Review: Vince Staples – Vince Staples

A coesão, neste disco, funciona como uma bênção e uma maldição.

Nos últimos dez anos, se conta nos dedos (talvez de uma mão) os MCs que tenham começado a carreira com dois álbuns de tão alto nível como foi Vince Staples. O cinematográfico, voltado para a vivência gangsta Summertime 06′ foi simplesmente um dos melhores álbuns de rap da última década, e seu sucessor, Big Fish Theory, foi uma bem sucedida mudança de ares, partindo para algo mais experimental e com sonoridades mais eletrônicas. A partir desse ponto Vince se tornou um ícone na cena quando o assunto era qualidade, e depois do curto FM! em 2018, o MC traz sua obra mais pessoal para manter sua barra lá no alto.

Apesar de fazer mudanças a cada trabalho, Staples sempre foi reconhecido como um rapper gangster, por sua vivência nas ruas de Long Beach, Califórnia. Em seu novo trabalho, que leva seu próprio nome, a missão é se abrir mais sem que essa aura seja perdida, então o lado emocional com que o artista vê sua vivência é o ponto focal do curto trabalho. Com só 10 faixas e 22 minutos, cada linha aqui colocada merece atenção, principalmente vindo de alguém que não costuma desperdiçar nenhuma.

O excelente Kenny Beats cuidou da produção inteira do disco, e não decepcionou. A produção é novidade para Vince, que segue a mesma toada da escrita, que passou para algo mais introspectivo, e neste âmbito as baterias fortes e instrumentos eletrônicos dão espaço para uma estética que se aproxima muito do lo-fi. O primeiro single do disco, ‘Law Of Averages’, já indicava esse caminho, com baterias extremamente espaçadas e que as vezes até somem, deixando com que os belos vocais de fundo ocupem esse piso, por onde o MC usa flows arrastados e vocal quase sonolento para mostrar sua falta de confiança em todos que encontra em sua cidade. A track se destaca pelo espaço que dá a cada elemento, e a escrita sagaz de Vince se destaca mais uma vez.

Antes da faixa citada, temos outra excelente track em ‘Are You With That’, que abre o trabalho. Aqui Vince mostra saudades da vida de gangues e desejo de voltar, até que reflete sobre os perigos, traições e os amigos que já morreram. Nessa track as baterias mais orgânicas aparecem de forma bem contida, com destaque para o flow agradável de Vince e o bom refrão, e mais uma vez os vocais de fundo dão outra camada muito bem vinda para a sonoridade da track. A ótima trinca inicial é completada por ‘Sundown Town’, onde os espaços são ocupados pelos hi-hats de Kenny, mas a estética sonora é a mesma das anteriores: lo-fi, vocais de fundo e Vince em um flows lentos por versos curtos, toada que segue por todo o disco, de forma que nenhuma faixa ultrapasse os 3 minutos de duração. A escrita aqui atinge seu ápice na excelente segunda metade, onde Vince se mostra basicamente vivendo com stress pós-traumático de sua vida de gangues.

I don’t fear no man, only Allah got the upper hand

Lost too many friends, to the down the streets, I can’t pretend

That I’ll make amends, I know that the blood gon’ spill again

Hangin’ on them corners, same as hangin’ from a ceiling fan

When I see my fans, I’m too paranoid to shake they hands

Clutchin’ on the blam, don’t know if you foe or if you fam

A primeira metade ainda termina em bom nível com ‘The Shining’ e ‘Taking Trips’, duas faixas com baterias que já se aproximam do trap, mas ainda com a mixagem evidenciando sintetizadores e vocais de fundo para manter a vibe mais calma. A primeira tem um belo beat e Vince abusando de seu talento para ser completamente relatável até para quem não tem a menor associação com a vida de gangues, dropando barras e mais um bom refrão (We dying broke or live with broken hearts); e na segunda usa a voz mais tranquila mesmo que a letra fique mais pesada que no resto do disco. Na segunda das citadas, no entando, o beat é mais fraco que no resto do disco.

Na segunda parte do disco temos apenas três canções de fato, com dois interlúdios. A primeira destas, felizmente, é um destaque no álbum: ‘Take Me Home’ mostra uma bateria mais em boombap, mesmo que em segundo plano, com o feat matador de Fousheé no ótimo refrão. A voz da cantora é completamente intoxicante, sendo essa uma mudança importante de panorama no disco, embora o anfitrião tenha mais uma boa performance, mostrando-se incapaz de confiar em ninguém e com dificuldades para encontrar sua paz (Bitch, you a friend of me, you plan on killing me?).

Quando mais ninguém esperava, temos uma virada de ritmo e as coisas se aceleram nas duas últimas canções. ‘Lil Fade’ tem Kenny usando um sample acelerado de música típica indiana para um trap um pouco mais acelerado, com Vince explorando novamente seu flow mais tranquilo, mas extremamente bem colocado sobre o beat. ‘MHM’ encerra o disco também em alto nível, com Vince pela primeira vez acelerando seu flow para encontrar a energia alto do trap dinâmico que o produtor lhe entrega, e a entrega carismática e o refrão chiclete sustentam mais uma boa track, fechando o álbum praticamente em seu clímax.

Se todas as faixas, como dito, são boas, isso também é um problema: elas raramente vão além. Vince elevou demais sua barra para entregar tracks ‘só boas’, e a brevidade do disco pode confrontar isso. Nada de extraordinário acontece, com todas as faixas sendo compostas por 2 versos + 2 refrães, nenhum verso se esticando para 16 linhas ou mais, nenhuma amostra louca de talento. A concisão, neste disco, funciona como uma bênção e uma maldição, permitindo que o MC vá sempre direto ao ponto ao mesmo tempo que fica uma sensação de que seu potencial total não foi explorado.

De toda forma, este é um bom álbum. Praticamente ninguém mantém sua carreira só com trabalhos excelentes, e é agradável para o público ver o rapper expor seu liricismo para um lado pouco explorado da vida de gangues, que é o emocional. Não se passou nem uma década na carreira de Vince Staples, e esse disco ainda não foi seu primeiro deslize. Não sabemos qual será o caminho que ele tomará no próximo disco, mas é seguro afirmar que não veremos a mesma coisa que vimos neste álbum. Nunca é a mesma coisa.

 

Melhores faixas: Are You With That?, Sundown Town, Take Me Home

 

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