como a racial, a superação, a ostentação dentre outras.

No entanto, alguma coisa de novidade volta a aparecer em “Me dá a mão” e “Ricô”. A primeira, um cloud rap downtempo com sintetizadores e reverbs característicos, além de uma linha de baixo discreta fechando a atmosfera amaciada; definitivamente, algo que o MC mineiro nunca rimou em cima. A inovação é bem-vinda, porém atrasada, em um cenário que já explora a estética e cria suas próprias técnicas, estas, por sinal, Djonga demonstra ter apenas as absorvido para uma reprodução crua sem nada inventivo de sua parte. A entrega mais leve, variando entre rimar e cantar sobre um tema de amor que dá espaço para se falar de fragilidade é bem posta, mas batida.

Já “Ricô” apresenta o rapper, pela primeira vez em sua discografia, em um storytelling propriamente dito. A narrativa segue uma estrutura simples ao contar a história de um homem que julgava ter poderes acima de tudo e todos por ser “ricô”, até encontrar o seu fim em um deslize do próprio ego. Novamente, o ouvinte está diante da mesma situação, pode até ser uma novidade para o repertório do MC, mas, como um todo, são claras as referências técnicas usadas, desde modulações de voz e alternâncias entre narrativa e fala que remetem em muito ao mestre do ofício Ogi (estudo obrigatório para se aventurar nessa vertente), até mesmo impostações de voz do conterrâneo FBC, quando este resolve escrever suas histórias.  Além disso, Doug Now repete a parceira de sucesso com mais um verso muito afiado, sendo realmente um dos poucos que não afinam no feat diante de Djonga.

Outra ilustre participação, esta, uma bela novidade, acontece em “Dá pra ser?” com a talentosíssima Budah. O lovesong do projeto é completamente dominado pela artista ao dropar no beat com extrema facilidade, como se estivesse colocando barras de notas únicas, ao invés de um flow complexo extremamente melódico e harmônico, sabendo distribuir seus acentos de forma precisa durante o beat, valendo-se de pausas, variações e notas muito bem executadas. Em termos técnicos, sem dúvida, é o melhor verso de todo o álbum, dançando em uma mescla trap e r&b, com direito até a um cavaquinho. Quanto ao verso de Djonga? É decente.

Budah também faz uma pontinha em “Xapralá”, mas, relegada apenas a uma saída (a melhor parte da pífia track), pouco ajuda. A música poderia ter seguido o seu título e realmente sido deixada de lado, nada funciona nela, é o ponto mais baixo do projeto, onde todos os problemas confluem. Djonga consegue agonizar em mais um refrão onde a falta de substância é preenchida por uma frase clichê, repetições de vogais sem sentido e uma segunda voz mais aguda que passa extremamente longe de acertar com a atmosfera da track.  As mudanças novamente desbocam em problemas gerais, dessa vez,  MDN é chamado para a produção, mas tem o potencial de seu instrumental prejudicado pela mixagem que não conversa com o produto final (algo recorrente em todo o trabalho, mas gritante aqui). A voz de Djonga com volume elevado e na superfície pode funcionar para as propostas mais antigas, mas definitivamente não se aplica ao que Maurício propõe, um instrumental mais calmo de teclados cintilantes e guitarra. Esta, por sinal, é a que mais sofre completamente desperdiçada nessa bagunça toda.

Ao final, “Eu” encerra em contraposição à track inicial. Nela, a atmosfera cloud retorna com força nos sintetizadores. Djonga conceitualmente finda o que tem a dizer e tecnicamente demonstra bom desempenho, costurando metáforas e analogias de forma inteligente e precisa. No entanto, e aqui chega-se enfim a problemática que se refere à polêmica do passado, é visível que Djonga é muito mais contundente e direto com seu discurso para atacar quem o criticou do que para se responsabilizar pelo seu erro grosseiro, nesse sentido, alguns deslizes se encontram na argumentação e são de réplicas inevitáveis.

O MC diz que não levará a sério as críticas feitas a ele nas redes sociais porque, na rua, essas pessoas não existem, bem, além disso ser compreensível devido ao efeito da aproximação em massa proporcionado pela internet, e ainda, além disso não justificar o seu erro, excepcionalmente em tempos de isolamento social, há outro motivo para Djonga não encontrar aglomerações na rua, e é o mesmo que ele deveria ter considerado antes de pisar naquele palco, para início de conversa. Logo, a hipocrisia que ele tenta apontar em seus críticos não existe. O que existe é o fato de que o cancelamento passou longe do artista, quando comparado a outros nomes do meio que foram realmente esquecidos.

Djonga disse que “Nu” talvez seja seu último álbum, verdade ou não, o MC mineiro continua com sua legião de fãs, continua com uma mensagem e representatividade importantíssima, continua relevante e fazendo números, e, também, continua entregando um material tecnicamente abaixo do que foi o seu antecessor pelo terceiro ano seguido.

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